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O Envolvimento da Igreja

No documento Tese final (páginas 139-141)

Capítulo 3 O 18 de Janeiro de 1934

12. O Envolvimento da Igreja

A Igreja envolveu-se na questão resultante do movimento insurrecional de 18 de

Janeiro de 1934, nomeadamente nos meses seguintes. Frise-se que a esmagadora maioria dos

revoltosos “não foram detidos e criminalmente processados” (Patriarca, 2000, p. 490).

Contudo, o Bispo de Leiria, D. José Alves Correia da Silva, intercedeu junto do Presidente da República (PR) e do Governo na tentativa de atenuar as penas dos operários da Marinha Grande detidos na sequência do ato insurrecional.

Em 6 de fevereiro de 1935, escreveu ao PR, apelando ao “coração magnânimo de Vossa Excelência, pedindo uma ampla anistia para os exilados da Marinha Grande vítimas do gorado movimento revolucionário de Janeiro de 1934”140. O líder da Igreja católica no distrito

revela na missiva as razões da sua intercessão junto do Poder Central:

“As mães e esposas desses infelizes vieram pedir-me para, em seu nome, expor a Vossa Excelência as circunstâncias angustiosas que atravessam. Os maridos e filhos eram o sustento das suas pobres casas, onde se não havia o confôrto, tinham ao menos um bocado de pão. Com o seu exílio a miséria entrou nos seus lares, os filhos choram de fome e frio, agravando-secada vez mais esta situação crítica”.141

O Bispo de Leiria lembrava o Presidente da República que “se os maridos e filhos entraram nesse movimento foi porque os iludiram abusando da sua boa fé e, enquanto os que os aliciaram andam em liberdade, os seus aguentam com o peso das culpas que não tinham”.

140 A carta foi recebida em 14 de fevereiro de 1935 e registada sob o nº 1917, Livro 7, Folhas nº 275. 141 Cf. Jornal da Marinha Grande de 8 de abril de 1976, pp. 1-2.

Era uma tentativa de a Igreja separar os mentores dos executores. A carta terminava apelando para os operários “voltarem ao seio das suas famílias”142.

Em 15 de fevereiro de 1935, o Presidente da República respondeu ao Bispo sobre o apelo recebido:

“Encarrega-me Sua Excelência o Sr. Presidente da Republica, da subida honra de acusar a recepção da carta de Vossa Excelência Reverendíssima que acompanhava uma petição referente à situação dos presos do movimento de Janeiro de 1934, na Marinha Grande, bem como, uma lista dos mesmos presos, e de levar ao conhecimento da Vossa Excelência Reverendíssima que Sua excelência com o maior interesse recomendou o assunto à consideração de Sua Ex.ª o Ministro da Justiça.”

D. José Alves Correia da Silva escreveu igualmente ao Ministro da Justiça, em 20 de fevereiro de 1935, informando que tinha pedido ao Presidente da República “uma ampla anistia” para os exilados da Marinha Grande.

Os apelos do Bispo de Leiria foram encaminhados para o Ministro do Interior, “por se tratar de assunto desse Ministério”143.

O capitão Maia Mendes, em resposta, não deixava dúvidas sobre a posição do governo:

“Nada mais humano do que a petição feita pela mulher e pelos filhos. Nada mais comovente do que a interferência do Exmo. Bispo de Leiria, em assunto tão lamentável. Preza a Deus que não haja outra revolta na Marinha Grande, por estes tempos mais próximos, o que a Polícia se tem esforçado por garantir, embora tenha ainda sérias apreensões sobre tal assunto. Estes males, estes cuidados, estes perigos não os atinge, felizmente o Exmo. Bispo, porque a sua altíssima missão e inexcedível bondade tem vastíssimo campo de aplicação, sem se lhes abeirar. Seja-me permitido, ao ambiente de paz, de caridade mesmo, que transpira a mensagem, fazer uma alusão passageira à expressão que refere aqueles que aguentam “com culpas que não tinham”. Bem o sabe o Exmo. Bispo, como é falível a justiça dos homens, ainda quando, como neste caso, se tenham cumprido todas as formalidades da lei, até e durante o julgamento que os condenou. Que não conheça limites a bondade, que se não pese a tolerância, que não se negue a taboa salvadora no mar revolto das paixões. Mas… No campo das realidades, o sentido da oportunidade domina todas as questões; é essa oportunidade que não julgámos chegada ainda.”

O poder executivo recusou o pedido do Bispo. Aliás, era esse o espírito que se podia captar na resposta enviada, em 1 de março, pelo Chefe de Gabinete do Ministro do Interior: “Em referência às petições endereçadas a Suas Excelências os Senhores Presidente da República e Ministro da Justiça, encarrega-me Sua Excelência o Ministro do Interior de

142 O Bispo de Leiria falava, ainda, da bondade do Presidente da República, definindo-o como “o apaziguador

das paixões e ódios que fervilham no nosso meio social”.

informar que o Governo recebeu com a atenção devida a solicitação de V. Exa. Reverendíssima, tendo o maior empenho em que as oportunidades lhe permitam exercer a sua acção de benevolência, sem prejuízo da ordem e da paz social.”144

O Bispo de Leiria acusou, “muito penhorado”, o ofício do Ministério do Interior e aproveitou a resposta para reafirmar o pedido de libertação “dos pobres operários da vila Marinha Grande presos sob a acusação de terem tomado parte no gorado movimento revolucionário de Janeiro do ano passado”. O membro do clero em Leiria lembrava ao Ministro do Interior que ia “uma grande miséria nas famílias daquela pobre gente” que eram “as principais vítimas”. Por isso, voltava a sugerir que se o Ministro do Interior “os mandasse regressar à sua terra, embora sob certas condições e até vigilância, tudo aceitariam de bom grado” e despedia-se apelando ao “coração magnânimo de V. Exa. que lhes fará tudo o que puder”145. O poder político acabou por se mostrar, pelo menos parcialmente, sensível aos

pedidos de clemência e apenas uma pequena parte dos revoltosos da Marinha Grande acabou por ser julgada e condenada.

Para além do Bispo de Leiria, o pároco da freguesia de Amor, Joaquim Margalhau, teve um papel importante após a eclosão do movimento. Apesar de ser “um acérrimo e visceral anticomunista”, tal como afirma Nunes (1998, p. 168), “estiveram escondidos na residência paroquial de Amor uma série de homens, em busca de refúgio e auxílio”.

Observada a intervenção religiosa do Bispo de Leiria, importa agora verificar de que forma o jornal oficial do PCP tratou a efeméride, na clandestinidade e em liberdade, até para perceber se o discurso mudou antes e depois de abril de 1974.

No documento Tese final (páginas 139-141)