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2 EDUCAÇÃO INFANTIL: REFERÊNCIAS HISTÓRICAS, PRERROGATIVAS E

2.4 Profissionais da educação infantil: um olhar para o auxiliar

Nesta subseção tratamos sobre os profissionais da educação infantil, destacando seu ingresso e permanência no atendimento às crianças. Salientamos que o trabalho desses profissionais não está dissociado das funções historicamente assumidas pela educação infantil, tampouco da concepção de criança que subsidia o atendimento a esse público.

Desde a origem das instituições para atender crianças pequenas no Brasil, principalmente as creches, tinham um caráter assistencialista. O trabalho nessas instituições em geral era “[...] leigo, voluntário, mais dependente do idealismo e da boa vontade das pessoas envolvidas, do que de uma formação profissional específica” (COSTA; COLARES, 2017, p. 84). Historicamente a educação infantil foi desvalorizada e majoritariamente assumida por profissionais do gênero feminino.A desvalorização não está exatamente em ser um trabalho feminino, mas na relação estabelecida entre a maternagem e o atendimento às crianças. A desvalorização, também, se traduz no modo improvisado e precário como característica histórica do atendimento à criança. Essas marcas estão associadas a ausência de formação profissional própria e estímulo ao voluntariado para atender o público infantil.

Conceição e Bertonceli (2017, p. 65) ao tratarem sobre a educação da criança fazem “associações com a maternagem e o trabalho doméstico, o que a caracteriza como uma atividade que necessita de pouca qualificação”.

Por se tratar de um trabalho assistencial, filantrópico e desvalorizado, em geral assumido por órgãos assistenciais, características que dificultaram a reivindicação das pajens (denominação dada aos primeiros “profissionais”) que atuavam nas creches, Costa e Colares (2017) destacam o impedimento de “[...] possíveis melhorias salariais e de condições de trabalho, já que essa atitude teria um caráter negativo na medida em que se contrapunha à imagem de caridade e de favor, associada ao tipo de atendimento destinado à população mais pobre” (COSTA; COLARES, 2017, p. 84-85). Na visão das autoras, este modelo de atendimento contribuiu para que o trabalho desenvolvido pelas pajens fosse uma extensão do trabalho doméstico.

De modo geral o trabalho doméstico desenvolvido por mulheres nos seus lares, é contínuo e sem fins lucrativos. No âmbito do atendimento à infância, a literatura (ARCE, 2001; CERISARA, 2002; COSTA e COLARES, 2017; CONCEIÇÃO e BERTONCELI, 2017) tem mostrado uma transposição desse tipo de trabalho para o que se faz nas instituições, o que implica em ausência de divisão entre as esferas pública e privada. Há uma certa predisposição de um saber natural que dispensa um preparo prévio para o exercício desse trabalho, feito com base na repetição rotineira. Assim, a ausência de preparação prévia e de formação específica são elementos de ganham destaque na adaptação do trabalho doméstico ao trabalho desenvolvido com as crianças.

Desse modo, podemos dizer que em sua origem o trabalho das pajens vinculava-se à maternagem, cujos requisitos demandados para o exercício da função eram atributos de ordem subjetiva como paciência, humildade, amor, autocontrole e delicadeza. Cerisara (2002) destaca que a maternagem como atributo para o exercício profissional acompanha a história da educação infantil. Afirma:

Princípios como a maternagem, que acompanhou a história da educação infantil desde seus primórdios, segundo a qual bastava ser mulher para assumir a educação da criança pequena, e a socialização, apenas no âmbito doméstico, impediram a profissionalização da área. (CERISARA, 2002, p. 7).

Com a base no que diz a autora, ser mulher e mãe são critérios relevantes para definição dos primeiros profissionais que atuariam no atendimento à infância. Na mesma

direção, Arce (2001) ao tratar o tema, reitera as exigências desses critérios para o exercício profissional nas instituições de atendimento à criança e aponta:

[...] a constituição histórica da imagem do profissional de educação infantil tem estado fortemente impregnada do mito da maternidade, da mulher como rainha do lar, educadora nata, cujo papel educativo associa-se necessariamente ao ambiente doméstico, sendo, assim, particularmente importante nos primeiros anos da infância. O início da educação de todo indivíduo deveria, assim, ser uma extensão natural da maternidade. (ARCE, 2001, p. 170).

Assim, podemos dizer que a experiência doméstica do cuidado com os filhos durante muito tempo constitui critério para o recrutamento de profissionais no atendimento à infância. Referindo-se a caracterização dos profissionais de educação infantil, Cerisara (2002, p. 25-26) reitera que:

[...] elas têm sido mulheres de diferentes classes sociais, de diferentes idades, de diferentes raças, com diferentes trajetórias pessoais e profissionais, com diferentes expectativas frente à sua vida pessoal e profissional, e que trabalham em uma instituição que transita entre o espaço público e o espaço doméstico, em uma profissão que guarda traço de ambiguidade entre a função materna e a função docente.

Em face do exposto, percebemos que a ausência de profissionalização de professores e auxiliares que desenvolvem um trabalho na educação infantil é uma herança do processo histórico e cultural marcado pelo assistencialismo. A esse respeito, Oliveira (2011) afirma que “[...] historicamente, a formação do docente da área tem sido extremamente pobre ou inexistente, principalmente a dos que trabalham em creches, área de muita atuação leiga e predominantemente feminina” (OLIVEIRA, 2011, p. 23). Assim, autores como Andrade (2010), Campos (2018) e Oliveira (2011) confirmam a existência de uma relação quase direta entre ausência de preparo técnico dos profissionais e a concepção assistencialista de atendimento à criança.

Além da ênfase na maternagem e no caráter doméstico do trabalho dos profissionais, sobretudo, nas creches, Oliveira (2011) ressalta três modelos que influenciam a educação das crianças pequenas: higienista, recreacionista e escolar. O modelo higienista foi marcante no trabalho com as crianças em creches e pré-escolas e previa a formação de puericultores ou de beçaristas que tinham conhecimentos e habilidades voltados para o desenvolvimento físico das crianças. O modelo recreacionista “propõe o preparo de animadores culturais e

especialistas em lazer para orientar a infância nas instituições” (OLIVEIRA, 2011, p. 24). Por último, e não menos importante o “modelo escolar advoga a presença de professores polivalentes que interajam com as crianças desde o nascimento” (OLIVEIRA, 2011, p. 24).

Ao longo do tempo esses modelos vão balizar o recrutamento dos profissionais. Assim, de uma perspectiva mais leiga e de transposição de competências e habilidades maternais, evolui-se para um atendimento por profissionais com conhecimentos mínimos relacionados a saúde das crianças; seguido de profissionais animadores culturais capazes de lidar com grupos enormes de crianças com diferentes idades desenvolvendo atividades de controle, instrumentalização e lazer. Mais recentemente, a partir do final dos anos 1990, tem sido exigida formação técnica do professor para atuar na educação infantil. No que se refere aos auxiliares ainda é muito flexível o modo de recrutamento.

Esses modelos têm relação com o processo histórico e cultural nos quais se inserem as creches e pré-escolas. Eles coexistem simultaneamente e são fundamentais para se compreender a educação infantil nas representações sociais e práticas desenvolvidas pelos seus profissionais. Nesse sentido, Campos (2018) ressalta que na constituição das primeiras instituições de atendimento à infância, elas possuem dois tipos distintos de profissionais.

[...] a creche, geralmente vinculada ao setor da assistência social, recebia crianças de 0 a 6 anos ou mais, uma grande parte em período integral, sem uma finalidade explicitamente educacional, empregando educadoras leigas, sem exigência de escolaridade mínima; a pré-escola, tradicionalmente vinculada aos sistemas educacionais, muitas vezes funcionando anexa ao estabelecimento de ensino primário ou de primeiro grau, atendia predominantemente em meio período, contando com professoras formadas na escola normal de nível secundário. (CAMPOS, 2018, p. 10).

A ênfase das creches vinculadas aos órgãos de assistência colaborou para que durante um longo período de tempo a atuação de pessoas leigas fosse predominante nessas instituições. Nesse contexto, a falta de exigência de qualificação profissional para o trabalho em creche quase sempre foi regra, até sua tardia incorporação ao setor educacional. Dos anos 1920 a 1950 predominou “[…] um modelo hospitalar, geralmente sob os cuidados de profissionais da área da saúde” (ANDRADE, 2010, p. 136).

Nos anos 1960 durante a vigência da lei nº 4.024/61 têm início as primeiras preocupações com a formação de profissionais para atuar na educação pré-primária, oferecida nas escolas maternais e jardins de infância. O artigo 34 da referida lei preconiza que: “O ensino médio será ministrado em dois ciclos, o ginasial e o colegial, e abrangerá, entre outros, os cursos secundários, técnicos e de formação de professores para o ensino primário e pré-

primário” (BRASIL, 1961). Entretanto, como a creche não fazia parte da educação pré- primária não há referências aos profissionais que atuam nessa instituição, fortalecendo o modelo assistencialista.

Durante os anos 1970 a 1980 predominou o modelo compensatório, houve a expansão de instituições de atendimento à infância que eram marcadas pela improvisação quanto ao espaço físico, material e pedagógico. Nesse período, destaca-se a criação das creches comunitárias e municipais, a presença de profissionais leigos nas instituições e a frequência de crianças com mais de 7 anos na educação infantil. Costa e Colares (2017, p. 86) dizem que nesse período as ações dos profissionais “[...] ganharam um caráter mais formal de ‘ensino’, como transmissoras de conhecimentos”.

A lei nº 5.692/71 não faz referência aos profissionais que deveria atuar na educação pré-escolar. Durante o período, conforme Vieira (2013, p. 17), as pessoas convocadas para trabalhar junto as crianças, eram:

[...] as mulheres que se ocupavam da educação dessas crianças quase sempre não possuíam formação pedagógica, e no caso das creches/pré-escolas comunitárias, conveniadas com a LBA ou outros órgãos públicos da assistência social das diferentes esferas federativas, apresentavam baixa escolaridade, de ensino fundamental completo ou incompleto. Eram chamadas de “monitoras”, “pajens”, “crecheiras”. Os vínculos de trabalho eram precários, praticamente inexistentes, e a remuneração era incerta.

Para Costa e Colares (2017, p. 87), no modelo compensatório a profissional requerida para trabalhar com crianças assemelha-se às tias, tal modelo “[...] se propaga até os dias atuais nas instituições de Educação Infantil, demonstrando uma caracterização pouco definida da profissional que atua com crianças pequenas”. De acordo Arce (2001, p. 174) a denominação de tia remete a:

[...] essa mulher/mãe não chega a ser professora devido à proximidade extrema que seu trabalho possui com o doméstico e o privado [...] e por outro lado não chega a ser mãe, pois, biologicamente, não foi ela a responsável por todas aquelas crianças que ficam sob seus cuidados.

A formação dos profissionais para atender as crianças começou a ganhar espaço no momento em que o atendimento às crianças é denominado como educação infantil e passa a fazer parte da educação básica, constituindo-se como direito da criança e dever do Estado. A desvinculação das creches dos órgãos de assistência social e vinculação aos sistemas educacionais também é importante para a luta por qualidade na educação infantil, bem como,

qualificação dos profissionais. Nesse âmbito a lei nº 9.394/96 foi fundamental ao preconizar que professores dos anos iniciais do ensino fundamental e da educação infantil devem ser formados em nível superior admitida como formação mínima para atuação a oferecida a nível médio, na modalidade normal (BRASIL, 1996; CAMPOS, 2018).

É possível afirmar que dois tipos de profissionais atuam concomitantemente nas instituições de educação infantil, principalmente nas creches que funcionam em tempo integral. Esses profissionais são os professores e auxiliares. Como já dissemos, dos professores é exigida uma formação técnica mínima, mas para os auxiliares não há essa exigência para atuar com as crianças de 0 a 5 anos.

A existência de dois tipos de profissionais, um qualificado e outro não, remete a antiga e histórica dualidade da educação infantil, por meio da qual as professoras desenvolveriam um trabalho educativo e os auxiliares desenvolveriam um trabalho não-educativo, e, fortalece a divisão entre o cuidar e o educar, declarados como indissociáveis. Aos auxiliares caberia o exercício de atividades “que não sejam percebidas como educativas [...] sendo delegadas, regularmente, à esfera do doméstico, o que induz a uma desvalorização profissional” (COSTA; COLARES, 2017, p. 84).

Segundo Arce (2001) o cuidado com o corpo da criança na mais tenra idade seria algo mais desprestigiado que acentua a falta de profissionalização daqueles que atuam na educação infantil.

[...] no sentido de que a idade da criança e o cuidado com seu corpo seriam fatores importantes de desprestígio do profissional de educação infantil. Cuidado, proximidade com o corpo da criança e desqualificações são expressões constantes no discurso dos pesquisadores na área de educação infantil, enquanto ‘jeitinho’ e ‘gostar’ são palavras presentes na fala tanto dos futuros profissionais da área, como também daqueles que nela já atuam. (ARCE, 2001, p. 167).

Ressaltamos que a separação das atividades pelo professor e auxiliar nas instituições que atendem crianças pequenas fortalece a fragmentação dos pilares da educação infantil (cuidar-educar). Aos auxiliares cabem desenvolver atividades mais diretas com as crianças particularmente aquelas ligadas ao cuidado e proteção do seu corpo. Tais atividades de higenização, alimentação, bem-estar, segurança e proteção sendo quase que exclusivas dos auxiliares, acentuam as hierarquias exigentes na educação infantil.

Segundo Côco (2010) o termo auxiliar de educação infantil faz referência a um conjunto de profissionais que atuam geralmente nas creches e não são reconhecidos como

profissionais docentes porque “[...] atuam em funções de apoio ao trabalho pedagógico, em especial ao trabalho docente, [ou, a depender do cenário educativo] assumem o atendimento às crianças, sob supervisão de equipe pedagógica” (CÔCO, 2010, p. 1).

Para tanto, percebemos que os auxiliares de educação infantil, mesmo inseridos em instituições educativas, não necessariamente pertencem aos quadros da carreira do magistério e a exigência de formação é vinculada ao ensino fundamental e médio. Com isso, a maioria dos auxiliares:

[...] exerce atividades diretamente com os estudantes sem contar com garantias e direitos referentes à jornada de trabalho, piso salarial, configuração de carreira e investimento em aperfeiçoamento, estudos e planejamentos, preconizados para o magistério [...]. Assim, compõem, no campo profissional relativo ao trabalho docente, figuras paralelas ao trabalho do professor marcadas por atribuições associadas ao atendimento das necessidades de alimentação, higiene, bem-estar, proteção e segurança, de modo a facilitar que a atuação docente se efetive em momentos específicos com atividades estruturadas ligadas aos aspectos de ensino-aprendizagem. (CÔCO, 2010, p. 1).

A não exigência de formação mínima e a falta de valorização são comuns aos auxiliares, que são convocados para o desenvolvimento do trabalho com crianças nas instituições de educação infantil. O não reconhecimento pedagógico da função do auxiliar concorre para consolidar a dicotomia entre o cuidar e educar, eixos principais dessa etapa da educação.

Como já mostramos, a atuação dos profissionais da educação infantil segue uma perspectiva que foi gestada através da maternagem, do doméstico e alcançou o status de tia. Essas denominações embora pareçam um avanço, nos mostra que ainda temos muito que avançar, pois essas nomenclaturas expressam a fragmentação de um modelo de atendimento à criança pequena. Salientamos que essa dicotomia no trato aos profissionais que atuam, sobretudo, nas creches não contribui para a priorização do desenvolvimento integral da criança. Defendemos, em consonância com Oliveira (2011) uma educação infantil desenvolvida por profissionais que disponham de um:

[...] conhecimento mais elaborado acerca das funções da educação infantil e das características sócio-históricas do desenvolvimento das crianças, bem como em termos do domínio do saber historicamente elaborado a respeito das diversas dimensões pelas quais o homem e o mundo podem ser conhecidos. (OLIVEIRA, 2011, p. 24).

Entendemos que o atendimento a ser garantido na primeira etapa da educação básica não é instrucional, mas educativo e o não conhecimento sobre educação infantil favorece práticas descontextualizadas de seus profissionais. Sendo assim, Oliveira (2011, p. 47) acrescenta que:

Os cuidados ministrados na creche e pré-escola não se reduzem ao atendimento das necessidades físicas das crianças, deixando-as confortáveis em relação ao sono, à fome, á sede e à higiene. Incluem a criação de um ambiente que garanta a segurança física e psicológicas delas, que lhe assegure oportunidades de exploração e de construção de sentidos pessoais, que se preocupe com a forma pela qual elas estão se percebendo como sujeitos. Nesses ambientes de educação, a criança se sente cuidada. Sente que há uma preocupação com o seu bem-estar, com seus sentimentos, com suas produções, com sua autoestima. Educar e cuidar são formas de acolher.

Portanto, a própria história do atendimento à criança no Brasil, explica de certa forma, o trabalho muitas vezes desarticulado entre professores e auxiliares nas instituições de educação infantil. Essas práticas acabam por valorizar a assistência, entendendo a criança como carente de necessidades que precisam ser compensadas.

Tendo em vista essa realidade defendemos um trabalho conjunto dos profissionais da educação infantil de modo a não dividir suas atividades. Além de preocupar-se com a alimentação, cuidar da higiene e segurança física das crianças é necessário reconhecer a criança como um sujeito de direito, pois só assim ela será valorizada como cidadã e terá a possibilidade de um atendimento integral

.

Em face do exposto acerca da educação infantil, reconhecemos tratar-se de um objeto representacional para os ADIs que atuam na Rede Municipal do Recife. Assim, na próxima seção fazemos uma exposição sobre a Teoria das Representações Sociais.

3 A TEORIA DAS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS: FUNDAMENTO TEÓRICO-