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CAPÍTULO II – A EXPRESSÃO FACIAL DA EMOÇÃO

2.2 Expressão facial da emoção

2.2.1. Abordagem teórica: teorias primitivas e filosóficas da emoção

O estudo científico da EFE, apesar de aparentemente recente, tem sido profícua. Todavia, o seu estudo assenta em esclarecimentos e fundamentos com origem nas mais diversas abordagens teóricas.

A análise da emoção e, consequentemente, na história mais recente, da EFE, remonta à Grécia Antiga e aos seus grandes pensadores, perpetuando-se até à actualidade. Autores como Platão, Hume, Descartes, Espinoza, salientando Darwin, até James e Lange, Cannon e Bard, Ekman, Russel, Barrett, Damásio, entre muitos outros, estudaram a emoção em toda a sua extensão epistemológica. São várias e múltiplas as teorias que versam a emergência da emoção, o seu desenvolvimento, as suas características e a sua expressão.

Strongman (1998), fez um estudo aprofundado sobre a evolução teórica do estudo das emoções, abordando as diferentes perspectivas teóricas utilizadas. Para o

autor as teorias da emoção podem ser divididas em grandes quadros axiológicos: a) teorias primitivas, b) teorias fenomenológicas, c) teorias comportamentalistas, d) teorias fisiológicas, e) teorias cognitivas, f) teorias ambiciosas, g) teorias das emoções especificas, h) teorias desenvolvimentalistas, i) teorias sociais, j) teorias clínicas, k) teorias do indivíduo, do ambiente e da cultura, e por último, l) teorias fora da psicologia. Por motivos de natureza conceptual e teórica, será utilizada uma categorização mais abrangente, pelo que as teorias serão abordadas de acordo com com o fundamento base das teorias consideradas para o presente estudo. Desta feita, a análise teórica será dividida entre, 1) Teorias naturalistas, 2)Teorias sócio-construtivistas e, por último, e por ser um dos fundamentos teóricos do presente estudo, a 3) Teoria integrativa de Ekman.

Para fazer o enquadramento dos primórdios do estudo da emoção, é pertinente que se inicie pelas teorias filosóficas primitivas da emoção. No desenvolvimento destas teorias, os autores que mais se destacam são, Platão, Aristóteles, Sócrates, Descartes, Darwin, James-Lange e Cannon- Bard.

Para os grandes filósofos gregos (Platão, Sócrates e Aristóteles) a emoção era considerada como parte integrante do Irracional. A emoção, a paixão, os desejos, os impulsos, eram considerados e analisados como parte de um todo, e não em separado e individualmente. Eram tidos como obstáculos à razão, devido à ascendência que estes teriam na capacidade de pensar racionalmente, de fazer escolhas e julgamentos racionais, pelo que a emoção deveria ser controlada pela razão. Para Platão, as emoções destabilizavam os processos e mecanismos da razão, por terem uma natureza básica (Strongman, 1998). Na esteira de Aristóteles, a emoção era o resultado da combinação da cognição e do instinto, sendo que os indivíduos que cediam aos impulsos perdiam a razão, pelo que as suas acções e/ou actos revelariam insanidade.

“ As that which leads one’s condition to become so transforme that is judgment is affected, and which is accompanied by pleasure and pain.

Examples of emotion include, anger, fear, pity, and the like, as well as opposies of these”(Aristotle, 1941, cit.in, Solomon, 2008,p.5)

Com Tomás de Aquino, no século XIII, a emoção foi colocada em pé de igualdade com a razão (Solomon, 2008; King, 2012; Davis, 2013), sendo-lhe reconhecidas algumas características cognitivas, somáticas e taxonómicas. Pese embora a emoção não seja completamente controlável pelo indivíduo, esta subjaz a qualquer acção e é sujeita algum tipo de controlo (e.g., imaginação). Desta, a emoção não é vista como algo negativo desde que seja susceptível à influência de mecanismos de controlo, caso contrário tornar-se-ia em comportamento descontrolado e irascível. Esta teoria, ao contrariar a herança da corrente filosófica da Antiga Grécia sobre a emoção, abre novos horizontes para o entendimento da emoção “This is a market shift in the master/servant

vise of reason and emotion.” (Davis, 2013, p. 69)

No século XVI, Descartes analisou a emoção ao nível da cognição, ainda que de forma pouco clara. Descartes definiu a emoção como sendo exclusiva do humano porque as emoções teriam lugar na alma, algo que os animais não teriam pelo que, estariam sujeitas à influência de alterações fisiológicas, bem como dos processos comportamentais, de percepção, memória e crenças (Strongman, 1998; Solomon, 2008; Davis 2013). Em seguida, Hume, no século XVIII, afasta por completo a corrente filosófica, definindo a emoção como a pedra-angular (Davis, 2013) em toda e qualquer tomada de decisão do indivíduo, ao invés do até então aceite, a razão. “Hume’s theory is

especially important not only because he challenged the inferior place of passion in philosophy and questioned the role of reason” (Solomon, 2008, p.7). Esta corrente

passa a incluir na emoção os contextos metafísicos, éticos e morais, passando a considerar a simpatia como uma característica universal da condição humana e da moralidade. Como Schmitter em 2010 afirma, passa a ser aceite que a emoção está intimamente ligada às impressões positivas e negativas e que, a posteriori, dão origem às ideias. Ora, considerando que as ideias dão origem às impressões emocionais e, ao mesmo tempo as ideias são causadas pelas nossas impressões emocionais tal significa que “impression leads to a new idea of the self.” (Davis, 2013, p. 72)

A emoção já não é refém da razão, motivo pelo qual deve ser defendida e celebrada na sua condição única. No século XIX, Darwin publica The Expression of the

Emotions in Man and Animals, um tratado único sobre a importância das emoções e da

expressão das mesmas. Este tratado foi uma pedrada no charco no estudo e investigação da emoção, como salienta Freitas-Magalhães (2011a) "Darwin é o ponto de partida

para toda a sua aventura no campo da expressão facial da emoção.”(p.32). Para

Darwin a emoção tem um base biológica, não dependente da selecção natural, mas está sujeita à influência quer, da evolução do sistema nervoso quer, por reminiscência de velhos hábitos (Strongman, 1998; Freitas-Magalhães, 2013a; Davis, 2013). Segundo Darwin, as expressões são o reflexo da emoção, ainda que sem uma função comunicativa própria.

No que Davis (2013) definiu como Early Modern Theory, temos a teoria considerada como a primeira teoria moderna da emoção de autoria de James e Lange, desenvolvida por ambos os autores nos finais do século XIX, inícios do século XX. Esta teoria assentava na premissa que a emoção é o resultado da nossa percepção às respostas fisiológicas quando expostos a estímulo (Lange, 1912) (v.Fig.2). Segundo Freitas- Magalhães, estes autores consideravam que “a vivência emocional é a consequência a

alterações corporais motivada por estímulos exógenos” (2007, p.119). Esta foi,

também, a primeira teoria da emoção, exclusivamente psicológica. Definiu a existência de emoções discretas bem como versou sobre a importância da sua natureza fisiológica e da sua expressão facial (Lange, 1912; Freitas-Magalhães, 2007; Strongman, 1998; Davis, 2013).

Os pontos principais da teoria consistem em que o feedback aferente dos órgãos perturbados provoca o aspecto sensível da emoção. Qualquer actividade cortical proveniente deste feedback é a própria emoção. Deve recordar-se que James não só salientou o papel desempenhado pelas vísceras na emoção, como também atribui papel semelhante aos músculos voluntários. Isto estabeleceu o campo de trabalho da pesquisa de padrões corporais na emoção e das teorias que salientam o significado da expressão facial da emoção. (Strongman, 1998, p. 26).

Figura 2. Representação da teoria de James-Lange. As setas indicam a direcção da função (Strongman, 1998, p.26)

No final dos anos 20 (vinte) do século XX, Cannon e Bard (v. Fig.3), elaboraram um nova teoria tendo por base as 5 (cinco) principais críticas apontadas à teoria de James-Lange. A saber: 1) o estímulo artificial de respostas viscerais, não provoca uma resposta emocional, 2) não existia evidência empírica, à época, de respostas-padrão visceral à emoção, 3) o feedback visceral tem pouco ou nenhuma importância na distinção das emoção, dada a insensibilidade dos órgãos viscerais, 4) o comportamento emocional mantêm-se intacto mesmo após a total separação do sistema nervoso central das vísceras e por último, 5) a resposta dos órgãos viscerais é lenta (Cannon, 1927; Strongman, 1998; Solomon, 2008; Davis, 2013). Solomon(2008) e Davis (2013) referem que esta teoria também tem por base uma outra crítica, designadamente que James e Lange ignoram o funcionamento do tálamo. Na esteira da teoria de Cannon e Bard, a expressão emocional resulta da actividade dos centros subcorticais, uma vez que é o tálamo que desempenha o papel central da experiência da afectividade e não as vísceras (Freitas-Magalhães, 2007; 2013a). “Cannon acreditava que não é necessário

nada de mais específico do que a “libertação” dos neurónios no tálamo(…)excitar os músculos e as vísceras e reenviar informação para o córtex.” (Strongman, 1998, p. 28).

Em suma, citando Freitas-Magalhães, para estes autores “o mesmo centro nervoso

(tálamo) é o responsável pela ativação emocional e fisiológica” (Freitas-Magalhães,

Figura 3. Representação da teoria de Cannon-Bard. As setas indicam a direcção da função (Strongman, 1998, p.29)

Concluindo, a história do estudo da emoção vem demonstrar o valor que o Homem dá à emoção, carecendo de a entender e perceber em todas as suas vertentes (Duchenne, 1999; Darwin, 1872). O estudo e a exploração filosófico/empírica das suas origens, desenvolvimentos e manifestações é profícuo e relevante para entendermos o actual estado da arte das teorias sobre a emoção. Partamos então, deste breve intróito histórico, para a análise das teorias mais proeminentes e actuais sobre a emoção.