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4 GOVERNANÇA PARA A SUSTENTABILIDADE

4.2 DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL E SUSTENTABILIDADE

4.2.2 Abordagens de desenvolvimento sustentável

O debate sobre desenvolvimento sustentável impulsionou a criação de arranjos institucionais de governança e investimentos em pesquisas ambientais. No entanto, a consolidação de canais de participação e o fortalecimento dos movimentos ambientalistas tanto no âmbito internacional, nacional, como local, têm-se mostrado insuficientes para traduzir as demandas da sociedade em políticas públicas que promovam um modelo alternativo de desenvolvimento. A falta do aprofundamento da dimensão político-democrática das teorias que abordam o desenvolvimento é um dos fatores limitadores da implementação de estratégias de desenvolvimento sustentável, uma vez que se trata de um problema político e de exercício de poder e coloca as instituições político- administrativas, a participação e o processo político no centro da discussão (FREY, 2001).

O desenvolvimento sustentável é um tema considerado indispensável nas discussões sobre as políticas de desenvolvimento. Assim, encontra-se no centro de todos os discursos, seja do poder público seja do mercado, sem que haja um consenso quanto ao seu significado e como implementá-lo. Para Ribeiro (1992, p. 27),

A busca de uma definição do que seria este tipo de desenvolvimento, além de marcada pela própria polissemia da noção de desenvolvimento que permite sua apropriação seletiva por segmentos com variadas orientações político-ideológicas, tem sido realizada mais pelos interessados nesta arena política, do que por especialistas acadêmicos em desenvolvimento. Assim são as organizações não governamentais ecológicas (ONGs), os órgãos de governo, as agências multilaterais e os empresários que se movimentam ativamente neste terreno.

No terreno da política internacional existem exemplos que reforçam as observações de Ribeiro (1992), como as orientações dos organismos internacionais de financiamento, a exemplo do Banco Mundial, que têm um posicionamento em relação à adoção de políticas públicas com base no desenvolvimento sustentável; além de ONGs internacionais e nacionais que surgiram a partir do final dos anos 80 incorporando no discurso o desenvolvimento sustentável (SOUZA, 1994).

Para Bezerra e Bursztyn (2001), o desenvolvimento sustentável é um processo de aprendizagem social de longo prazo balizado por políticas públicas orientadas por um plano de desenvolvimento nacional. Nesse processo, está envolvida uma pluralidade de atores sociais com interesses diversos e, por vezes, colocam-se como um entrave às políticas públicas para o desenvolvimento sustentável. Nessa perspectiva, aqui são apresentadas as análises sobre as concepções de desenvolvimento sustentável no que se refere ao potencial.

4.2.2.1 Abordagem econômico-liberal

De acordo com Frey (2001), a abordagem econômico-liberal aposta no mercado como força reguladora do desenvolvimento. É vista pelos seus adeptos como o melhor mecanismo para garantir a satisfação dos desejos individuais que levaria o mercado a ofertar produtos ecológicos, na medida em que os consumidores manifestassem a sua consciência ecológica. Essa concepção parte do pressuposto de que concorrência, crescimento econômico e prosperidade levariam ao uso racional dos recursos naturais. O autor

questiona o Relatório Brundtland, que, apesar de se referir à ampliação da participação política, elemento fundamental para a implantação de políticas sustentáveis, pode ser considerado um exemplo dessa abordagem.

A noção econômico-liberal tem a tese de uma correlação negativa entre pobreza e desenvolvimento, colocando-a como causa da deterioração do meio ambiente e, só através do crescimento econômico, poderá ser interrompida, na perspectiva de que o capitalismo sem crescimento acirra os problemas de distribuição desigual, o desemprego e a instabilidade política, sendo necessário o crescimento dos países desenvolvidos para que possam contribuir para a economia mundial. Em síntese, o desenvolvimento virá como consequência do crescimento econômico, graças ao efeito cascata (trickle

down effect) (SACHS, 2008).

Na medida em que o relatório dá prioridade nas suas preocupações aos efeitos nocivos da pobreza para o meio ambiente – em detrimento à crítica do estilo nocivo de desenvolvimento praticado nos países industrializados – a proposta de desenvolvimento sustentável do relatório Brundtland tornou-se, a princípio, aceitável e digerível inclusive para a teoria econômica neoclássica e as nações dominantes nas negociações internacionais. (FREY, 2001, p. 118).

O relatório critica como as decisões são tomadas no âmbito do sistema econômico e político mundial, mas não apresenta propostas concretas. Para o autor, a inovação da abordagem econômico-liberal reside na reivindicação do crescimento que leve em conta os impactos sociais e ambientais. Porém, o relatório não sinaliza a forma de alcançar esse crescimento. Não obstante, a prioridade ainda é o desenvolvimento econômico em detrimento das questões ecológicas.

Frey (2001) chama a atenção para a forma como a política ambiental é tratada no contexto das demais políticas setoriais: as políticas setoriais têm as características dos conflitos políticos e distributivos mais evidentes, enquanto as políticas ambientais, como tratam de bens comuns ou de interesses difusos, não possuem uma representação nas decisões políticas por serem contraditórias aos interesses do modelo liberal.

Sobre bens comuns, Hardin (1968), no seu artigo The tragedy of the

commons52, descreve um dilema presente na vida cotidiana, destacando que indivíduos, ao praticarem racionalmente ações que destroem recursos com interesse próprio, levam o grupo em condições de recursos limitados a usarem sua estratégia de ampliação da sua parte do bem comum.

Os custos do uso desses bens são distribuídos a cada indivíduo do grupo. O artigo é considerado importante nas discussões sobre sustentabilidade devido à ênfase dada à questão populacional durante as décadas de 1960 e 1970. Umas das teses do autor é que existem problemas que não podem ser resolvidos pela técnica, mas só com a mudança de valores humanos e ideias de moralidade. O problema populacional está inserido nesse contexto.

O pensamento liberal é limitado com relação à questão ecológica e à apropriação dos bens comuns, evoca a necessidade de fazer a distinção entre esfera pública e esfera privada. “O desafio do desenvolvimento sustentável é, antes de mais nada, um problema político e de exercício de poder, que coloca em pauta a questão das instituições político-administrativas, da participação e do processo político.” (FREY, 2001, p.116). Como a concepção de desenvolvimento sustentável defendida no relatório Brundtland propicia várias interpretações, os teóricos liberais se servem dele para defender o modelo de livre mercado.

Na abordagem econômico-liberal o desenvolvimento e o princípio de mercado são prioridades, em que o crescimento econômico é visto como condição para a sustentabilidade. Defende a internalização dos custos ambientais (impostos, taxas ambientais e comércio de títulos de poluição) e tem como norteador o princípio da privatização dos bens comuns.

De acordo com Frey (2001, p. 120), duas vertentes estão presentes nesta abordagem: (i) a vertente utilitarista “que defende um princípio de justiça que tolera consequências negativas para alguns membros de uma comunidade se os resultados para a coletividade [...] são maiores do que os custos individuais”. Nesse sentido, o Estado intervém para promover o bem da coletividade; (ii)

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Hardin utiliza o termo commons no sentido mais amplo, tanto no sentido de bens utilizados por todos, a exemplo da água e do ar, bem como os recursos sociais: segurança, previdência, políticas de bem-estar social.

vertente contratualistas, que defende os pressupostos morais que guiam as escolhas de vida dos indivíduos. Essa vertente enfoca a mudança de comportamento com base na consciência do indivíduo. As duas vertentes admitem a intervenção do Estado na vida privada dos cidadãos e atores econômicos.

4.2.2.2 Abordagem ecológico-tecnocrata de planejamento

A abordagem ecológico-tecnocrata de planejamento considera o Estado e suas instituições de regulação e o planejamento como instrumentos essenciais para reduzir ou evitar os efeitos negativos dos processos de crescimento econômico. A dimensão ecológica é o principal elemento e enfoca a compatibilidade do desenvolvimento econômico com a preservação dos recursos naturais. Defende uma concepção de ecologia profunda53 que reconhece a interdependência de todos os fenômenos, mas, para isso, seria necessário que todas as políticas públicas e atividades da sociedade atendessem às exigências da sustentabilidade da natureza.

Para Frey (2001), a concepção de ecologia profunda é acompanhada por uma postura tecnocrata e centralizadora, especialmente se há conflitos de distribuição e condições de poder desigual em jogo intensificando a ampliação da burocracia e da tecnocracia. Duas propostas estão presentes nesta abordagem: a proposta da steady-state society, de Ophuls (1992), e a de ecodesenvolvimento, de Sachs (1986).

Ophuls critica os vários tipos de limites do crescimento econômico baseado na escassez ecológica, tais como: população, alimento, poluição, recursos minerais, entre outros. A proposta de uma steady-state society visa estabelecer um equilíbrio entre as demandas da população e o meio ambiente que só seria possível por meio da força coercitiva do Estado. O autor contesta

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O termo ecologia profunda foi criado pelo filósofo norueguês Arne Naess em 1973. É um movimento filosófico e político que questiona os modelos de desenvolvimento e os modos de atender as necessidades humanas incorporando uma reflexão sobre a natureza da relação que o ser humano estabelece com o planeta. O aspecto ecofilosófico do trabalho de Rachel Carson, Primavera Silenciosa (1963) motivou o uso do termo ecologia profunda.

os sistemas democráticos que, para ele, não têm capacidade para lidar com as questões ecológicas. Os valores democracia, liberdade e individualismo não são compatíveis com os problemas ligados à crise de escassez ecológica. Assim, é necessária a existência de um governo forte com o poder de controlar o comportamento individual no interesse comum, bem como das instituições políticas, uma vez que o egoísmo dos indivíduos não produz ações benéficas para o bem comum. Nessa direção Frey (2001, p. 123) salienta que

[...] a abordagem ecológica de desenvolvimento sustentável tende a aplicar estratégias tecnocratas com a condução centralizada, dando ênfase a um gerenciamento aperfeiçoado, a um planejamento integrado, ao emprego eficiente de recursos e a soluções tecnicamente eficientes. Se aplicadas ao sistema da democracia liberal existente, tais soluções, supostamente eficientes do ponto de vista técnico apresentam geralmente características embaraçosas: primeiramente, elas costumam esbarrar com frequência nos diversos interesses que se articulam no processo político e, em segundo lugar, levam à dominância dos tecnocratas no processo de decisão [...].

É uma proposta de viés autoritário que acredita na superação da escassez através da imposição de meios coercitivos e que só o poder e o Estado poderão conduzir uma proposta de desenvolvimento sustentável.

Para Frey (2001), a proposta do ecodesenvolvimento de Sachs reconhece as limitações da abordagem ecológico-tecnocrata de planejamento e tem como principal preocupação a proteção das bases naturais da vida socioeconômica e a saúde ecológica da população. O princípio norteador do planejamento dessa proposta é a prudência ecológica (relativa à utilização racional dos recursos naturais e à igualdade social), que implica na limitação da relação do homem com a natureza e na flexibilidade para proteger a diversidade e fatos de irreversibilidade.

A complexidade do ecodesenvolvimento se evidencia nos princípios da

solidariedade sincrônica com as sociedades contemporâneas, de preservação

da identidade local e do comprometimento com a conservação dos recursos naturais; e da solidariedade diacrônica com as gerações futuras. Ambos princípios destacam o caráter cultural da proposta de ecodesenvolvimento. A harmonização dos interesses socioeconômicos, ecológicos e culturais é a meta

principal do planejamento, o que leva Sachs a pensar na existência de cinco dimensões do ecodesenvolvimento, a saber: a sustentabilidade social; a sustentabilidade econômica; a sustentabilidade ecológica; a sustentabilidade espacial/geográfica e a sustentabilidade cultural (Quadro 2.4).

DIMENSÃO COMPONENTES OBJETIVOS

Sustentabilidade Social

- Criação de postos de trabalho que permitam a obtenção de renda individual adequada (à melhor condição de vida; à qualificação profissional).

- Produção de bens dirigida prioritariamente às necessidades básicas sociais.

Redução das

desigualdades sociais.

Sustentabilidade Econômica

- Fluxo permanente de investimentos públicos e privados (estes últimos com especial destaque para o cooperativismo). - Manejo eficiente dos recursos.

- Absorção pela empresa dos custos ambientais.

- Endogeneização: contar com suas próprias forças. Aumento da produção e da riqueza social sem dependência externa. Sustentabilidade Ecológica

- Produzir respeitando os ciclos ecológicos dos ecossistemas.

- Prudência no uso de recursos naturais não renováveis.

- Prioridade à produção de biomassa e à industrialização de insumos naturais renováveis.

-Redução da intensidade energética e aumento da conservação de energia.

- tecnologias e processos produtivos de baixo índice de resíduos.

- Cuidados ambientais. Melhoria da qualidade do meio ambiente e preservação de recursos energéticos e naturais para as próximas gerações. Sustentabilidade Espacial

- Desconcentração espacial (de atividades; de população).

- Desconcentração/Democratização do

poder local e regional.

- Relação cidade/campo equilibrada

(benefícios centrípedos). Evitar excesso de aglomerações. Sustentabilidade Cultural

- Soluções adaptadas a cada ecossistema. - Respeito à formação cultural comunitária.

Evitar conflitos culturais com potencial

regressivo.

Quadro 2.4 – As cinco dimensões do desenvolvimento sustentável Fonte: Montibeller Jr. (2004, p. 51).

Estas cinco dimensões refletem uma leitura que Sachs faz do desenvolvimento dentro de uma nova proposta, numa visão holística, explicitando a necessidade de inclusão da sociedade no processo de planejamento para alcançar outro desenvolvimento.

As duas propostas (steady-state society e ecodesenvolvimento) têm elementos comuns e divergentes. O elemento comum reside na importância que atribuem ao planejamento, e o ponto divergente, pode-se dizer que se encontra na forma como este é realizado. Na proposta de ecodesenvolvimento de Sachs, o planejamento só será alcançado através de um processo mais criativo e de ampliação da participação popular. Já a proposta da steady-state

society de Ophuls é apoiada numa moralidade ecológica e num Estado forte

com capacidade de defender o bem comum contra as demandas da população que são prejudiciais para a coletividade.

4.2.2.3 Abordagem política de participação democrática

Essa abordagem considera a participação da sociedade como elemento fundamental da política ambiental na direção de construir uma sociedade sustentável. Nesse sentido, o planejamento é orientado pelas necessidades da população e conduzido por ela, que também determina as diretrizes políticas. Assim, rompe-se com o compromisso de elite através do processo de descentralização da decisão e da gestão democrática, tornando os cidadãos atores efetivos dos processos decisórios. O autor identifica duas orientações da abordagem em tela: (i) vertente que enfatiza a luta dos excluídos contra o poder das elites tradicionais; e (ii) vertente que destaca a força da sociedade civil e a necessidade da criação de uma esfera pública que transforme o sistema político e o projeto de desenvolvimento sustentável.

Para Frey (2001), só uma abordagem participativa tem condições de incorporar as demandas de todos os segmentos sociais nas políticas ambientais, sendo necessária uma democratização ecológica visando soluções dos problemas ambientais.

Nesse sentido, a participação é um aspecto fundamental da governança na busca da sustentabilidade em suas várias dimensões. É comum nos trabalhos que abordam governança tratar do conceito de sustentabilidade, a teoria do desenvolvimento relacionada à participação da sociedade. As abordagens de desenvolvimento sustentável fundamentadas nas reflexões de Frey (2001) teve o objetivo de indicar a abordagem que fundamentará o estudo empírico,

privilegiando o processo político decisório em favor da sustentabilidade enquanto princípio da governança.

4.2.3 Desenvolvimento sustentável e sustentabilidade: conceitos