• Nenhum resultado encontrado

A partir dos últimos anos da década passada, começou a circular na sociedade e na comunidade educativa o conceito de “abandono escolar” que tem vindo a sobrepor-se ao conceito de “insucesso escolar”, cuja ocorrência na linguagem comum e na problemática da investigação é cada vez menos. Com efeito e parafraseando GLASMAN (2003 in MATOS, 2004, 8), nem todos os desescolarizados são mal sucedidos. No entanto, para além desta distinção de tipo empírico, parece haver uma diferença de tipo ideológico, imputável a uma alteração política, social e organizacional da escola. Segundo MATOS (2004),

“ (…) o fenómeno em referência era o resultado paradoxal da hiperescolarização da sociedade actual, que por sua vez, traduz preocupações mais de ordem política que educativa ou socio-pedagógica.” (p. 8)

Para vários investigadores e porque se trata de um assunto com amplos envolvimentos na vida social e profissional dos docentes e porque afronta os fundamentos do funcionamento da escola pública, é importante referir a hiperescolarização da sociedade enquanto intuito político tendencialmente universal que se traduz na crescente responsabilização da escola pela solução de todos os problemas sociais no desígnio de que a ordem social e política será legitimada, desde que a todos os indivíduos que fazem parte da sociedade sejam proporcionadas as mesmas condições de desenvolvimento e de auto-realização para poderem ser responsabilizados pelos seus feitos.

Assim sendo, a resposta ao problema do abandono escolar não pode ser construída no âmbito da escola que conhecemos, já que é justamente a escola que provoca o abandono. Do ponto de vista de MATOS (2004), na linguagem do abandono e da desescolarização, são os próprios textos emanados pelo sistema educativo que admitem um tempo e um espaço de retrocesso, de recusa e de desvalorização da escola, o que supõe pelo menos a ocorrência de três fenómenos mais ou menos evidentes no sistema educativo:

“Em primeiro lugar, o alargamento temporal e social do ciclo de escolarização, tanto do obrigatório como do secundário (…). Em segundo lugar, a baixa expectativa quanto aos benefícios dos diplomas sobre as hipóteses de emprego, (…). Em terceiro lugar, a degradação da própria experiência escolar, designadamente quanto à gestão do currículo oferece passagens de ano quase

administrativas e as propostas escolares não contribuem efectivamente para ampliar os reais conhecimentos dos alunos e as suas competências práticas. Desta experiência escolar negativa resulta, frequentemente, uma imagem auto- desvalorizada de si próprio, enquanto pessoa, a qual só é possível resgatar através da recusa da própria escola.” (p. 8)

Para este investigador, a ocorrência destes três fenómenos na produção directa da desescolarização podem ser interpretados, paradoxalmente, como resultado do próprio processo da escolarização contemporânea, quando isso significa hiperescolarizar a sociedade na crença de que previne a marginalidade e promove a integração social.

1. 7. 1 O abandono escolar e os seus efeitos na entrada precoce numa vida pré- delinquente

O abandono escolar é cada vez mais uma causa social conotada com a segurança e a prevenção da criminalidade, que evidencia o facto da escola sentir-se cada vez mais na obrigação de assumir um compromisso no que se refere à gestão política do quotidiano da sociedade. Com efeito, a saída antecipada da escola tem muitas vezes como consequência a entrada precoce na criança numa vida pré-deliquente ou mesmo marginal.

Muitas crianças e muitos jovens não conseguem ultrapassar as dificuldades de diversa ordem que se verificam no sistema educativo. Com efeito, acabam por se desmotivar perante as ofertas tradicionais do ensino a nível da escolaridade obrigatória, atingindo idades de frequência para além daquelas consideradas na legislação. O perfil do aluno em risco de abandono escolar é definido assim por GARRINHAS (1997),

“O aluno em risco é em geral mais velho que os colegas do mesmo grau de ensino, fruto das repetências, não parece ser apoiado pelas famílias, vive num meio familiar intelectualmente desfavorecido e tem em geral um rendimento escolar insuficiente.” (p. 319)

Contudo, um facto persiste, a iliteracia mantém-se numa crescente camada de educandos, consubstanciada em formas de comunicação oral e escrita deficitárias, suporte insuficiente face à constante inovação cultural e tecnológica, insatisfação e dificuldades de interacção social como cidadãos com real liberdade de escolha. Incapazes de prosseguir nos seus estudos

de forma satisfatória, não conseguindo aprender os conteúdos e saberes valorizados pelo sistema de ensino num espaço de tempo previsto, exposto a reprovações e múltiplas repetições de ano, os alunos acabam por abandonar a escola, legitimando a exclusão escolar enquanto expressão de incapacidade ou inadaptação individual.

Desta forma, abandono e insucesso escolar surgem como duas problemáticas contemporâneas na massificação do ensino e com o alargamento da escola obrigatória, cresce não só o insucesso, mas também o abandono escolar. Os números do abandono escolar revelam-se um fenómeno deveras preocupante. O abandono escolar significa que o aluno deixa a escola sem ter concluído o nível de ensino em que estava matriculado e desta forma surge fortemente ligado em parte, aos maus resultados académicos, às fracas expectativas no futuro, atrasos no percurso escolar caracterizado por desajustamentos, fracassos, desinteresse e rejeição pela escola, resultando por sua vez numa inadaptação à escola. Para GARCIA, SILVA, SANTOS e ALCÂNTARA (2000),

“ (…) o abandono escolar tende a ser relacionado com dois tipos de condicionantes: um de cariz sócio-familiar (meios desfavorecidos; agregados familiares numerosos; pobreza; contextos que valorizam o trabalho infantil), e outro inerente à organização interna do próprio sistema (currículos e áreas disciplinares desajustadas; corpo docente em situação precária ou com pouca formação; escolas periféricas, com quadros de pessoal pouco estáveis que mudam todos os anos; infra-estruturas degradadas e escassas).” (p. 68)

Desta forma, abandono e insucesso escolar surgem como duas problemáticas recentes na massificação do ensino e com o alargamento da escola obrigatória, cresce não só o insucesso, mas também o abandono escolar que cada vez mais se revela um fenómeno deveras preocupante.

É desta forma que o abandono escolar na escolaridade obrigatória surge como um factores mais relevantes face aos fenómenos de exclusão escolar e social

1. 8 A exclusão escolar: um efeito perverso que contraria as políticas