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3 A TEORIA DAS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS: FUNDAMENTO TEÓRICO-

3.3 Abordagem estrutural ou Teoria do Núcleo Central (TNC)

As representações sociais não podem ser vistas como um simples reflexo da realidade, mas como uma organização significante da realidade. Ao abordar o significado de representações sociais, Abric (2003, p. 59), protagonista maior desta abordagem, diz que se trata de “[...] um conjunto de informações, opiniões, atitudes e crenças a respeito de um dado objeto”. Para Abric (2000) as representações sociais funcionam como sistemas de “[...] interpretação da realidade que regem as relações dos indivíduos com o meio físico e social” (ABRIC, 2000, p. 28).

A Abordagem Estrutural ou Teoria do Núcleo Central está atrelada ao enfoque das pesquisas em representações como processo, pois a pesquisa nesta perspectiva “[...] volta-se à compreensão da elaboração e transformação das representações por força das determinações sociais, ou à compreensão do funcionamento e eficácia das representações na interação social” (SPINK, 2004, p. 91). As pesquisas neste enfoque específico tendem a avançar em duas direções, a saber:

1ª) examinando os mecanismos sociais que intervêm na elaboração cognitiva mediante os dois processos constitutivos enunciados por Moscovici: a ancoragem e a objetivação. Ou seja, procurando explicitar as determinações sociais das representações decorrentes da posição ocupada pelos diferentes atores sociais, ou explicitar os modelos coletivos disponíveis para que o indivíduo possa dar sentido a sua experiência social. 2ª) analisando as propriedades estruturais das Representações Sociais. Distinguindo, por exemplo, os aspectos centrais – como o núcleo figurativo – dos aspectos periféricos, de modo a estudar a relação entre representação e

comportamento e a dinâmica de transformação das Representações Sociais. (SPINK, 2004, p. 91-92).

É na segunda direção que se situa este estudo, pois como propõe Abric (2003) a consequência metodológica desta abordagem implica em estudar uma representação identificando seus elementos centrais e periféricos da estrutura representacional. Abric (2000, p. 31) diz que o núcleo central/núcleo estruturante “[...] é determinado, de um lado, pela natureza do objeto representado, de outro pelo tipo de relações que o grupo mantém com este objeto e, enfim, pelo sistema de valores e normas sociais que constituem o meio ambiente ideológico do momento e do grupo”. Do mesmo modo, Alves-Mazzotti (2002, p. 20) enfatiza que o núcleo é “[...] determinado pela natureza do objeto representado, pelo tipo de relações que o grupo mantém com o objeto e pelo sistema de valores e normas sociais que constituem o contexto ideológico do grupo constituída pelos sistemas central e periférico”.

Portanto, conforme a Teoria do Núcleo Central, a representação social é constituída pelos sistemas central e periférico. Lima (2013, p. 34) define o sistema central como “[...] um conjunto de elementos responsáveis pela determinação, organização e estabilidade das representações sociais de um objeto ou situação, já que assegura a perenidade essencial delas em contextos móveis e evolutivos”. O sistema central desempenha três funções essenciais: geradora, organizadora e estabilizadora. A função geradora cria e transforma uma representação; a função organizadora determina a natureza das ligações entre os elementos da representação; a função estabilizadora faz com que a representação resista a mudança” (ALVES-MAZZOTTI, 2002).

Vale ressaltar que o núcleo central é determinado pelos contextos históricos, sociológicos, ideológicos e econômicos, o qual é marcado pela memória coletiva do grupo e dos sistemas de normas ao qual ele se refere. Ou seja, o núcleo central constitui a base comum da representação e é indispensável para avaliar a coletividade partilhada e a homogeneidade de um grupo. Desta feita, podemos dizer que dois grupos ou mais grupos têm a mesma representação se o núcleo central dos grupos for idêntico, isto é, se todos partilharem o mesmo núcleo central.

Para identificar os elementos do núcleo central várias técnicas são usadas. Porém, as técnicas de manifestação do núcleo central devem levar em consideração as três características do núcleo central, as quais permitem distingui-lo dos demais elementos de uma representação: valor simbólico, poder associativo e saliência. Explicando os conceitos característicos do núcleo central, Alves-Mazzotti (2002, p. 21) aponta o seguinte:

A primeira se refere ao fato de que estas mantêm com o objeto uma relação necessária, “não negociável”. Isto quer dizer que, na visão do grupo considerado, elas não podem ser dissociadas do objeto da representação sob pena de este perder toda a significação. Poder associativo diz respeito à polissemia das noções centrais e à sua capacidade de se associar aos outros elementos da representação, uma vez que elas condensam o conjunto de significações. A saliência está diretamente relacionada às duas características anteriores; graças ao seu valor simbólico e à sua polissemia, as cognições centrais ocupam um lugar privilegiado no discurso, sendo evocadas mais frequentemente que as demais.

Como o núcleo central é composto por elementos que conferem sentido à representação, é importante frisar que para ter centralidade, ou seja, para um elemento integrar o núcleo central deve-se levar em conta a dimensão quantitativa e a dimensão qualitativa; o que torna necessário a verificação do caráter inegociável dos elementos mais salientes através da realização do teste da centralidade (ALVES-MAZZOTTI, 2002).

Enquanto o sistema periférico está em volta do núcleo central, composto por elementos circundantes que “[...] constituem o essencial do conteúdo de uma representação: seus componentes mais acessíveis, mais vivos e mais concretos” (ABRIC, 2000, p. 31). Como aponta Silva (2013, p. 76) o sistema periférico “[...] é adaptativo, permite a integração das experiências e das histórias individuais, suporta heterogeneidade, é flexível, transforma-se, é sensível ao contexto imediato, permite adaptação à realidade concreta e protege, assim, o sistema central”. O sistema periférico constitui “[...] a parte operatória da representação [...] [e desempenha função] essencial no funcionamento e dinâmica das representações” (ALVES- MAZZOTTI, 2002, p. 22).

O sistema periférico tem as funções de: concretização, regulação, prescrição de comportamentos, modulações personalizadas e proteção do núcleo central. Alves-Mazzotti (2002, p. 22) explica cada uma das funções e define da seguinte maneira:

a) concretização do NC [núcleo central,] em termos ancorados da realidade, imediatamente compreensíveis e transmissíveis; b) regulação, que consiste na adaptação da representação às transformações do contexto, integrando novos elementos ou modificando outros, em função de situações concretas com as quais o grupo é confrontado, c) prescrição de comportamentos: os EP [elementos periféricos] funcionam como esquemas organizados pelo NC [núcleo central], garantindo o funcionamento instantâneo da representação como grade de leitura de uma dada situação e, consequentemente, orientando tomadas de posição; d) proteção do NC [núcleo central]: o sistema periférico é um elemento essencial nos mecanismos de defesa que visam proteger a significação central da representação, absorvendo as informações novas suscetíveis de pôr em questão o NC [núcleo central]; e e) modulações

individualizadas: é o sistema periférico que permite a elaboração de

O sistema periférico colabora para que as representações apareçam no cotidiano e que o núcleo central seja dinamizado. Alves-Mazzotti (2002, p. 22) diz que “[...] é por comparação com um elemento periférico de igual saliência que um elemento central é definido, e é por contraste com a condicionalidade periférica que os elementos incondicionais aparecem como ‘não negociáveis’ e, portanto como pertencente do NC [núcleo central]”. Assim, é preciso um longo tempo de preparo na periferia para que a situação de reversibilidade (em que os elementos novos e discordantes) seja incorporada à representação gerando a modificação no sistema periférico e acarretando uma transformação mesmo que pequena do núcleo central. Pois existe a evidência de três tipos de transformações, que são:

[...] transformação resistente – quando as práticas novas e contraditórias ainda são gerenciadas pelo sistema periférico, ao menos durante algum tempo; transformação progressiva – quando as práticas novas não são totalmente contraditórias com o núcleo central e a transformação se efetiva sem ruptura; e transformação brutal – quando as novas práticas apresentam um caráter irreversível, isto é, atacam diretamente o significado central da representação. (LIMA, 2013, p. 39).

Em síntese, segundo Alves-Mazzotti (2002), o sistema central é historicamente marcado, ligado à memória coletiva e à história do grupo; define a homogeneidade do grupo; coerente; consensual; estável; rígido; resistente a mudança; pouco sensível ao contexto imediato; e, gera a significação da representação e determina sua organização. Por sua vez, o sistema periférico é flexível; suporta contradições; relativamente heterogêneo quanto ao conteúdo, pois permite a heterogeneidade do grupo; permite a integração das experiências e das histórias individuais; se transforma; sensível ao contexto imediato; e, adaptativo, pois permite a adaptação à realidade concreta e a diferenciação de conteúdo e protege o núcleo central.

É importante salientar que a Abordagem Estrutural ou Teoria do Núcleo Central por possibilitar o delineamento dos elementos estruturantes de uma representação social e nos oferecer um pensamento prévio acerca das práticas adotadas nos auxilia a ter uma visão que engloba a relação preliminar das representações com as práticas. Diante do exposto, Almeida, Santos e Trindade (2000, p. 266) afirmam que: “[...] talvez o estudo comprometido das práticas sociais evidencie novos caminhos, mostrando que a TRS pode colaborar não só para a compreensão dos clamorosos problemas sociais da atualidade, como também para a intervenção que contribua com sua solução”. Assim, veremos na próxima subseção como se estabelece a relação entre representações sociais e práticas.