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A culpa, segundo estudos realizados (e.g. Baumeister et al.,1994; Dost & Yagmurlu, 2008; Ekman, 1992; Ekman, 2004a; Keltner & Buswell, 1996; Kubany & Watson, 2003; Meissner & Kassin, 2002; Tracy & Robins 2006), é descrita e definida como uma emoção discreta, resultante de acções ou omissões comportamentais do indivíduo. Os mesmos estudos consideram que a culpa pode ter eco numa expressão facial distintiva das demais emoções. Todavia, os comportamentos associados à culpa, por norma motivam no indivíduo uma “direct remedial action” (Keltner & Buswell, 1996, p.168) que não implica, necessariamente, uma expressão característica distintiva ou, pelo menos, facilmente identificável na face. Para Keltner e Buswell (1996, p. 168-169), estes resultados poderão ser a evidência que o constructo da culpa é complexo, pelo que a sua análise através de uma fotografia pode levar a interpretações da expressão facial distintas da culpa (e.g., vergonha, embaraço).“Guilty may involve a

complex pattern of facial gaze, postural, and speech activity(...) that cannot be captured in static photographs. Or (...) require more than non-verbal communication”.

A culpa está normalmente associada à sensação individual de desconforto emocional decorrente ou associada, a ações, omissões, circunstâncias ou intenções (Baumeister et al., 1994). Segundo a literatura, a culpa é o resultado da soma de uma componente emocional e de um conjunto de crenças interrelacionadas sobre

determinado comportamento adoptado pelo próprio indivíduo que a vive, pelo que

“guilt will not be expected to occur if a person does not implicate himself or herself in a negative event in any way” (ibidem, p. 58).

A manifestação da culpa na expressão facial não reúne consenso junto da comunidade científica. Se para Darwin, em 1872, e outros autores que se lhe seguiram, a culpa se enquadra num grupo de emoções no qual também encontramos a vergonha e o embaraço, então seria correcto designá-la como uma emoção discreta. Para Baumeister e colegas, a culpa “happens between people as much as it happens inside

them” (1994, p. 243), afirmação que fundamenta a opinião de um conjunto de autores

segundo os quais a culpa, enquanto emoção, é uma auto emoção-consciente. Todavia, estes mesmos autores defendem que a culpa assenta numa base proeminentemente interpessoal ao invés de, simplesmente, pessoal. Outrossim, “some experiences of guilt

can take place in the privacy of one’s individual psyche, in social isolation. Still, many of those instances may be derivate of interpersonal processes.”(Baumeister et al., 1994,

p. 243). Mais recentemente, em 2008, Dost e Yagmurlo, reafirmaram a culpa como

“self-conscious emotions” (p.109), uma vez que a esta emoção subjaz, implicitamente,

um processo auto-reflexivo do próprio indivíduo.

Tracy e Robbins (2006, p.1339) descreveram a culpa enquanto “Self-conscious

emotions critically involve self-evaluative processes, whereas nonself-conscius (e.g., anger, fear)”. Ainda que para os autores, este processo de auto-avaliação não seja

condição sine qua non para que a emoção aconteça, quando este processo ocorre, tal determina qual o peso causal que as auto-representações têm no surgimento das emoções. Neste sentido, estes investigadores desenvolveram um conjunto de estudos em 2006 que procuraram estabelecer e compreender a relação entre as auto-representações e a expressão das emoções. De acordo com os resultados obtidos, foi possível sustentar que as representações pessoais têm uma relação causal com a vivência da emoção auto- consciente, como a culpa. Mas não se verificou a necessidade dos indivíduos em regularem a emoção da culpa através da externalização da mesma, não se tendo

observado essa correlação. De facto, “Instead, guilt-prone individuals, tend to make

internal attributions, which would lead only to more guilt”. (Tracy & Robbins, 2006, p.

1348) (v. Fig.1).

Assim, a culpa enquanto “Self-referential emotions constitute a subgroup of

emotions that have specific functions and a special structure” (Zinck, 2008, p. 496).

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Figura 1: Representação da estrutura e funções das emoções auto-conscientes (Zinck, 2008, p. 496)

Diversos autores definiram e operacionalizaram o conceito de culpa como um “multidimensional construct” (Dost & Yagmurlo, 2008, p. 113) por lhe reconhecerem a capacidade de ser “adapttive and maladaptive (...) and it’s magnitude may vary as a function of cognitive and affective dimensions” (ibidem, p. 113). Esta definição implica que se compreenda que a emoção de culpa vivenciada por cada um, capaz de produzir efeitos no próprio, e que se reflectirão em sentimentos positivos ou negativos, dependem da forma como a própria emoção da culpa é experienciada. A investigação produzida demonstra que a culpa se relaciona com outras dimensões, nomeadamente com a baixa auto-estima, com ideais de perfeccionismo negativos e, inclusivé, com sintomas patológicos, como somatização, depressão, paranóia, ansiedade e/ou cólera (Dost & Yagmurlo, 2008; Ferguson & Stegge, 1998; Keltner & Buswell, 1996; Tangney, 1998; Silvia & Eddington, 2012). Da mesma forma, para que os níveis de intensidade da culpa se possam determinar, será de considerar a influência dos factores contextuais. A saber: o abuso, a violação, acidentes graves

ou mortes, entre outros (Kubany & Watson, 2003; Dost & Yagmurlo, 2008). De facto, são vários os estudos que apontam para o impacto a posteriori de determinados eventos traumáticos na vida dos indivíduos que, em ultima ratio poderão levar a que se “overestimate their responsability in the event and thus engaged in excessive self-blame” (Dost & Yagmurlo, 2008, p. 116).

Kubany e Watson (2003) definiram no seu modelo multidimensional de culpa , 1

variáveis situacionais e sociais que contribuem para a vivência da culpa e para a definição da intensidade da mesma, a saber: a) infligir danos, b) proximidade física ou envolvimento directo num evento negativo, c) infligir danos a alguém próximo, d) envolvimento em eventos dos quais resultaram danos irreparáveis a terceiros, e) envolvimento em eventos inesperados, mas dos quais resultaram danos irreparáveis, f) eventos negativos causados por acção humana, g) escolhas com produção de consequências negativas, h) desigualdade em benefícios ou desvantagens, e, i) assunção de culpa de terceiros.

O embaraço, orgulho, timidez, vergonha e culpa são emoções, à luz dos achados de Lewis em 1993, que devem ser analisadas como um todo, por serem “emoções

relacionadas com a consciência do Eu.” (Strongman, 1998, p. 154). Izard, por seu

turno, avança com a análise da vergonha de forma independente da culpa e deu particular ênfase à timidez. Quanto à culpa, o autor afirma “ Na Teoria das emoções

discretas, a culpa é a emoção-chave no desenvolvimento da responsabilidade pessoal e social e dos fenómenos da consciência.” (Izard, cit. in, Strongman, 1998, p. 155). A

culpa interliga-se com a vergonha, ainda que, o processo de avaliação que lhe dá origem seja diferente. Ora, se a vergonha surge através da análise de um processo de avaliação heterógeno dos outros sobre o Eu, a culpa é de exclusiva responsabilidade da auto- avaliação do Eu. Em 1993, Lewis levanta a questão sobre a forma como a emoção culpa deve ser analisada: enquanto emoção básica ou de forma separada, uma vez que a culpa

“A causal Model that accounts for guilt given the occurrence of a negative event.” ( Kubany & Watson,

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está dependente da consciência do Eu. Já em 1987, Ortony levantava a questão se a culpa deveria ou não ser catalogada como uma emoção básica.