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Quando um indivíduo nasce, já “nasce” no seio de uma sociedade. Quando uma criança entra para a escola "leva" a essa “sociedade pessoal” com ela. O meio é um factor muito importante no desenvolvimento de um indivíduo, na medida em que ele aprende e age consoante este.

Grande parte da população do bairro onde se insere a escola em estudo, é oriunda especialmente do norte do país. Foi também nesta freguesia que se fixaram muitos imigrantes oriundos dos Países de Língua Oficial Portuguesa (PALOP), frequentemente caracterizados por terem agregados familiares numerosos.

O choque de culturas, a situação socio-económica e habitacional em que vivem parecem ser responsáveis por desequilíbrios ao nível familiar. Estes também emergem nas crianças, alunos desta escola, que frequentemente respondem com agressividade e desinteresse respectivamente às normas socialmente aceites e às tarefas escolares. Esta situação culmina frequentemente em insucesso e em abandono escolar.

Para a comunidade de imigrantes e seus descendentes, aprender em Portugal, não tem o mesmo significado de aprender numa escola do seu país de origem. Em Portugal, uma sociedade diferente daquela de onde são oriundos, dominada por uma economia de mercado e insensível à crescente assimetria social, o futuro está aparentemente nas obras da construção civil. A escola, espelho da diversidade cultural que a envolve, tenta encontrar respostas minimamente adequadas, de modo a esbater a intolerância que emerge das relações inter- pessoais, tentando evitar o início do ciclo da marginalidade.

O grande problema social do bairro é a presença menos amigável dos moradores dos blocos multicores, onde foram realojados parte dos moradores de um outro bairro problemático, um bairro de lata que também se situava nesta zona oriental de Lisboa. Os moradores mantêm a cultura de desinserção do bairro de origem, num contraste com os operários das urbanizações vizinhas, e fazem deste pequeno conjunto de prédios quase um gueto onde os outros evitam passar. São vários os jovens que aos 16 anos nunca frequentaram a escola, analfabetos perdidos na grande cidade que seguem o exemplo dos pais, recusando qualquer emprego fixo: sobrevivem de biscates, pequenos furtos, esquemas diversos, venda de artigos roubados,

tráfico de droga e de armas. Recorrem ao rendimento mínimo garantido, acabam por perder- lhe o direito por não cumprirem as regras de tentativa de inserção social, e recorrem de novo assim que podem. Há sempre moradores que estão presos, com os filhos entregues a um parente. É uma rede fortíssima de solidariedade assente em laços familiares muito estreitos, uma tradição que vem dos tempos de outros bairros – famílias ligadas em simultâneo por diversos laços de parentesco, irmãos que casam com irmãs de outras família, primos por vários lados ao mesmo tempo.

De um modo geral, uma grande parte dos habitantes do bairro são desempregados, existindo como já se referiu uma elevada taxa de criminalidade, reveladora de complexas problemáticas, nomeadamente no que diz respeito ao consumo e tráfico de drogas que pode ser observado por qualquer transeunte. As crianças que constituíram casos neste estudo habitam neste bairro e lidam diariamente com fenómenos caracterizados pela violência, pelo alcoolismo, pela prostituição, pelo tráfico de droga e de armas, pelo comércio ilícito, pelas corridas ilegais de street racing e mesmo pelas lutas de cães que ao anoitecer dominam as ruas. Não foram raras as vezes em que o pessoal docente e o pessoal não docente tiveram de ficar retidos na escola, quando das saídas tardias de reuniões, pelo facto do bairro se encontrar cercado pela Polícia de Intervenção que tinham por objectivo actuarem em conformidade pela denúncia de situações que alegadamente envolviam tráfico de droga e de armas.

São comuns as ameaças e as agressões físicas e verbais entre os habitantes do bairro e as trocas de insultos entre os encarregados de educação e outros familiares dos alunos que muitas vezes estendem-se ao pessoal que cumpre as suas funções profissionais na escola, temendo-se frequentemente pela segurança física e pela integridade moral dos alunos, bem como de toda a comunidade educativa.

Outro aspecto marcante, é do tipo de família que existe neste bairro, mercê da origem da população e das suas condições socio-económicas:

ƒ ausência de um dos progenitores que trabalham no estrangeiro ou terra natal; ƒ ausência dos dois progenitores (na mesma situação);

ƒ ausência de um dos progenitores pelo cumprimento de medidas penais em estabelecimentos prisionais;

ƒ ausência dos dois progenitores (na mesma situação);

ƒ ausência de um progenitor (por abandono ou por entrega voluntária); ƒ ausência dos dois progenitores (pela mesma situação);

ƒ integração das crianças em famílias de acolhimento, muitas vezes negligenciadas e rejeitadas;

ƒ família alargada com tios, primos, avós, fugidos das guerras, em situação de promiscuidade;

ƒ divórcios e separações conflituosas.

Das relações estabelecidas nestas famílias surgem crianças com imensos problemas emocionais e de saúde mental, impeditivos de um percurso escolar normal, que não encontram resposta clínica, já que o apoio psiquiátrico é caro e a burocracia para as assistir desmotiva as famílias. Apesar da pobreza, da desorganização e ausência, as famílias rejeitam a escola, os professores e pessoal auxiliar.

As crianças, após a saída da escola, ficam na rua entregues ao seu destino e outras ficam entregues aos pais desempregados, que enfrentam situações psicológicas que em nada ajudam ao desenvolvimento das crianças.

A alimentação destas crianças é precária, quer por carências económicas, quer pela desorganização familiar.

O lazer é praticamente reduzido ao vídeo e à televisão, a qual é considerada tão imprescindível que não é raro apercebermo-nos de que muitas famílias chegam a ter um televisor em cada quarto, apesar das dificuldades económicas.

A maioria dos alunos não tem hábitos de leitura e para além dos manuais, poucos ou nenhuns livros têm em casa. O livro nada representa.

Os erros de linguagem já automatizados, ao nível da pronúncia e articulação silábica, na sua maioria são indicadores de ausência de conversação. Referimos também a existência de dialectos específicos na comunicação entre os habitantes do bairro onde se localiza a escola alvo desta investigação e que quase sempre não são perceptíveis para a comunidade educativa, o que em muito dificulta as relações entre a comunidade e a escola.

4. Contexto escolar onde foi realizada a investigação