• Nenhum resultado encontrado

Balanço do Movimento Insurrecional

No documento Tese final (páginas 125-128)

Capítulo 3 O 18 de Janeiro de 1934

6. Balanço do Movimento Insurrecional

O movimento de janeiro de 34 esteve longe de atingir os objetivos e, por isso, no que concerne aos interesses dos trabalhadores, pode falar-se de fracasso, ao ponto de Nunes (2006, p. 237-238) reconhecer que o mesmo se “transformou numa pesada derrota para o operariado revolucionário”.

São várias as justificações invocadas para a derrota do movimento insurrecional. Como se verá adiante, anarco-sindicalistas e comunistas trocaram acusações, atribuindo o fracasso ao parceiro de «coligação». Contudo, parece claro que não existiu um fator único na origem da derrota. Na visão de Gregório (1975, p. 24), para o movimento ter êxito era “absolutamente necessário montar a organização do partido [PCP] nas fábricas e melhorar a actividade do Comité local”. Para Rosas (1994, p. 237), vários fatores estiveram na origem do desaire, desde logo “a descoordenação do movimento por parte da CGT, dados os golpes desferidos previamente pela polícia na sua estrutura dirigente”.

Por outro lado, acrescenta, “a desigual acatação dos planos da greve por parte do PCP/CIS, consoante as organizações onde preponderava a linha oficial do partido […] ou a dos sindicalistas da Comissão Intersindical (caso dos vidreiros da Marinha Grande)”. O autor lembra, ainda, a “abstenção dos reviralhistas” nesta luta contra o Estado Novo. Contudo, Gregório (1975, p. 24) encontra outras explicações, desde logo o facto de se ter preparado os operários para a luta armada, não se considerando nem “a greve nem a luta de massas”. Esta é a explicação para a “ínfima minoria da classe que participou no movimento, o que tornou mais fácil a repressão”.

O autor fala ainda no “pouco amadurecimento político do partido em geral” para além da presença no seio do PCP de “elementos e de ideias anarquistas e putchistas de que só mais tarde se limpou” (Gregório, 1975, p. 25), para além de não ter sido tomada em conta “a necessidade de encarar uma retirada, de modo ordenado”.

O antigo militante do PCP, que atualmente dá nome a uma das principais avenidas da Marinha Grande, reconheceu que a chegada dos militares e forças de segurança à então vila provocou uma “retirada desordenada, sem quaisquer possibilidades de resistência momentânea”. Todavia, Mónica (1981, p. 558) lembra que “nas vésperas do dia marcado são feitas prisões de importantes dirigentes anarco-sindicalistas”, pois o governo sabia “o dia e a hora da eclosão do movimento, tendo-se limitado a esperar e a preparar a repressão”.

Em entrevista que deu ao jornal Linha Geral, de Leiria, em 1975, Pedro Pereira Mendes, conhecido por «Alfaiate Amarante», garantiu que o 18 de Janeiro “era para coincidir com o movimento revolucionário que estava projectado chefiado pelo aviador Sarmento de Beires”.

Aconteceu que a prisão de Beires levou ao adiamento “desse movimento”. O operariado marinhense acabou por se sentir isolado e, segundo Pereira Mendes, “só desse isolamento é que resultou o fracasso”.

Patriarca (2000, p. 475) lembra que o 18 de Janeiro de 1934 se inseriu “fundamentalmente na tradição do «revolucionarismo» republicano”, mas o «Alfaiate Amarante» tocou num ponto de extrema importância e que poderá ter estado na origem da derrota do movimento operário: a não adesão maciça de políticos e militares republicanos. Existem, aliás, reservas relativamente à participação republicana, embora Patriarca (2000, p. 487) garanta “não restarem dúvidas” na movimentação dos republicanos e no seu envolvimento “antes da eclosão do movimento”.

Já Sertório (1984, p. 10) não garante que tenham existido conversações com os militares republicanos, limitando-se a aceitar a possibilidade de “ter havido contactos entre elementos militares, ou ex-militares, e dirigentes operários, como ocorrera em ocasiões anteriores”.

Também Bento Gonçalves abordou esta questão na obra que escreveu na prisão. O antigo líder comunista concordou que alguns camaradas de partido, entre outros, estavam convencidos de que uma greve geral “eclodiria em todo o país, à qual se juntaria o reviralho”121. Porém, na sua perspetiva, o partido “não apareceu como um bloco homogéneo”

e “a C.I.S. concedeu demasiadamente à C.G.T.”, uma vez que “o partido ainda não tinha expurgado o terrorismo completamente das suas fileiras”122.

Relativamente à Marinha Grande, as palavras de Bento Gonçalves são claras: “o caso da Marinha Grande foi apresentado como um «modelo» de boa táctica. Só em Angra viemos a verificar que o feito ali, também, nem por isso tinha sido menos putchista”123.

Ou seja, o antigo líder do PCP concluiu que “o 18 de Janeiro foi pura e simplesmente ridículo. Foi a expressão da própria impotência da organização operária proletária na luta pela continuidade da sua própria existência independente”124.

Mais, tinham sido “acções de provocação inconsciente”125. Estamos, assim, perante uma

organização sindical influenciada por “lutas intestinas” em torno da hegemonia do movimento que opunham “com particular virulência” anarquistas e comunistas e que acabaram por “contaminar” socialistas e autónomos (Patriarca, 2000, p. 489).

Ora se o êxito do movimento já era problemático sem o apoio dos militares e dos políticos republicanos, as lutas internas no seio da Frente Única acabaram por fragilizar a intentona contra o fim do sindicalismo livre.

E mesmo na eventualidade de ser percebida esta realidade, “às tantas, torna-se impossível qualquer inversão de marcha ou tão só qualquer hipótese de recuo” (Patriarca, 2000, p. 489), mesmo sem as armas que estavam para vir de Espanha. Carvalho (2013, p. 107) lembra que “a abnegada e combativa luta dos trabalhadores pela liberdade contra a

121 Cf. http://www.ocomuneiro.com/paginas_m_bento_goncalves_DuasPalavras_1941.html, jornal eletrónico

consultado em 24 de maio de 2014.

122 Cf. http://www.ocomuneiro.com/paginas_m_bento_goncalves_DuasPalavras_1941.html, jornal eletrónico

consultado em 24 de maio de 2014.

123 Cf. http://www.ocomuneiro.com/paginas_m_bento_goncalves_DuasPalavras_1941.html, jornal eletrónico

consultado em 24 de maio de 2014.

124 Cf. http://www.ocomuneiro.com/paginas_m_bento_goncalves_DuasPalavras_1941.html, jornal eletrónico

consultado em 24 de maio de 2014.

125 Cf. http://www.ocomuneiro.com/paginas_m_bento_goncalves_DuasPalavras_1941.html, jornal eletrónico

exploração, por uma vida mais digna e justa, foi abortada pela desarticulação do movimento e pela desigualdade de forças”.

As armas para o 18 de Janeiro de 1934, segundo Hermínio Nunes, “não chegam a sair de Espanha”.

Pedro (2014, p. 67), que participou no movimento, em Lisboa, garante que para aquela noite estava preparada “uma tentativa de greve geral revolucionária destinada a protestar contra o Decreto-Lei nº 23 050 e, eventualmente, a derrubar o regime salazarista”.

O autor recorda que aquele decreto “impunha a dissolução dos sindicatos livres e a sua substituição pelos chamados «sindicatos corporativos»”.

Nunes (1998, p. 34) lembra que “o 18 de Janeiro de 1934 não foi um acto isolado em relação ao país, inserindo-se, pelo contrário, num enquadramento perfeito com sentido mais vasto na história das lutas sociais, levadas a cabo pelo operariado português”.

Falhado o movimento, era chegado o tempo da vingança do regime e para “muitos camaradas o calvário da prisão e do desterro para o Tarrafal” (Santana, 1978, p. 98). Mas não só. Para além do “travo amargo da derrota”, sublinha o autor, começaria para todos os trabalhadores “a negrura duma maior servidão sob o estigma do olhar sombrio da polícia”.

Trabulo (2004, pp. 100-101) cita o Diário de Salazar: “às vezes sinto-me farto de tudo isto. […] Quantas prisões mais, quantos degredos serão ainda exigidos para que o País sossegue e possa prosperar?”. Nesta altura, o professor de Santa Comba estaria longe de pensar a resistência que teria até ao fim da sua longa carreira política, que duraria mais de trinta anos.

Feito o balanço, importa agora perceber quais as consequências sociais e políticas do movimento insurrecional.

No documento Tese final (páginas 125-128)