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Freud, iniciou a sua pesquisa sobre a culpa tendo por base a sintomatologia associada, nomeadamente os sintomas neuróticos. Para o autor existia uma relação desproporcional entre as acções e a culpa vivida pelos seus agentes. Era um sentimento vivido pelo próprio de forma exacerbada, como resultado do “obscuro sentimento de

culpa a que a humanidade tem estado sujeita desde os tempos pré-históricos e que em algumas religiões foi condensado na doutrina da culpa primal, ou pecado original” (Freud, cit. in, Rinaldi, 2001). Para encontrar a génese da culpa dever-se-á

considerar a consciência moral do indivíduo como resultado do que ama, quem ama e, da angústia que rege o seu pensamento de forma, quase, constante. (Rinaldi, 2001)

Skinner em 1991, no âmbito da sua Teoria comportamentalista, definiu a culpa como uma consequência de “contingências aversivas” (Guilhardi, 2002). Melhor dito: é um sentimento que carece da influência directa de factores exógenos ao indivíduo que derivam das suas acções e escolhas. Guilhardi (2002) contextualizou a culpa como:

A “culpa” envolve uma comunidade poderosa (governo, sistema judiciário, professores, pais etc.) que julga (categoriza) um determinado comportamento como ilegal (inadequado) e o condena de acordo com a lei ou as regras do grupo social (pune-o). (p. 4)

Para o autor, para que o indivíduo refira a vivência do sentimento de culpa deverão ser verificadas 5 (cinco) condições. A primeira condição, segundo Guilhardi, deverá ser que o comportamento adoptado seja considerado pelo próprio e/ou pela sociedade onde se insere, como inadequado. A classificação de inadequado não é uma propriedade intrínseca do comportamento, mas sim, o resultado de juízos de valor que uma pessoa, grupo ou comunidade lhe confere e é apreendido e aceite pelo indivíduo. Esta aprendizagem surge com a observação das vivências e respectivas consequências em terceiros ou pelo próprio. Ora, considerando que existem circunstâncias que não são classificadas como inadequadas e geram, à mesma, sentimentos de culpa, podemos acrescentar a esta fórmula o impacto do contexto onde a acção acontece. Em segundo lugar, é necessário que o indivíduo reconheça a inadequação do comportamento e as possíveis consequências punitivas do mesmo. Caso tal não se verifique, o indivíduo não experiencia o sentimento de culpa, mas também não estabelece nexos de causalidade entre a acção/comportamento com uma consequência negativa (e.g. indivíduos com psicopatia). Em terceiro, para que o sentimento de culpa surja, deverá o agente ter uma relação de interacção positiva com regra (e.g. lei) e com quem a define (e.g., legislador), nomeadamente de confiança e crença. Caso esta relação não exista, o indivíduo que não reconhece legitimidade a esta capacidade de regular determinado comportamento (e.g., filho que não respeita as directrizes dos pais), de quem a estabelece, o sentimento de culpa também não será manifestado, ainda que num quadro axiológico amplo, o agente reconheça que a acção/comportamento é inadequado. Neste caso, o agente não respeita quem faz cumprir a conduta, ainda que esteja consciente da existência de factores negativos associados ao seu comportamento. A quarta condição, será a existência de experiências passadas com consequências negativas, díspares ou ausentes. A exposição constante à punição pode ter um efeito contraproducente, a classificação de “inadequado” pode ser muito diferente entre as figuras a quem se reconhece o poder de as determinar como tal (e.g., mãe considera correcto, o pai considera incorrecto), ou então, a inexistência total de referenciais de classificação de comportamentos e, naturalmente, de consequências aversivas. Por último, releva para Guilhardi, a aceitação da punição aplicável, não oferecendo nenhum tipo resistência à mesma ou ao seu

aplicador. Em suma, para o autor, a culpa é um sentimento que não pode ser dissociado de uma análise das circunstâncias comportamentais e contextos onde a acção ocorre.

Bybee (1998), afirma que a culpa, aos olhos da psicologia e da psiquiatria, foi durante um longo período de tempo, uma emoção dolorosa e debilitante, tóxica e desnecessária dos indivíduos. Todavia a autora ao analisar a produção empírica produzida na década de noventa, reconhece a esta emoção, a produção de efeitos positivos no comportamento (e.g. maior tendência para actos de caridade, maior preocupação com sentimentos de terceiros, comportamentos mais frequentemente honestos, entre outros). Tangney (1998) analisou as diferenças teóricas entre vergonha e culpa que, na sua opinião, eram frequentemente confundidas ou colocadas na mesma categoria de “moral emotions that regulate social behavior(…) or as potencially

affective experiences that lie at the heart of many psychological symptons” (p.1).

Segundo a perspectiva psicoanalítica, para além de Freud, destacaram-se Piers e Singer que em 1953 (no alinhamento teórico de Freud) definiram a culpa como uma reacção à colisão de ideias entre o ego e o superego, porquanto que a vergonha seria o confronto entre os ideias do ego com o ego ideal. Na perspectiva antropológica, a culpa e a vergonha são o resultado de diferentes eventos e dos contextos onde estes ocorrem, sendo que a sua diferenciação tem uma base intrínsecamente situacional. Numa perspectiva inovadora à época, Lewis em 1971, usa o papel do self consoante a situação a que o indivíduo é exposto, como a base para diferenciar a vergonha da culpa. A implicação do self na vivência fenomenológica, altera os resultados da experiência, acção e/ou conduta.

The experience of shame is directly about the self, wich is the focus of evaluation. In guilt, the self is not the central object of negative evaluation, but rather the thing done or undone is the focus. In guilt, the self is negatively evaluated in connection with something but is not itself the focus of the experience. (Lewis, 1971, p. 30, cit. in, Tangney, 1998, p. 5)

Para Lewis, a culpa é uma experiência menos dolorosa que a vergonha, uma vez que está direccionada para a análise de uma determinada situação, e não para o self. Todavia sentimentos como o remorso, arrependimento e tensão, estão fortemente associados à culpa. Como conclusão de dois estudos realizados por Tangney ( 1993 e em 1996), o autor assevera que a culpa e a vergonha são duas experiências emocionais substancialmente diferentes, tal como afirmara Lewis, tanto cognitiva e afectivamente, como motivacionalmente (1998, p.6). A culpa, como emoção, demonstra ter uma génese moral, sendo que os estudos demonstraram que estes indivíduos revelaram uma maior tendência para serem empáticos e mais prontos para retificar as consequências das suas acções. Tal poderá ser sinónimo de uma maior consciencialização do comportamento em causa, e não necessariamente um foco no self que agiu. Também se verificou uma menor (ou quase nula) somatização psicológica da culpa, por contraponto com a vergonha, normalmente associada a problemas psicológicos. Em suma “guilt appears to

be the “moral affect” of choice.” (Tangney, 1998, p. 9). O autor diferencia estas

emoções das emoções básicas, classificando-as como emoções auto-conscientes, que vão sendo apreendidas ao longo da vida, que se interligam com a noção de self, com as acções e comportamentos do indivíduo. Assim, o autor considera normal que as circunstâncias que fazem o indivíduo viver a culpa, podem sofrer alterações com as mudanças biopsicossociais a que o indivíduo está sujeito através da influência da idade, do contexto social onde se insere e das experiências que viveu. Para o autor, o que distingue a culpa da vergonha é muito mais do que a mera demonstração e o local onde ocorre a vivência da emoção (e.g.em privado ou em público).