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CAPÍTULO III – O RECONHECIMENTO DA EXPRESSÃO FACIAL DA

4.3. Mediatismo jornalístico:noções e implicações

Giddens sociológo proeminente do século XX, definiu e classificou a influência da comunicação social na actualidade.

Chamamos-lhe ‘mass’ media porque abrangem um grande número

de pessoas. Por vezes são denominados como meios de comunicação

de massa. Os mass media são frequentemente associados apenas ao

entretenimento e, como tal, são considerados como marginais para a vida da maioria das pessoas. Esta visão é, no entanto, parcial: as comunicações se massa estão presentes em muitos outros aspectos das nossas actividades sociais. Os jornais e a televisão têm uma larga influência nas nossas experiências e na opinião pública, não apenas por afectarem as nossas atitudes de várias formas, mas também porque são

meios de acesso aos conhecimentos de que dependem muitas das

nossas actividades sociais. (Giddens, 2009, p. 456)

Sobre o mediatismo de determinados casos, Gudjonsson (2003) considera que esta é uma das principais causas para condenações erróneas pela justiça. O mediatismo implica a publicidade desmedida de todos os intervenientes, bem como uma visão parcial e influenciada da informação que é veiculada para o exterior. Tal acarreta uma exposição e pressão extra, à actividade do próprio sistema de justiça, a quem é pedido rapidez e rigor de actuação. Esta solicitação pública de rapidez, usualmente, segundo o autor, culmina em erros judiciários, em análises enviesadas do caso, dos suspeitos e das vítimas, “Once a much needed suspect is identified an inept police investigations may follow, where supporting the suspect’s innocence are ignored or overlooked” (p. 161).

O PrCP e, como já acima mencionado, teve a sua génese numa investigação

jornalística realizada pela jornalista Felícia Cabrita, à data, ao serviço da SIC, canal generalista da televisão portuguesa. Felícia Cabrita em 2006, em declarações ao Tribunal no âmbito do PrCP, declara-se como jornalista de investigação. Ao longo do 32

PrCP, a jornalista passa a entrevistada e faz cabeçalho de centenas de chamadas de 1ª

Visto a 11/2014 em: http://publico.pt/sociedade/noticia/casa-pia-jornalista-felicia-cabrita-diz-que-foi-

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página nos media portugueses e, em meios de comunicação internacionais. Este é, talvez, o sinal mais óbvio, do mediatismo que circundou o PrCP, como refere a notícia do Diário de Notícias em 2013 . 33

Felícia foi a cara da notícia e deu a cara. Foi entrevistada por colegas, assumiu a defesa das vítimas, tornou-se, a certa altura, como que um ícone no combate à pedofilia. E tornou-se também uma personalidade mediévica, embora já antes, sobretudo no seu meio profissional, fosse muito conhecida por outras investigações e reportagens. Felícia Cabrita, de repente, passou de profissional respeitada a profissional temida.

O impacto mediático do PrCP foi de tal forma profundo que, inclusive, a juíza

responsável pelo processo sentiu a urgência em versar e avaliar a forma como a justiça se conjugou e conviveu com o PrCP. Em boa verdade, a Juíza Ana Peres reconhece em 2010 o impacto do mediatismo associado ao processo e as implicações que tal poderia produzir tanto a nível judicial, como a nível social “a juíza considera que a maior

dificuldade que encontrou no contacto com os jornalista foi “ter consciência de que prestar um mero esclarecimento poderia prejudicar o normal funcionamento do processo”.” : Nas mesmas declarações, afirma que quando tomou consciência do 34

impacto da publicidade e mediatismo que rodeava o PrCP, foi necessário agilizar novos procedimentos entre a justiça e a comunicação social, denominado como sistema intermédio , em que os jornalistas e a comunicação social passaram a ter a acesso a 35

algumas das audiências, algo inédito em Portugal até à data.

No estudo realizado em 2011 por Monteiro , sob o título “A repercussão

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mediática da sentença do Processo Casa Pia”, a autora versou, entre outros temas,

Visto a 11/2014 em : http://www.mynetpress.com/pdf/2013/fevereiro/20130227308dd2.pdf

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Visto a 11/2014 em:http://www.cmjornal.xl.pt/nacional/portugal/detalhe/juiza-da-casa-pia-avalia-

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mediatismo.html

“Consciente da repercussão e do impacto deste julgamento na sociedade, a magistrada decidiu introduzir pela primeira vez em

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Portugal um sistema intermédio: o julgamento decorreu à porta fechada sempre que foram ouvidas vítimas de abusos sexuais, contudo, os jornalistas tiveram acesso às restantes audiências, tendo a própria sentença sido filmada” (visto a 11/2014 em http:// www.inverbis.pt/2007-2011/actualidade/juiza-casapia-avalia-mediatismo.html)

Visto a 11/2014 em :https://ubithesis.ubi.pt/bitstream/10400.6/1306/1/Tese_Joana_Monteiro.pdf

sobre a necessidade da sociedade actual obter dos órgãos de comunicação social, notícias com um cunho fortemente sensacionalista, em que, os factos são extrapolados e exagerados sobretudo os que se relacionam com o lado mais obscuro e negativo da sociedade (e.g. crime, violência, tragédias, abusos sexuais). A autora considera que esta “sede” social por informação e por exposição pública, condicionou a forma como o PrCP foi vivido em sociedade e, de que forma, o jornalismo e o mediatismo condicionaram actuações e postura dos seus intervenientes. Monteiro salienta, o aumento exponencial de acesso a sítios na internet de informação (e.g. TSF, LUSA) por parte dos cidadãos em busca de informação sobre o processo, como também a sua utilização por parte de alguns intervenientes directos e indirectos, na divulgação de parte/s do processo, opiniões e esclarecimentos, como foi o caso de CC. Sobre a cobertura mediática levada a cabo pelos órgãos de comunicação social, Monteiro afirma:

Num julgamento que envolve 920 testemunhas, 32 vítimas, 7 suspeitos e ainda os alegados suspeitos que foram aparecendo e desaparecendo do contexto noticioso, a cobertura jornalística do processo Casa Pia é um dos exemplos mais fortes de circuito-mediático. (Visto a 11/2014 em :https:// ubithesis.ubi.pt/bitstream/10400.6/1306/1/Tese_Joana_Monteiro.pdf)

Na esteira de Monteiro, o impacto deste processo, tal como a cobertura mediática e jornalística a que esteve sujeito, conferiu um novo papel aos media, à mediação entre o público e a justiça. Todavia, esta mediação, rapidamente passou a ser encarada por algumas franjas da sociedade como, interferência jornalística do bom desenrolar do processo judicial, muito por responsabilidade da afirmação do Juíz Rui Teixeira em 2003 ao jornal diário Correio da Manhã, rosto primeiro da acção judicial neste processo “ Não consigo ser imune às notícias que aparecem nos jornais.”. Mas, não só.

Sendo, ele próprio, CC, um dos condenados por abuso sexual de menores no âmbito do PrCP, famoso apresentador e produtor de televisão, denominado e reconhecido como o “Sr. Televisão”, aumentou o interesse público pelas suas declarações e/ou opiniões. A partir do momento que viu o seu nome associado ao PrCP,

encetou um périplo de entrevistas pelos variados órgãos de comunicação social. Em todas as entrevistas declarou a sua inocência. Coadjuvou estas declarações, escrevendo livros e criando um site pessoal, onde na medida do legalmente possível, foi apresentando publicamente denominadas provas da sua inocência (e.g., Inocente para

além de qualquer dúvida; www.processocarloscruz.com). Clamava a sua inocência publicamente. Muitas foram as vozes que se levantaram sobre a metodologia utilizada pelo próprio, questionando se o seu próprio mediatismo público, não lhe permitiram partir de uma posição mais vantajosa do que qualquer outra pessoa suspeita e/ou acusada de um crime desta natureza (e.g., Felícia Cabrita, jornalista; Pedro Namora, advogado; Catalina Pestana, ex-provedora da CPL), bem como, não poderia ser interpretado como uma forma de pressão exógena, de condicionamento, dos restantes intervenientes do processo, nomeadamente juízes, vítimas, opinião pública e meios de comunicação social. Poderão levantar-se duas questões: 1) Será que CC o fez porque podia, tinha conhecimentos na comunicação social para tal e, como resultado, tentou influenciar o processo, em benefício próprio?, ou, 2) Será que CC foi vítima do seu próprio mediatismo e dos órgãos de comunicação social que o utilizaram em benefício próprio, porquanto o próprio apenas conhecendo o alcance dos media, pretendia auxiliar no apuramento da veracidade dos factos?

CC nunca negou o seu mediatismo público e, directa ou indirectamente, consciente ou inconscientemente, usou-o como uma arma na defesa da sua inocência. Todavia, foram múltiplas as ocasiões em que responsabilizou directamente os órgãos de comunicação social da sua condição de suspeito e/ou arguido no processo

O processo Casa Pia nasceu e cresceu muito por influência dos nossos media: todos os arguidos, e vários factos do processo, só foram apontados pelos assistentes depois de terem sido referenciados na comunicação social.(Cruz, 2012, p. 77).

Acima de tudo, e de acordo com Gudjonsson, existem cuidados a ter quanto à influência do mediatismo de casos judiciais e/ou criminais, por forma a evitar a contaminação do processo judicial e da actuação da justiça.

One important cause of wrongful convictions that is often overlooked is ‘Hue and cry’. This involves being a victim of gossip or public outcry due to the viciousness of the crime. Such an outcry may make the police act hastily in their attempts to respond to public pressure, which could result in their jumping to conclusions rather than carefully following the facts. Once a much needed suspect is identified an inept police investigations may follow, where supporting the suspect’s innocence are ignored or overlooked. (2003, p. 161)