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3 A TEORIA DAS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS: FUNDAMENTO TEÓRICO-

3.1 Conceito, desenvolvimento histórico e abordagens da TRS

A Teoria das Representações Sociais foi apresentada pela primeira vez por Serge Moscovici, em 1961, e tem oferecido elementos para a compreensão de objetos de variados campos científicos. Moscovici, na obra original, La Psychanalyse, son image et son public, ao analisar como o leigo se apropria do conhecimento científico, mostra como esse saber é incorporado e se cristaliza na consciência do sujeito e dos grupos, transformando-se em representação social.

Galli (2014, p. 6), diz que “Moscovici não se referia ao senso comum como algo tradicional, primitivo, ou meramente folclórico, mas como alguma coisa que se origina apenas parcialmente na ciência e que assume formas diversas quando se torna parte da cultura”. Segundo Sá (1996, p. 19), representações sociais é um termo que “designa tanto um conjunto de fenômenos quanto o conceito que os engloba e a teoria construída para explicá-los, definindo um vasto campo de estudos psicossociológicos”. Na mesma direção Spink (2004, p. 89) destaca a complexidade das representações sociais quando afirma:

A complexidade do fenômeno decorre da desconstrução, no nível teórico, da falsa dicotomia entre o individual e o coletivo e do pressuposto daí decorrente de que não basta apenas enfocar o fenômeno no nível intraindividual (como o sujeito processa a informação) ou social (as ideologias, mitos e crenças que circulam em uma determinada sociedade). É necessário entender, sempre, como o pensamento individual se enraíza no social (remetendo, portanto, às condições de sua produção) e como um e outro se modificam mutuamente.

Depreendemos assim que a representação social é uma noção complexa, na qual a vertente psicossociológica busca considerar os comportamentos individuais atrelados aos fatos sociais no seu processo de construção. Como diz Sá (2004) Moscovici se afasta da

análise eminentemente individual, como faz a psicologia cognitiva e da compreensão sociológica de Durkheim quando explica que:

Em uma psicologia social mais socialmente orientada, é importante considerar tanto os comportamentos individuais quanto os fatos sociais (instituições e práticas, por exemplo) em sua concretude e singularidade histórica e não abstraídos como uma genérica presença de outros. Importam ainda os conteúdos dos fenômenos psicossociais, pouco enfatizados pelos psicólogos sociais tradicionais em sua busca de processos tão básicos ou universais que pudessem abrigar quaisquer conteúdos específicos. Além disso, não importa apenas a influência, unidirecional, dos contextos sociais sobre os comportamentos, estados e processos individuais, mas também a participação destes na construção das próprias realidades sociais. (SÁ, 2004, p. 20).

Conforme Spink (2004), para entender a complexidade do fenômeno das representações sociais são necessários um triplo esforço:

1. compreender o impacto que as correntes de pensamento veiculadas em determinadas sociedades têm na elaboração das Representações Sociais de diferentes grupos sociais ou de indivíduos definidos em função de sua pertença a grupos; 2. entender os processos constitutivos das Representações Sociais e a eficácia destas para o funcionamento social. Entender, portanto: a) o papel das representações na orientação dos comportamentos e na comunicação; b) sua força enquanto sistema cognitivo de acolhimento de novas informações; 3. entender o papel das Representações Sociais nas mudanças e transformações sociais, no que diz respeito à constituição de um pensamento social compartilhado ou à transformação das representações sob o impacto das forças sociais. (SPINK, 2004, p. 89).

A TRS utiliza como centro de sua reflexão o senso comum, justamente porque Serge Moscovici considera que esse conhecimento possui todos os atributos de um fenômeno psicossocial, pois tem como principais características: ser transmitido e reproduzido no coletivo; não ser modificado pelos indivíduos e existir independentemente da ciência.

Conforme Jodelet (2001), as representações sociais são saberes práticos produzidos, engendrados e partilhados pelos sujeitos na dinâmica do social. Esclarece que qualificá-las como saber prático implica dizer que “[...] a representação serve para agir sobre o mundo e o outro, o que esclarece suas funções e sua eficácia sociais” (JODELET, 2001, p. 48). Em sua clássica obra sobre as representações da loucura de uma comunidade no interior da França, Jodelet (2005) revela que as práticas são determinadas pelas representações.

Galli (2014, p. 3, grifo nosso) afirma que a TRS “[...] se preocupa com o modo pelo qual o conhecimento é representado em uma coletividade, compartilhado por seus membros e

considerado na forma de uma verdadeira ‘teoria do senso comum’, relativa a qualquer aspecto da vida e da sociedade”. Sá (1998, p. 24) acrescenta que as representações sociais são “[...] sempre de alguém (o sujeito) e de alguma coisa (o objeto), por isso na construção do objeto de pesquisa é necessário levar em consideração o sujeito e objeto que se pretende estudar”.

Machado (2013, p. 18) considera que as “[...] representações sociais são fenômenos cognitivos e sociais, resultantes das relações e interações sociais estabelecidas pelos indivíduos; portanto, a comunicação exerce papel fundamental, no processo de sua construção”. Percebemos que as representações sociais são construídas por meio das relações e interações estabelecidas pelas pessoas, ou seja, as representações possuem um componente prático que é constituído por significados, mediante a comunicação que os indivíduos utilizam para entender o mundo e orientar seus comportamentos e ações.

Reiteramos que as explicações das pessoas vão além de “[...] simples opiniões sobre os assuntos ou atitudes isoladas em relação aos objetos sociais neles envolvidos” (SÁ, 2004, p. 26). A representação social tem “uma lógica própria, uma estrutura globalizante de implicações, para a qual contribuem informações e julgamentos valorativos colhidos nas mais variadas fontes e experiências pessoais e grupais”. (SÁ, 2004, p. 26). Logo, a mobilização das representações sociais faz parte da vida em sociedade e acontece em todas as ocasiões e lugares onde as pessoas se encontram informalmente e se comunicam.

Para Moscovici (1995), as representações sociais são um conjunto de conceitos, afirmações e explicações, ou seja, são verdadeiras teorias do senso comum ou ciências coletivas, que concorrem para interpretação e construção das realidades sociais. Elas possuem um “[...] poder convencional e prescritivo sobre a realidade, terminam por constituir o pensamento em um verdadeiro ambiente onde se desenvolve a vida cotidiana” (SÁ, 2004, p. 26). Certamente que, na perspectiva psicossociológica, os sujeitos na sociedade pensante “[...] não são apenas processadores de informação, nem meros ‘portadores’ de ideologias ou crenças coletivas, mas pensadores ativos que, mediante inumeráveis episódios cotidianos de interação social, ‘produzem e comunicam incessantemente suas próprias representações (SÁ, 2004, p. 28).

Moscovici (1995) considera a existência de duas classes distintas de universos de pensamento na sociedade contemporânea: os universos consensuais e os universos reificados. Segundo Sá (2004, p. 28), os universos consensuais “[...] correspondem as atividades intelectuais da interação social cotidiana pelas quais são produzidas as representações sociais”. Nos universos reificados “[...] é que se produzem e circulam as ciências e o

pensamento erudito em geral, com sua objetividade, seu rigor lógico e metodológico, sua teorização abstrata, sua compartimentalização em especialidades e sua estratificação hierárquica” (SÁ, 2004, p. 28). Coloca-se em evidência que esses universos auxiliam na criação das representações sociais.

Através de Sá (2004), percebemos uma outra proposição teórica elencada por Serge Moscovici que é a estrutura das representações sociais, que, segundo ele, se desdobra em duas faces pouco dissociáveis, a saber: a face figurativa e a face simbólica. Dessa proposição emerge a caracterização de seus processos formadores: objetivação e ancoragem.

A objetivação e a ancoragem são os dois processos responsáveis pela criação das representações sociais. Basílio (2013, p. 61) diz que a objetivação “[...] constitui-se como a materialização das abstrações”, ou seja, busca tornar físico aquilo que é abstrato, desconhecido para o sujeito; e a ancoragem “[...] tem a função de incorporar o novo, o estranho às representações, orientar comportamentos e interpretar a realidade” (BASÍLIO, 2013, p. 61).

Como indica Abric (2000) as representações sociais assumem quatro funções, que são: função de saber (elas permitem compreender e explicar a realidade); função identitária (definem a identidade e permitem a proteção da especificidade dos grupos); função de orientação (elas guiam os comportamentos e as práticas) e a função justificadora (justificam as tomadas de decisões de posição e de comportamentos).

A TRS é considerada por Moscovici (1995) como detentora de um caráter plurimetodológico e aberto. Trata-se de um vasto campo teórico que se desdobra em três correntes: processual, estrutural e sóciogenética. A abordagem processual tem sido liderada por Denise Jodelet, em Paris, que busca “[...] dar conta de uma maneira maximamente compreensiva da representação de um dado objeto por um dado conjunto social” (SÁ, 1998, p. 78). A abordagem estrutural, liderada por Jean-Claude Abric, em Aix-em-Provence considera as representações como “[...] um conjunto organizado e estruturado de informações, opiniões e crenças” composto pelos sistemas central e periférico (MACHADO, 2013, p. 22).

A terceira vertente, segundo Machado (2013, p. 22) é a abordagem sóciogenética que tem como líder Willem Doise, em Genebra. Esta abordagem procura articular o individual ao coletivo, integrando explicações de ordem individual com explicações de ordem societal. A abordagem sóciogenética “[...] busca evidenciar que os grupos sociais de pertença do sujeito são definitivos para a construção de suas representações sociais”. Sá (1998) afirma que essas abordagens não são incompatíveis entre si, pois todas sucedem de uma matriz básica que de nenhum modo as desautoriza. Ressaltamos que a perspectiva de Serge Moscovici é

considerada a mais eloquente a medida que possibilita tais desdobramentos e aprofundamentos teóricos e práticos.