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Os Acontecimentos da Marinha Grande

No documento Tese final (páginas 121-124)

Capítulo 3 O 18 de Janeiro de 1934

4. Como a Imprensa Nacional viu o 18 de Janeiro de 1934

4.1. Os Acontecimentos da Marinha Grande

O enviado especial de O Seculo à Marinha Grande fez o relato do que ocorreu na vila na edição de 19 de janeiro, titulando: “Dum verdadeiro arsenal dispunham os revoltosos que fizeram, da Marinha Grande, o seu campo de operações”.

118 “Triste aventura comunista”, assim escreve o DN na edição de 20 de janeiro de 1934, sem contudo não deixar

O jornalista explicava que a população “ordeira” tinha passado horas “muito aflitivas” e que dos 5.000 habitantes da “laboriosa vila”, apenas 200 “se deixaram arrastar à prática de actos condenáveis”.

Esta afirmação, por si só, mostra de que lado da barricada estava o jornalista de O

Seculo, ou seja, totalmente afeto ao regime.

Outras passagens do texto jornalístico confirmam isso mesmo: “Com requintes de crueldade, os revoltosos preparavam uma chacina em que não poupavam, sequer, mulheres nem crianças”; “A realizarem-se os seus maléficos intentos, teríamos, a esta hora, que lamentar grande numero de vítimas”, embora alguns elementos parecessem destoar do conjunto: “A feroz investida resistiu, heroicamente, durante três horas”; “Em várias ruas, viam-se longos rastos de sangue, proveniente de ferimentos causados pelas tropas aos revoltosos”.

O enviado à Marinha Grande descreveu ainda os ataques ao quartel da G. N. R. e aos Correios e Telégrafos.

Na edição de 19 de janeiro, o Diário de Notícias fez o relato dos acontecimentos ocorridos na Marinha Grande, utilizando expressões como “assaltantes” e “revolucionários”, associando-as a um movimento comunista. Desta forma, o jornal mostrava não existirem dúvidas sobre a autoria das ações insurrecionais e não fez qualquer referência aos anarco- sindicalistas. Foi na edição de 20 de janeiro que a Marinha Grande ganhou destaque de primeira página:

“O Governo resolveu considerar a greve como um acto revolucionário e aplicar sanções pesadas. Os funcionários públicos, civis e militares que professem ideias avançadas serão demitidos e substituídos nos cargos que ocupam. A repercussão do movimento em Coimbra e na Marinha Grande foi contrariada pela justa repulsa e indignação das populações”.

O jornal revelava que se tinha entrado no “rescaldo da lamentável e condenável tentativa de greve geral” e anunciava que “os principais responsáveis do movimento vão seguir, dentro de poucos dias, para um campo de concentração no sul de Angola”.

Era, ainda, dada a conhecer uma decisão do Conselho de Ministros relativa à vila da Marinha Grande e com grande impacto no mundo laboral da vila:

“Foi comunicado às entidades patronais (…), vítimas de greves parciais, que não lhes é permitido admitir ao trabalho os operários que a ele faltaram nos dias fixados para a greve revolucionária, estando, já, as autoridades de posse das respectivas listas para fiscalizar o rigoroso cumprimento desta determinação”.

Explicitando um elemento anterior, O Seculo acrescentava que o Conselho de Ministros tinha decidido organizar ao sul de Angola, na Foz do Cunene, “um campo de concentração, para onde seguirão, dentro de poucos dias, os principais responsáveis na preparação e direcção do movimento revolucionário e os demais implicados nos actos criminosos que são do conhecimento publico”.

Ainda na edição de 20 de janeiro a Marinha Grande voltou a ter um grande destaque no interior do jornal, na página 2, com duas fotografias: uma da fachada do telégrafo-postal e outra da casa do industrial onde rebentou uma bomba. Em baixo podia ler-se: “Na Marinha Grande, os sediciosos não fizeram maiores desacatos devido à rápida intervenção das forças chegadas de Leiria”.

O jornal voltava a falar de “lamentáveis acontecimentos que perturbaram o espírito da sua população, habituada à ordem e ao trabalho”.

Depois informava que “os acontecimentos são condenados e lamentados por todos”, além de que “hoje, com os ânimos mais sossegados, reconstituíram-se os acontecimentos, que unanimemente se lastimam”.

O jornal revelava que o movimento na Marinha Grande se tinha iniciado às 3 horas com o rebentamento de um morteiro no Largo Ilídio de Carvalho, junto ao Sindicato, e dava conta que a vila continuava ainda ocupada militarmente.

Dizia ainda que o movimento revolucionário na Marinha Grande levara à demissão do Sargento Oliveira, comandante do posto da GNR, “por se ter provado que não procurou actuar, como lhe competia, na defesa do posto, pois, apesar de ali se encontrar com poucas praças, estas não chegaram, segundo se averiguou, a disparar um tiro”.

Na edição de 21 de janeiro novo destaque na primeira página: “Os revoltosos da Marinha Grande continuam a ser perseguidos e têm aparecido bombas”. No interior, o enviado especial revelava que não se falava de outra coisa na vila e que o próprio jornal tinha esgotado e nalguns casos tinha sido vendido “por preço superior ao normal”.

Pode, ainda, ler-se que algumas famílias, e sobretudo senhoras, receosas de qualquer incidente, se haviam refugiado noutras localidades, nomeadamente Leiria, Caldas da Rainha e Lisboa. Quanto às ruas, continuavam a ser patrulhadas por militares.

No que concerne aos mentores locais do movimento, o jornal revelava que o líder dos revoltosos na Marinha Grande fora “Pedro Amarante Mendes, alfaiate de profissão”. A partir daqui começaram a ser menos frequentes as notícias sobre o movimento.

Na edição de 26 de janeiro, foi dado a conhecer que o Ministro do Interior tinha manifestado ao diretor de O Seculo o “agradecimento do Governo pela atitude que o nosso jornal tomou aquando da tentativa de greve geral revolucionaria”. Certamente que o uso do determinante possessivo «nosso» não foi acidental. Aliás, revela a subserviência do jornal ao poder político.

Assim, conclui-se que a verificação das páginas deste diário com distribuição nacional mais não é do que a constatação, por um lado, do apoio inequívoco ao poder político, e por outro a condenação dos participantes na ação insurrecional, ou seja, a imparcialidade é algo que esteve ausente nos textos publicados sobre o tema. Evidentemente que a censura não deixaria que outra coisa acontecesse.

No documento Tese final (páginas 121-124)