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2 EDUCAÇÃO INFANTIL: REFERÊNCIAS HISTÓRICAS, PRERROGATIVAS E

2.3 Educação Infantil: a conquista de um direito

No final dos anos 1970 e início dos anos 1980, cresceu um movimento em defesa da creche como um direito da criança, dever do Estado e pela concessão, por parte das empresas, de ajuda de custo financeira às trabalhadoras que tivessem filhos pequenos. Na década de 80 foi empreendida uma crítica aos programas de educação compensatória (fundamentados na teoria da privação cultural), pois eles contribuíam para reforçar a discriminação e

marginalização precoce das crianças das classes populares. No conjunto, esse movimento também mobilizou educadores:

[...] acerca da possibilidade de o trabalho realizado em creches e pré-escolas alicerçar movimentos de luta contra desigualdades sociais. Retomou-se a discussão das funções da creche e da pré-escola e a elaboração de novas programações pedagógicas que buscavam romper com concepções meramente assistencialistas e/ou compensatórias acerca dessas instituições, propondo-lhes uma função pedagógica que enfatizasse o desenvolvimento linguístico e cognitivo das crianças. (OLIVEIRA, 2011, p. 114).

O período foi marcado pela efervescência das lutas em defesa da democratização da escola pública, e no âmbito do atendimento à criança, por pressões desencadeadas pelos movimentos feministas e sociais de luta por creches. Os movimentos sociais do período foram decisivos para os avanços legais conquistados no que se refere à educação da criança no Brasil. A CF de 1988, diferente das anteriores, pela primeira vez, contempla o acesso à creche e pré-escola como direito da criança, dever do Estado e da família. Mais adiante, em 1990, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) reitera os direitos das crianças já preconizados pela CF 1988. Os marcos legais a que nos referimos passam a considerar de forma mais abrangente a educação da criança, denominando-a de educação infantil e incorporando-a à educação formal.

A partir de 1995, o Ministério da Educação (MEC), passou a ser o responsável pela formulação de políticas para a educação em âmbito nacional, o qual instituiu a Secretaria de Educação Básica (SEB) que atua formulando políticas nacionais para a educação infantil, ensino fundamental e ensino médio.

Em consonância com a CF de 1988 e após sucessivos embates, lutas de educadores e da sociedade civil organizada que duraram mais de seis anos, em 1996, foi promulgada a LDBEN 9.394/96. Essa lei de caráter complementar, explicita e detalha os direitos educacionais conquistados com a CF de 1988 e enfatiza o dever do Estado com a educação pública. A atual LDBEN 9.394/96 estabelece, que a educação infantil é dever do Estado e será oferecida gratuitamente às crianças até 5 anos de idade10, em creches ou entidades equivalentes (crianças até 3 anos de idade) e pré-escolas (crianças de 4 a 5 anos de idade). A educação infantil tem como finalidade o desenvolvimento integral da criança, em seus

10 Na versão de 1996 a educação infantil era destinada a educação da criança de zero a seis anos. Foi a Lei nº 11.274 de 20 de fevereiro de 2006 que alterou a redação dos seus artigos (29, 30, 32 e 87) dispondo sobre a duração de 9 (nove) anos para o ensino fundamental. A mudança tornou menor a idade da criança na educação infantil.

aspectos físico, psicológico, intelectual e social, complementando a ação da família e da comunidade.

Mesmo com esse reconhecimento a educação infantil chegou ao final da década de 1990 com vários problemas, principalmente, no que se refere ao seu caráter educativo. Grande quantidade de instituições continuava sob a responsabilidade das Secretarias de Assistência Social, o que ocasionava sérios problemas de qualificação, sobretudo, dos profissionais que atuavam nas creches. Acrescentamos ainda, as dificuldades relacionadas à infraestrutura, o elevado número de atendimentos em instituições privadas e a ausência de uma política de financiamento para educação infantil como integrante da educação básica (SANTOS; SOUSA JÚNIOR, 2017).

Acerca do financiamento, ressaltamos que o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (Fundef), em vigor de 1996 até 2006, era exclusivo para a manutenção do ensino fundamental e de seus profissionais. A educação infantil e o ensino médio estavam fora desse financiamento. Isto reforça a fragilização da educação infantil como primeira etapa da educação básica, pois a ausência de uma política para o financiamento das instituições (creche e pré-escola), atrasou a universalização da primeira etapa da educação básica e o ingresso de profissionais capacitados para atuar junto às crianças dessa faixa etária.

Ao ser expirado o prazo do Fundef foi estabelecido com período de 2007 até 2020 o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb), que contempla toda a educação básica. Por meio desse fundo de manutenção a educação infantil é assistida através das alíquotas preestabelecidas. O Fundeb marca o início do reconhecimento e da garantia do direito à educação das crianças de 0 a 5 anos de idade, com a destinação de recursos públicos para o seu provimento, além de preconizar a valorização dos profissionais e o processo de municipalização das creches viabilizando a educação infantil.

Santos e Sousa Júnior (2017) afirmam que houve uma atenção especial para educação infantil depois de 2007, principalmente, no que se refere à melhoria da garantia do direito das crianças de 0 a 5 anos de idade. A criação do Programa Nacional de Reestruturação e Aquisição de Equipamentos da Rede Escolar Pública de Educação Infantil (ProInfância), do ProInfantil e a inclusão de toda educação infantil no Fundeb e em diversas ações do Plano de Desenvolvimento da Escola (PDE) são algumas das políticas firmadas em 2007 em prol de uma educação infantil de qualidade e equidade.

Para a primeira etapa da educação básica foi publicado em 2009 o documento “Indicadores da qualidade na educação infantil” que visava demonstrar e detalhar os Parâmetros Nacionais de Qualidade para a Educação Infantil (2006) em indicadores operacionais. O documento destaca sete indicadores de qualidade: planejamento institucional; multiplicidade de experiências e linguagens; interações; promoção da saúde; espaços, materiais e mobiliários; formação e condições de trabalho das professoras e demais profissionais; e, cooperação e troca com as famílias e participação na rede de proteção social.

A educação infantil constitui a primeira etapa da educação básica. Porém, a obrigatoriedade (como direito subjetivo), se deu com a Emenda Constitucional nº 59/2009, que modificou a CF. A escolarização obrigatória inicia-se a partir da pré-escola, ou seja, a partir dos 4 (quatro) anos de idade. Essa obrigatoriedade foi contemplada no texto da atual LDBEN com a Lei nº 12.796, de 4 de abril de 2013 e resulta de lutas e tensões.

Outro documento normatizador da educação infantil é a Resolução nº 5/2009, que fixa as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (DCNEI). O texto da DCNEI (2010) normatiza a organização de propostas pedagógicas para esta etapa da educação básica. Estas Diretrizes reúnem princípios, fundamentos e procedimentos que orientam o planejamento, execução e avaliação de propostas pedagógicas e curriculares de educação infantil. Conforme o referido documento (Brasil, 2010, p. 12), a criança é vista como:

[...] sujeito histórico e de direitos que, nas interações, relações e práticas cotidianas que vivencia, constrói sua identidade pessoal e coletiva, brinca, imagina, fantasia, deseja, aprende, observa, experimenta, narra, questiona e constrói sentidos sobre a natureza e a sociedade, produzindo cultura.

Ainda no que tange à proposta pedagógica para a educação infantil, as DCNEI preconizam que ela deve ter o cuidar e o educar como eixos estruturantes. Em relação ao tempo curricular, a educação infantil é considerada de tempo parcial, com jornada de, no mínimo, quatro horas diárias e de tempo integral, com jornada de duração igual ou superior a sete horas diárias (BRASIL, 2010).

O histórico da educação infantil revela uma série de avanços ao longo dos últimos 30 anos, no entanto, ainda há muito a ser conquistado para este segmento educacional. As metas estabelecidas para esta etapa da educação pelo PNE (2014-2024) previam a universalização da pré-escola até 2016 e ampliação de no mínimo 50% da oferta de educação infantil em creches até o final da vigência do PNE. Contudo, o relatório de monitoramento (2018) mostra

que o percentual da população de 4 a 5 anos de idade que frequenta a pré-escola é de 91.5%. Quanto ao percentual de crianças de 0 a 3 anos que frequenta a creche ele atinge 31.9%.

Os profissionais que atuam na educação básica são contemplados nas metas 15, 16, 17 e 18 que dispõem sobre os profissionais da educação, formação, valorização e planos de carreira para os profissionais da educação básica. Os dados do relatório de monitoramento (2018) demonstram que temos um longo caminho a percorrer até o final da vigência deste PNE (2014-2024) e também destaca a relevância que a educação infantil ganha na política educacional brasileira.

O mais recente marco regulatório da educação é a Base Nacional Comum Curricular (BNCC-2017). No âmbito da educação infantil o documento define um conjunto orgânico e progressivo de aprendizagens essenciais às crianças durante a primeira etapa da educação básica. A BNCC (2017) oferece subsídios para a construção e efetivação dos currículos da educação básica incluindo a educação infantil de modo a definir as aprendizagens essenciais a serem desenvolvidas respeitando a realidade de cada rede de ensino e instituição escolar.

Vale ressaltar que apesar das lutas e embates relacionados a aceitação da BNCC (2017), entendemos que a inclusão da educação infantil no documento, constitui um avanço importante para o processo histórico de fortalecimento dessa etapa na Educação Básica. Assim, os dispositivos em prol da constituição e efetividade da educação infantil de qualidade “[...] refletem o esforço em assegurar o direito à educação, bem como a tentativa de direcionar e organizar a natureza educacional, a prática educativa e construção de um currículo para a Educação Infantil” (SANTOS; SOUSA JÚNIOR, 2017, p. 266).

Como todo documento, a formulação da BNCC sofreu críticas. Destaca-se a presença de diversos grupos na sua formulação, seja contrário, a favor ou que entende a necessidade de contemplar algumas aprendizagens essenciais que eram/são inexistentes na base. Nessa perspectiva, as pessoas que são contrárias dizem que a base fere os princípios de autonomia da escola e do professor. Na contramão, o grupo a favor enxerga a base como promotora de melhoria para o ensino no país e que possibilitará uma reforma na educação, desenvolvendo um sistema educacional diferente do atual. Enquanto o grupo que desejava modificações centrava-se a discussão para que o campo de experiências “escuta, fala, pensamento e imaginação” fosse modificado.

Enfim, esse breve texto histórico da realidade social da educação infantil evidencia que o assistencialismo foi marcante ao longo de sua trajetória configurando-se de forma efetiva nas políticas destinadas às crianças pequenas até os anos 1980, principalmente no que se refere as creches.

Tendo apresentado esse histórico, queremos demarcar que a educação infantil, etapa inicial da educação básica, tem como finalidade garantir que a criança de até 5 (cinco) anos possa ser no âmbito das instituições, simultaneamente, educada e cuidada. Ou seja, o educar e o cuidar não são vistos de modo desarticulado. A criança é educada enquanto é cuidada e vice versa. A esse respeito Cerisara (1999), por exemplo, defende a indissociabilidade do cuidar e do educar. A autora afirma que as atividades desenvolvidas na primeira etapa da educação básica não sejam restritas à transmissão de conhecimentos ou reprodução e antecipação de práticas ditas como pedagógicas, mas que se valorize o cuidar como importante na prática da educação infantil. Nesse sentido, segundo a autora, o trabalho com as crianças em diferentes contextos educativos deve envolver:

[…] todos os processos de constituição da criança em suas dimensões intelectuais, sociais, emocionais, expressivas, culturais, interacionais. Portanto, as instituições de educação infantil devem buscar delinear as suas especificidades, sem perder de vista que o trabalho a ser realizado com as crianças deve assumir um caráter de intencionalidade e de sistematização, sem cair na reprodução das práticas familiares, hospitalares ou escolares. (CERISARA, 1999, p. 16).

O posicionamento de Cerisara (1999) confirma a educação infantil como uma etapa da educação que respeita os direitos fundamentais das crianças. Campos (1994) reafirma a importância dos dois pilares em caráter integrado. Segundo ela a “[…] noção de ‘cuidado’ que tem sido usada para incluir todas as atividades ligadas à proteção e apoio necessárias ao cotidiano de qualquer criança: alimentar, lavar, trocar, curar, proteger, consolar, enfim, ‘cuidar’, todas fazendo parte integrante do que chamamos de ‘educar’” (CAMPOS, 1994, p. 34).

É nesse sentido, ou seja, de articulação e indissociabilidade (cuidar/educar) que defendemos o trabalho nas instituições de educação infantil. Essa postura ajuda no reconhecimento das crianças em sua integralidade e como sujeitos de direitos. Pois, a dicotomia, propagada ao longo do atendimento à infância e ainda nos dias de hoje, fortalece uma concepção assistencialista de atendimento à criança. Portanto, é necessário pensar a superação da dicotomia fortalecendo uma concepção de educação infantil dual em que cuidar e educar estão interrelacionados nas práticas institucionais.

Defendemos a necessidade de recuperar e reintegrar esses aspectos (cuidar/educar) considerando que todas as crianças possuem necessidades e têm direito de serem cuidadas e educadas. Em relação ao dia a dia nas creches e pré-escolas, Campos (2008) ressalta:

Os diversos momentos e situações vividas ocorrem em um contexto muito mais informal, sem contornos nítidos que separem as atividades por sua natureza educativa, de cuidado ou de proteção. Tudo acontece de maneira integrada e a organização do tempo e do espaço deve permitir que o cotidiano ofereça oportunidades de desenvolvimento, de socialização e de interação às crianças, de acordo com suas possibilidades e necessidades. (CAMPOS, 2008, p. 127).

Assim, compreendendo que o dia a dia da criança nas creches e pré-escolas não se passa da mesma forma que na escola de ensino fundamental, defendemos que todos os profissionais que atuam na educação infantil “[…] necessitam de um novo tipo de formação, baseada numa concepção integrada de desenvolvimento e educação infantil, que não hierarquize atividades de cuidado e educação e não as segmente em espaços, horários e responsabilidades profissionais diferentes” (CAMPOS, 1994, p. 37).

Como percebemos, nos últimos 30 anos o atendimento às crianças sofreu modificações significativas e passou, pelo menos, no âmbito formal, de assistencialismo para educação, de favor para dever do Estado e direito da criança. Assim, entendemos que a apresentação desse histórico foi relevante para a compreensão do objeto estudado: as representações sociais de educação infantil construídas pelos ADIs.