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Abordagem de temas na Formação Inicial: perspectiva Freire ana

CONSIDERAÇÕES FINAIS 293 REFERÊNCIAS

SITUAÇÃO DE ESTUDO

3.2.4 Abordagem de temas na Formação Inicial: perspectiva Freire ana

Fundamentadas na perspectiva da educação libertadora, dialógica e problematizadora de Paulo Freire, a Abordagem Temática Freireana (DELIZOICOV, 1991; DELIZOICOV; ANGOTTI; PERNAMBUCO, 2002; DELIZOICOV, 2008; TORRES; FERRARI; MAESTRELLI, 2014) e a Práxis Curricular via Tema Gerador (SILVA, 2004), defen- dem a estruturação do programa escolar tendo como ponto de partida o contexto social do educando, em que o conteúdo programático da edu- cação é organizado a partir da situação presente, existencial e concreta dos educandos. Os conceitos científicos são trabalhados para favorecer o entendimento de uma situação real e significativa que expressa uma contradição da comunidade escolar, a qual é denominada situação- limite25 (FREIRE, 2010). Assim, para a estruturação curricular, a expe- riência dos educandos é considerada a fonte primária para a obtenção de temas significativos ou geradores, com os quais se balizam as práticas pedagógicas, articuladas com estruturas conceituais, que possuem suas bases teóricas na pedagogia de Paulo Freire.

Os temas geradores são obtidos, de acordo com Freire (2010) por meio do processo de Investigação Temática (IT). Este processo foi transposto para a educação formal por Delizoicov (1991), caracterizando a dinâmica da Abordagem Temática Freireana em cinco etapas, quais

25 As situações-limites, de acordo com Freire (2010) são as situações problemá-

ticas em que os educandos estão imersos, e sobre as quais não possuem um entendimento crítico. Contudo, estas situações não podem ser vistas como situa- ções que não podem ser superadas.

sejam: 1ª) levantamento preliminar: levantamento das condições da comunidade, através de fontes secundárias e conversas informais com os indivíduos. Realiza-se a “primeira aproximação” com os sujeitos envol- vidos, e uma recolha de dados; 2ª) análise das situações e escolha das codificações: faz-se a escolha de situações que encerram contradições enfrentadas por determinada comunidade, como também se realiza a preparação das codificações das contradições, que serão apresentadas na 3ª etapa; 3ª) diálogos decodificadores: os quais se realizam nos “círcu- los de investigação temática”, em que os participantes são desafiados a expor seus anseios, angústias e problemas frente às situações existen- ciais codificadas. Decorrente desta atividade obtém-se o tema gerador; 4ª) redução temática: consiste na elaboração do programa a ser desen- volvido na sala de aula. Cabe a cada especialista, dentro de seu campo de conhecimentos, apresentar à equipe interdisciplinar o projeto de re- dução de seu tema. Assim, os especialistas organizam seus núcleos fun- damentais que, constituindo-se em unidades de aprendizagem e estabe- lecendo uma sequência entre si, dão a visão geral do tema reduzido; 5ª) trabalho em sala de aula: após as quatro etapas anteriores, com o pro- grama estabelecido e o material didático preparado, ocorre o desenvol- vimento da temática em sala de aula. Sendo a temática do educando, nesta etapa, ela volta novamente a ele, mas como problema a ser deci- frado, jamais como conteúdo a ser depositado.

Nesta perspectiva, o processo de ensino e aprendizagem não se resume a enunciados de livros didáticos ou a memorização de termos científicos, depositados na cabeça dos educandos como se esta estivesse vazia, o que Freire (2010) denominou de “educação bancária”. Ao traba- lhar com temas geradores, a sala de aula passa a ser um ambiente de diálogo, em que educador e educando tornam-se sujeitos do processo de aprendizagem. Desta forma, “o educador já não é o que apenas educa, mas o que, enquanto educa, é educado, em diálogo com o educando que, ao ser educado, também educa” (FREIRE, 2010, p. 79).

Assim, tendo como referência os pressupostos de Paulo Freire, Delizoicov, Angotti e Pernambuco (2002, p. 189) fundamentam enca- minhamentos na Educação em Ciências, de forma que, “a abordagem temática é uma perspectiva curricular cuja lógica de organização é estru- turada com base em temas, com os quais são selecionados os conteúdos de ensino das disciplinas. Nessa abordagem, a conceituação científica da programação é subordinada ao tema”.

Tendo como base os pressupostos e diretrizes da dinâmica de Abordagem Temática Freireana, Silva (2004) propôs a Práxis Curricu- lar via Tema Gerador, voltada à elaboração de currículos críticos, vi-

sando à emancipação dos educandos e a superação das práticas pedagó- gicas convencionais (TORRES, 2010; TORRES; FERRARI; MAES- TRELLI, 2014). A proposta foi implementada em distintas modalidades de educação e componentes curriculares envolvendo diversas redes municipais de educação do Brasil (SILVA, 2004).

A perspectiva da Práxis Curricular via Tema Gerador, assim como a Abordagem Temática Freireana (DELIZOICOV; ANGOTTI; PERNAMBUCO, 2002), sugere a organização do programa escolar tendo como ponto de partida temas ligados às situações-limites da vi- vência dos educandos. Para a obtenção do tema, Silva (2004) apresenta cinco momentos, os quais foram relacionados com as etapas do processo de IT de Freire e da Abordagem Temática Freirena por Torres (2010) e Torres, Ferrari e Maestrelli (2014), conforme esquema apresentado na Figura 9.

Apesar de não seguirem rigorosamente nenhuma das eta- pas/momentos propostos na Figura 9, diversos trabalhos têm sido desen- volvidos tendo como inspiração as dinâmicas descritas, a exemplo de Sousa et al. (2014a), que obtêm o tema gerador “Consumo de água na Comunidade do Banco da Vitória” por meio de adaptações entre a pers- pectiva da Abordagem Temática Freireana e a dinâmica apresenta por Silva (2004). Solino (2013) estruturou atividades didático-pedagógicas para a disciplina de Ciências com base no tema “Rio Cachoeira: que água é essa?”, a partir do estabelecimento de articulações entre a pers- pectiva da Abordagem Temática Freireana e do Ensino de Ciências por Investigação, usando para a seleção do tema, algumas das etapas da IT de Freire (2010). A partir do tema “Armas: segurança ou insegurança”, Tavares, Benedito e Muenchen (2013) organizaram atividades para se- rem implementadas na Educação Básica, buscando aproximações entre os referenciais Freireanos e o enfoque CTS.

Figura 9: Correspondência entre a dinâmica de Investigação Temática (FREIRE, 1987, 2010), as cinco etapas da dinâmica de Abordagem Temática Freireana (DELIZOICOV; ANGOTTI; PERNAMBUCO, 2002) e a dinâmica da

Práxis Curricular via Tema Gerador26 (SILVA, 2004).

Fonte: adaptado de Torres (2010, p. 390).

26 A ideia de contratemas a que Silva (2004) se refere representa a compreensão

do educador das situações significativas presentes nas contradições. Além disso, introduz, no terceiro momento, a ideia de rede temática, visando estabelecer relações entre parte-todo do tema em estudo, ou seja, representa uma síntese da visão geral do tema em estudo.

Há, além desta, no contexto brasileiro, outras iniciativas (AULER, 2002; AULER; DALMOLIN; FENALTI, 2009; MUEN- CHEN, 2006; NASCIMENTO; von LINSINGEN, 2006; SANTOS, 2008; STRIEDER, 2008; STRIEDER; KAWAMURA, 2008) no sentido de aproximar pressupostos freireanos e o enfoque CTS. As articulações entre os referenciais são possíveis a partir das dimensões do enfoque CTS, abordagem de temas, interdisciplinaridade e democratização dos processos decisórios, sistematizadas por Auler (2008), por se entender que a democratização das decisões comparece na matriz teórico- filosófica de Freire, o qual defende que alfabetizar, muito mais que ler palavras, deve propiciar a leitura crítica da realidade, com vistas ao en- gajamento em sua transformação.

Como já mencionados, vários são os trabalhos que visam a im- plementação de propostas na Educação Básica, envolvendo ações com estudantes bem como com professores em formação continuada. Contu- do, o foco desta tese é a caracterização de práticas desenvolvidas no Ensino Superior, junto a professores em formação inicial.

Em relação ao quantitativo de trabalhos por instituição, a Figura 10 representa a distribuição dos trabalhos que tem como referência a abordagem de temas com viés Freireano. Um dos trabalhos foi classifi- cado como “mais de uma IES” por ter relato de práticas em três institui- ções de Ensino Superior diferentes.

Figura 9: Quantitativo de trabalhos envolvendo a abordagem de temas na perspectiva Freireana por IES.

Fonte: desenvolvido pelo autor.

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i) Subsídios teóricos/práticos em cursos de licenciatura

Apenas um trabalho dá indicativos de que a Abordagem Temática Freireana é abordada sistematicamente em componentes curriculares de cursos de licenciatura. O trabalho de Feistel et al. (2011) menciona ini- ciativas desenvolvidas em componentes curriculares de três IES diferen- tes, quais sejam: Oficina de Projetos de Ensino ministrada no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo, Instrumenta- ção para o Ensino de Física ministrada na Universidade Católica de Brasília, e Prática de Ensino de Física I e Estágio Supervisionado Curri- cular I, na Universidade Federal de Mato Grosso do Sul. O trabalho não aprofunda as atividades desenvolvidas27 em cada componente curricular, mas visa investigar dificuldades e contribuições encontradas pelos licen- ciandos na elaboração e implementação de propostas, que se deram no âmbito da CC citadas. É importante destacar que as autoras explicitam, no trabalho, o viés da abordagem temática, em que os conceitos científi- cos passam a ser meios para a compreensão dos temas.

ii) Elaboração de propostas e implementação na Educação Básica

Com base na IT Freireana e na Práxis Curricular via Tema Gera- dor (SILVA, 2004), Demartini e Silva (2013) e Furlan et al. (2011) de- senvolveram uma proposta na Educação Básica, no contexto do PIBID – Ciências Biológicas, da Universidade de São Carlos (UFSCar), Campus de Sorocaba. A proposta de Demartini e Silva (2013) esteve balizada pelo tema gerador “Gravidez na Adolescência”, implementada pelos bolsistas do PIBID em uma turma do 9º ano do ensino fundamental de uma escola de Sorocaba/SP, pelo curto período de duas aulas de 50 mi- nutos. Os autores ressaltam que:

Alguns limites e algumas possibilidades diante desta dinâmica ficaram evidentes, primeiramente porque esta foi uma atuação pontual, durando du- as aulas de cinquenta minutos, além do que, im- plementar uma dinâmica dialógica, por meio de uma abordagem temática tem por exigência um processo educacional contínuo, que respeita o tempo de aprendizagem de cada indivíduo, e isso foi negado. Segundo, a abordagem temática é por

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