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A culpa, segundo Figueiredo Dias (2007), “exprime uma realidade axiológica

(uma valoração ética) insusceptível de manipulação utilitarista” (p. 275) que serve o

direito penal no apuramento da censurabilidade das acções e dos agentes. Mas, primeiro releva uma breve nota introdutória sobre a génese, conceito, objectivos e aplicações do direito penal.

O direito penal define os crimes, estabelece sanções e infracções que são punidas com penas ou medidas de segurança, isto é, define quais as acções que constituem um ilícito criminal e quais as consequências/reacções jurídicas que lhe podem ser imputadas. Se no direito criminal importa o crime em si, no direito penal a tónica é colocada nas penas e medidas de segurança e, mais recentemente, nas condutas culposas (Dias, 1990; Dias, 2007; Roxin, 1998; Roxin, 2002) associadas ao crime.

Numa perspectiva material, o direito penal visa a tutela dos valores fundamentais à convivência comunitária e à livre vontade/realização da pessoa. Só um comportamento que viole estes pressupostos deverá ser punido. Existe um consenso comum e transversal a toda a sociedade que determina e acerta as normas de agir em comunidade. Compete ao Homem ajustar-se as estas normas, adoptando condutas adequadas, ajustando-se aos critérios e/ou valores jurídicos descritos na letra da lei. Estes bens jurídicos abrangidos pelo direito são uma realidade que, à luz do consenso comunitário, se revelam valiosos e indispensáveis à convivência humana pelo que são estes que se encontram sob a tutela do direito penal. O consenso comunitário, enquanto critério, define a esfera privada de cada indivíduo, estabelece direitos e deveres, que quando lesados e/ou não cumpridos, encontram resposta no direito penal. Este critério determina quais os bens são considerados fundamentais para a boa convivência social. Daqui emergem duas noções de norma: a norma de conduta, segundo a qual a norma é

aplicável a todos e determina a natureza da lei e, a norma penal, que significa que o indivíduo é livre de obedecer ou desobedecer ao determinado sendo que, em caso de violação da norma, a sua conduta passa a constituir um crime. Assim, o crime é constituído pela violação da lei e pela violação de uma conduta humana que tutela determinados valores jurídicos. Posteriormente à violação da lei, emerge a necessidade de punição do comportamento, que tem como objectivo reafirmar a força normativa, a permanência e a validade da norma. Ora, considerando que o direito penal é a ultima

ratio da política social, a sua natureza é considerada como definitiva e subsidiária, pelo

que apenas actua quando demais ramos do direito não versam sobre os bens fundamentais em causa e estes forem fundamentais à convivência humana (Dias, 1999; Dias, 2007).

Para que um acto e/ou conduta seja considerado crime, tem de se verificar o somatório de três elementos, a saber: 1) Tipo, determina se a acção é ou não tipificada como crime, 2) Ilícito, se acção é contrária à norma ou, apenas parte dela e, 3) Culpa. Quanto à culpa, Dias define-a, à luz do direito penal, como:

(…)o facto possa ser pessoalmente censurado ao agente, por aquele se revelar expressão de uma atitude interna juridicamente desaprovada e pela qual ele tem por isso de responder perante as exigência do dever-ser sócio-comunitário. (2007, p. 274)

Para o direito penal, a culpa está sintetizada no Princípio da culpa, segundo o qual não há pena sem culpa e a medida da pena não pode ultrapassar a medida da

culpa. Por conseguinte, podemos na esteira de Dias, reconhecer ao conceito de culpa

uma dimensão funcional, não só porque serve o sistema juridíco-penal e uma dimensão ética, como também serve interna e externamente como método de avaliação valorativa da acção. Compete ao Princípio da culpa balizar a medida da pena, definindo o mínimo e o máximo na qual esta se irá encaixar (e.g. duração da penas, penas acessórias). De acordo com a Teoria Geral do Crime, o crime é a violação da norma de determinação que tem por objecto os bens fundamentais, também designada pela literatura, como o

desvalor da acção (Correia, 1971; Correia, 1983; Dias, 1990; Dias, 2007). Os destinatários da norma são livres de obedecer ou não, cumprir ou não as normas, uma vez que o direito reconhece ao cidadão a sua liberdade na conduta. Contudo, as normas têm a função de comando, sendo imperativas e de dever de funcionamento da conduta humana pelo que o objecto de valor da acção é a própria conduta humana.

A acção humana quando viola as normas de conduta, normas previamente definidas e tipificadas na letra da lei, passam a ser consideradas pelo direito como ilícitos tipo que podem ser de natureza incriminadora ou justificadora. Os ilícitos típicos incriminadores implicam um desvalor de acção e não implicam, necessariamente, a existência de culpa. A culpa decorre de um juízo de censura sobre o agente, pois se verificou uma desvalorização subjectiva do acto à luz da actuação do indivíduo. A culpa material é definida pela censurabilidade da acção do agente, apurada quando se verificam três (3) pressupostos: 1) imputabilidade ou capacidade de culpa, 2) consciência do ilícito e, 3) exigibilidade de um comportamento diferente. Em suma, o agente tem de ser livre na sua capacidade de escolha, percepção e reconhecimento da norma.

A culpa enquanto atitude interna do agente que se manifesta através do ilícito típico, pode ser determinada como dolosa ou negligente. No caso do tipo de culpa dolosa, o direito afirma que está comprovada e/ou pode ser imputada à acção do agente, uma atitude íntima consciente que é contrária ao direito e às suas normas. O tipo de culpa negligente é caracterizado quando não se verifica essa atitude íntima do agente. O direito definiu por consequência, pressupostos que têm que ser observáveis para determinar a culpa. Assim, o agente deverá ser considerado imputável , isto é, o agente 2

tem de ter qualidades internas que lhe permitam ter juízos de valor e de censura das suas acções. Caso o agente não tenha estas capacidades, seja por razão de idade conforme artigo 19º(décimo nono) do CP, seja por razão de anomalia psíquica conforme artigo 20º(vigésimo) do mesmo, será declarado como inimputável. Quanto à exigibilidade, o

Segundo Dias (2007) “ capacidade do agente, no momento do facto, “para avaliar a ilicitude deste ou

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direito determina que o agente podia ter agido licitamente, pois era assim que lhe era exigido face à situação e, ainda assim, optou pela actuação ilícita. Todavia a lei salvaguarda situações exógenas à vontade do agente como os casos de estado de necessidade desculpante, conflito de deveres, obediência indevida desculpante, entre outros (Correia 1971; Correia, 1983; Dias, 1999; Dias, 2007).

Em suma, a culpa como concepção normativa, surge como uma censura dirigida ao agente pela prática do facto, sendo a sua acção censurável. No contexto funcional, tem uma função político-criminal primária de defender a dignidade humana, em prol do bem-estar social e comunitário executado por agentes representativos do Estado.