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CAPÍTULO III – O RECONHECIMENTO DA EXPRESSÃO FACIAL DA

4.2. Enquadramento criminológico do PrCP

4.2.2. Psicossociologia da criança e do jovem

Partindo de um exercício comparativo entre a noção de criança na idade Média e a noção de criança no século XXI, verificar-se-ia que na Idade Média não existia a noção de criança como um ser com necessidades desenvolvimentais próprias, sendo que a diferença entre o adulto e criança era apenas quantitativa. Tal acontecia porque, a criança era considerado como um adulto em miniatura, também denominada como “homúnculo”, pelo que não existia uma diferenciação qualitativa.

A criança como alguém de quem devemos cuidar e proteger e que tem necessidades desenvolvimentais específicas, remonta ao séc. XVI. Era defendido, à época, que a infância era um período/fase negativo mas necessário a todos os indivíduos até atingirem a idade adulta, ou melhor dito, até chegarem ao momento em que se assemelhassem e trabalhassem como tal.

Lloyde deMause, psicohistoriador, em 1998 versou sobre o abuso da criança, nos anais da história. Para o autor, a história sobre a criança e os abusos a que estava sujeito, podia ser caracterizada como “a nightmare from which we have only recently begun to

awaken” (cit.in, Wilson, 1993, p. 19) sendo que, quanto mais recuamos no tempo, maior

a probabilidade de nos deparamos com casos como o infanticídio, abuso sexual, morte, abandono e maus tratos. O autor demonstrou a total inconsciência das necessidades

específicas das crianças na fase da infância, salientando que as primeiras preocupações com a figura da criança surge em meados do século XVII e início do século XVIII.

deMause em 1974 escreve “The History of Childhood” (1995), onde compartimentou a história da criança por quatro momentos históricos. Até ao século XV a criança não era tida em conta como algo significante, derivando daí o elevado número de mortalidade infantil onde não havia cuidados específicos, pois não existia qualquer concepção da criança enquanto tal.

No segundo momento e, até ao século XVIII, fala-se de uma maior aproximação dos pais às crianças, devendo existir uma relação entre pais e filhos (inexistente no primeiro momento) ainda que a criança continue a ser tratada como um ser inferior que não tem as qualidades dos adultos e a quem não se reconhece necessidades específicas. No século XIX nasce uma maior consciencialização das necessidades desenvolvimentais específicas da criança, às quais as mães devem responder, através do vínculo afectivo.

No século XX assistimos a um reconhecimento e valorização da maternidade nos primeiros meses de vinculação, da gestão da gravidez/ parto e de todo um acumular de conhecimentos a propósito da criança. Urge a visão da criança como um ser/ cidadão com direitos. Perde-se a noção da criança como propriedade dos pais, embora passe a ser considerada como propriedade do Estado, entidade a quem compete intervir em caso de necessidade. Todo um acumular de conhecimentos científicos oriundos da biologia, medicina, psicologia, sociologia e do direito, em relação à figura da criança, começa a ter efeitos na percepção e na noção de criança.

O primeiro documento de relevo, remonta à data de 1924, onde foi redigida a “Declaração dos Direitos da Criança” em Géneve . Em 1959, um novo documento, 25

http://www.un-documents.net/gdrc1924.htm ( visto a 09/2014)

mais completo, denominado como “Declaração dos Direitos da Criança” ratificado 26

pelas Nações Unidas, alerta para a “imaturidade física e mental” da criança e sua necessidade de protecção e cuidados/ necessidades especiais, sendo que à data da sua ratificação, era apenas uma constatação sem qualquer forma de acção associada. Com a “Convenção dos Direitos da Criança” em 1989 , para além das necessidades 27

específicas das crianças, é definido os direitos específicos que são reconhecidos à criança.

Assim, há uma evolução da noção de criança. Evolui-se da noção de criança enquanto um objecto de posse até à noção de criança como um sujeito que deve ser protegido, a quem são reconhecidos necessidades e direitos específicos. A esta alteração da concepção da criança, acresce alteração sociais quanto ao desempenho dos papéis dos pais e mães e quanto à concepção da noção de família. Se nos primórdios, a criança era vista como uma possível mão-de-obra barata, actualmente a criança é o elemento central da família e toda a estrutura e dinâmica familiar se centra em torno dela (deMause, 1995; deMause, 1998; Giddens, 2009; Ariés, 1986; Dias, Ribeiro e Magalhães, 2010). Ariés em 1986, assevera esta evolução, declarando que a criança passou de inexistente, a eixo central da família. As crianças e as suas necessidade passam a gerir as rotinas da sua família e a definir o grau de eficiência da família. Este grau de eficiência depende das respostas dadas às necessidades das crianças, nomeadamente de protecção, pelo que, quando consideradas como não eficientes, surge a necessidade de avaliação do risco, onde são detetadas as lacunas na satisfação das necessidades. A actual avaliação de risco, visa despistar possíveis famílias negligentes e mal tratantes, delegando e encaminhando estas situações nas várias instâncias formais que, entretanto foram sendo criadas. Estas instância formais, normalmente representantes da intervenção do Estado, visam a intervenção, através do delineamento de estratégias, do despiste de eventuais situações de risco e de implementação de estratégias para alterar as situações detectadas.

http://www.google.pt/url?sa=t&rct=j&q=&esrc=s&source=web&cd=10&ved=0CFIQFjAJ&url=http%3A%2F 26 %2Fwww.dgidc.min-edu.pt%2Feducacaocidadania%2Fdata%2Feducacaocidadania%2FDocumentos_referencia %2Fdeclaracao_universal_direitos_crianca.pdf&ei=hvl9VMPoHsHLaPTzgJAH&usg=AFQjCNHXzl52qoiQPPRplh 1sKU6JAA73fg&bvm=bv.80642063,d.ZGU (visto a 09/2014) https://www.unicef.pt/docs/pdf_publicacoes/convencao_direitos_crianca2004.pdf (visto a 09/2014) 27

Definir o que é e que não é abuso constitui uma tarefa complexa, dadas as múltiplas variáveis socioculturais de que depende o significado deste conceito. (…) referimo-nos a tipos de comportamento que ao longo da História nem sempre foram criminalizados (…) e, portanto, prejudicam as identificação dos casos. Isto é em parte atribuível às vítimas, que não identificam como abusivos certos comportamentos a que são sujeitas, mas, também, à sociedade em geral e, até, a muitos profissionais que, sem certeza quanto à ilegitimidade ou ilegalidade de certos comportamentos, não os sinalizam à entidades competentes. (Magalhães, 2010, p. 1)

Em Portugal a acção e o campo de intervenção destas instâncias está regulamentado na lei. Assim, para uma família ser considerada de risco, um conjunto de instâncias de poder, reguladas pelo Estado e pela lei, têm de se articular na detecção do risco e na intervenção, através de estratégias previamente definidas e estatuídas. Cada instituição orienta-se para cada uma das áreas em específico. Ao Tribunal de Família e Menores, compete a intervenção depois dos danos já terem ocorrido, isto é, actuam ao nível secundário e terciário da prevenção. À Comissão de Protecção de Menores compete a prevenção primária e secundária, isto é, onde apenas são identificados riscos que ainda não foram concretizáveis e, se actua tendo em vista a protecção da criança. 28

A lei definiu as estratégias de intervenção destas instâncias formais através do DL 147/99 de 1 de Setembro denominado como Medidas de Promoção e Protecção. 29

Este DL estabelece as possíveis estratégias que podem ser utilizadas para alterar uma situação detectada e classificada como situação de risco, de acordo com a gravidade e

especificidade do caso. Nos casos considerados menos graves pode ser implementada

uma terapia de natureza pedagógica junto das famílias e dos pais, onde são trabalhadas, por exemplo, as competências parentais.

“A intervenção nestas situações pode acontecer a nível judicial - a investigação criminal (da

28

competência do Ministéio público) e a protecção e medidas tutelares cíveis (da competência dos Tribunais de Família e Menores), e a nível não judicial (e.g. a intervenção das Comissões de Protecção de Crianças e Jovens em Risco - CPCJR).” (Magalhães, 2010, p. 2)

http://www.pgdlisboa.pt/leis/lei_mostra_articulado.php?nid=545&tabela=leis

As intervenções mais graves passam pela separação das crianças dos pais. Tal, poderá ser através do encaminhamento da criança para famílias de acolhimento, ou para instituições previamente definidas para o acolhimento destas crianças, ainda que esta seja a opção ultima ratio. Nestas instituições, as crianças permanecem enquanto a família não demonstra as mudanças necessárias para as receberem de volta, pelo que nos casos em que tal acontece, as instituições asseguram um apoio para a autonomia de vida futura, através de apoio económico, acompanhamento social e psicopedagógico. São providenciadas circunstâncias que permitam a esta criança viver e ser independente, através da promoção e integração em programas de formação profissional, de forma a proporcionar-lhe condições que a habilitem e lhe permitam viver por si só e adquirir progressivamente autonomia de vida.