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2 EDUCAÇÃO INFANTIL: REFERÊNCIAS HISTÓRICAS, PRERROGATIVAS E

2.2 O atendimento à infância dos anos 1960 a 1980

A modernização da indústria e dos serviços, a concentração de renda, a abertura ao capital estrangeiro e o endividamento externo são as características que marcaram os anos 1960 e provocaram várias mudanças na economia brasileira. Nesse contexto, houve a promulgação da primeira LDBEN, Lei nº 4.024/61. Segundo Andrade (2010, p. 88) essa lei

“fez referência discreta à educação infantil, considerando-a no grau primário, como educação pré-escolar destinada às crianças menores de sete anos, podendo ser oferecida através das escolas maternais e jardins da infância”. A Lei nº 4.024/61 também preconizava que, em regime direto ou de cooperação, as empresas em parceria com o poder público oferecessem educação aos filhos menores de sete anos de suas trabalhadoras.

Embora os avanços na educação da criança pequena tivessem ligação com o trabalho extradomiciliar da mulher, enaltecendo a tríade: mulher-trabalho-criança, no pensamento da época, a mãe continuava como dona do lar devendo limitar suas atividades ao que remetesse ao doméstico. Sendo assim, a creche era vista como um benefício e não como um direito da mãe trabalhadora ou da criança.

Kuhlmann Júnior (2015, p. 166) comenta que o assistencialismo, concepção predominante na época, poderia ser considerado como “[...] uma pedagogia da submissão, uma educação assistencialista marcada pela arrogância que humilha para depois oferecer o atendimento como dádiva, como favor aos poucos selecionados para receber”.

O período compreendido entre os anos 1960 a 1980 no Brasil foi marcado por crise política que conduziu o país ao Regime Militar (1964-1985). Durante quase duas décadas, as práticas dos governantes militares tinham centralidade no autoritarismo, na supressão de direitos constitucionais, na ausência de democracia e na repressão (por meio de censura, perseguição política, tortura etc.) aos contrários ao regime. Enfim, foi um momento caótico na história brasileira que provocou mudança em vários setores, inclusive no educacional.

Andrade (2010) frisa que durante o período ditatorial, no âmbito do atendimento à infância, destacaram-se ações de programas desarticuladores marcados pelo clientelismo político e repressão. Nesse sentido, para atender os menores abandonados, infratores de conduta antissocial e em situação de risco, o governo cria uma Política Nacional de Bem- Estar do Menor que se concretiza com a implantação da Fundação Nacional de Bem-Estar do Menor (Funabem) e as Fundações Estaduais de Bem-Estar do Menor (Febems). Essas instituições constituíram-se em “equipamento social necessário diante das questões sociais emergidas com o agravamento das condições de vida da população e a crescente demanda por serviço de consumo coletivo, como transporte, saúde, escolas, creches e outros” (ANDRADE, 2010, p. 141).

Conforme Andrade (2010) no período militar pós Constituição de 1967 (aprovada no país após o golpe de 1964) e da Junta Militar de 1969 passa a ser considerada a necessidade de leis próprias que regulamentassem a assistência à infância. Destaca que a Constituição de 1967 estabeleceu mudanças na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) que visavam a

organização dos berçários pelas empresas e abriam espaço para que outras entidades oferecessem creches e berçários através de convênios.

É possível dizer que desde os primórdios até a metade dos anos 1960 o atendimento à primeira infância é, segundo Kuhlmann Júnior (2015) pautado no cuidado e não no dever; no amparo e não no direito. A esse respeito o autor afirma: “a assistência era o lugar onde se pensava cientificamente a política social para os mais pobres, em que se suprimia os direitos para se garantir a desobrigação de oferecer os serviços” (KUHLMANN JÚNIOR, 2015, p. 48). O assistencialismo tinha como principais preocupações retirar as crianças das ruas e oferecer um atendimento de baixa qualidade. Era voltado para moralização e profissionalização.

As discussões suscitadas nos anos 1960 são importantes, pois delineiam os primeiros movimentos e contribuições por uma nova configuração do atendimento às crianças no país e demarcam “[...] um campo de atuação específico para a pobreza, atendendo aos interesses internacionais [...]”. Essa discussão é abrangente, pois “[...] envolve diferentes elementos que se combinam, tendo como referência a construção de padrões comuns para a intervenção social, identificados como componentes das nações modernas” (KUHLMANN JÚNIOR, 2015, p. 52).

Nos anos 1970 foi promulgada a Lei nº 5.692/71, a promulgação se deu numa “[...] conjuntura histórica marcada por um Estado autoritário a serviço da classe dominante, com preocupação excessiva dirigida ao crescimento econômico” (ANDRADE, 2010, p. 88). A referida lei, conhecida como Reforma do ensino de 1º e 2º graus, não faz destaque para a educação da criança, apenas reforça o papel das empresas quanto à educação dos filhos de suas trabalhadoras.

Além do mais, as discussões sobre o direto das crianças e dos adolescentes e as reivindicações da “luta por creches” intensificaram-se no final dos anos 1970. Esse período também é caracterizado pela influência do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) e da Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (Unesco) com suportes ao atendimento à criança brasileira. Estes organismos internacionais difundiram nos países subdesenvolvidos a ideia de uma educação pré-escolar compensatória de carências de populações pobres apoiadas em recursos da comunidade, dependendo menos do Estado para sua expansão (ANDRADE, 2010).

Neste período ganhou destaque a atuação da LBA em âmbito nacional que, entre os anos 1976 e 1977, implementou o Projeto Casulo. Este projeto tinha como principais finalidades “[...] ampliar o atendimento de crianças em idade pré-escolar” e “[...] prestar

assistência às crianças na faixa de 0 a 6 anos. O Programa de Creches-Casulo [ampliou] significativamente, seu número de atendimentos, numa demonstração de esforço da LBA em responder à também sempre crescente demanda de vagas” (FONSECA; ALMEIDA, 2016, p. 127).

Nesse contexto de atendimento a infância ganhou destaque a denominada teoria da “privação cultural”. Segundo esta teoria, as crianças das classes populares sofriam de diferentes déficits e o atendimento deveria supri-los ou compensá-los. Sobretudo, durante a ditadura militar, esta teoria subsidiou programas de atendimento às crianças pequenas no país. Tais programas tinham um caráter compensatório. A educação compensatória preconizava que com o atendimento (em creches, parques infantis e pré-escolas) as crianças provenientes das classes desfavorecidas, superariam as suas diferentes carências afetivas, nutricionais, de linguagem etc.

Para Andrade (2010), além da creche ocupar o lugar da ausência de moral, econômica e higiênica, como se afirmavam as ações assistencialistas, o atendimento deveria suprir as carências afetiva, social, nutricional e cognitiva das crianças. A autora afirma: “[...] discursos e práticas no atendimento às crianças nas creches são influenciados pelas teorias da privação cultural e da educação compensatória, atribuindo à instituição o papel de suprir as carências de ordem física, material, social e psicológica das camadas empobrecidas” (ANDRADE, 2010, p. 144).

Sobre a educação compensatória, Oliveira (2011, p. 109) comenta que as propostas de trabalho “[...] visavam à estimulação precoce e ao preparo para a alfabetização, mantendo, no entanto, as práticas educativas geradas por uma visão assistencialista da educação e do ensino”. A despeito do atendimento de cunho compensatório predominante no período, o final dos anos 1970 é marcado por movimentos reivindicatórios em torno da ampliação e implementação de propostas pedagógicas de atendimento à infância no Brasil.