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4 GOVERNANÇA PARA A SUSTENTABILIDADE

4.2 DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL E SUSTENTABILIDADE

4.2.1 Breve histórico do desenvolvimento sustentável

Os estudos que tratam do desenvolvimento sustentável enfatizam que as preocupações com o meio ambiente surgem por influência das ideias naturalistas dos hippies, na década de 1960, que defendiam a convivência harmônica com a natureza. No final da década de 1960, dois documentos enfatizam a preocupação com a questão populacional: The tragedy of the

commons, de Garrett Hardin (1968), e The population bomb, de Paul Ralph

Ehrlich (1968), e alertam para o perigo da fome recomendando o controle da população do planeta.

Em 1971, em Founex, na Suíça, é realizado um Painel de Peritos em ecologia e desenvolvimento, por solicitação da ONU, com o objetivo de apoiar os países na discussão de sua perspectiva ambiental, estimulando a contribuição dos mesmos para a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano, que se realizaria em 1972. De acordo com Vieira (1996), o painel teve importância na medida em que ampliou o escopo da discussão ambiental quanto ao conceito de desenvolvimento quando incorpora a preocupação com o desenvolvimento humano e social e considera a dimensão ambiental do desenvolvimento.

No ano seguinte, outra publicação faz a vinculação da questão do meio ambiente com a do desenvolvimento: Os limites do crescimento, produzido em 1972, por Donella Meadows, Dennis Meadows, Jorgen Randers e William Behrens, uma equipe de pesquisadores do Massachusetts Institute of Techonology (MIT), conhecido como o relatório do Clube de Roma, cujo conteúdo aborda as contradições do crescimento ilimitado sem restrições de consumo e sua relação com a qualidade de vida. Alerta, ainda, que os recursos naturais são finitos, levando essa questão para a agenda global. O relatório

lança a proposta do crescimento zero, com o objetivo de alcançar a estabilidade econômica e ecológica, baseado na tese malthusiana do perigo do aumento da população.

A Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente, realizada em 1972, em Estocolmo, é considerada como um marco nas discussões de desenvolvimento sustentável, embora o tema não tenha emergido nos debates que ocorreram em Estocolmo, mas, foi a partir da conferência, que a correlação entre desenvolvimento e qualidade de vida foi colocada em evidência.

Na conferência foram discutidas a noção de responsabilidade e a necessidade da cooperação das nações mais ricas. É importante destacar que, naquele momento, estiveram em discussão os interesses dos países industrializados que defendiam a tese do crescimento zero e a posição dos países periféricos que advogavam o direito ao desenvolvimento e a melhores condições de vida. Os debates sobre o meio ambiente encontravam-se polarizados entre as discussões centradas no aumento da população e nas propostas de solução que convergiam para o nível das políticas de cada país, em que os industrializados se preocupavam com os seus próprios interesses.

No auge da polêmica gerada entre aqueles que defendiam o desenvolvimento a qualquer preço, surgiu o termo ecodesenvolvimento, utilizado pela primeira vez em 1973. Foi criado por Maurice Strong para definir uma concepção alternativa de política de desenvolvimento e orientar os trabalhos do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente48 (PNUMA). Referia-se, inicialmente, à situação das zonas rurais dos países em desenvolvimento e defendia uma gestão mais racional dos ecossistemas locais.

No simpósio de especialistas, realizado em 1974, presidido por Barbara Ward, em Cocoyoc, no México, organizado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento - PNUMA e pela Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD), discutiu-se a questão ambiental global, ocasião em que Sachs aprofunda a discussão do ecodesenvolvimento. O resultado do encontro foi um documento conhecido como a Declaração de

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O PNUMA foi criado em 1972 e se constitui na principal autoridade global em meio ambiente. E a agência do Sistema da Organização das Nações Unidas (ONU) e a principal autoridade global em meio ambiente. Tem a responsabilidade de articulada com os Estados promover a conservação do meio ambiente e o uso sustentável dos recursos naturais.

Cocoyoc, considerado fundamental para a construção de uma nova percepção da relação entre sociedade e natureza, que incorpora a ideia de que existem limites ambientais e sociais para o desenvolvimento.

O termo foi ampliado por Ignacy Sachs em um artigo escrito em 1976, considerado um clássico intitulado Environment and styles of development, que, além da preocupação com o meio ambiente, deveria incorporar: a satisfação das necessidades básicas; a solidariedade com as gerações futuras; a participação da população; a preservação dos recursos naturais e do meio ambiente em geral; a elaboração de um sistema que garanta o emprego, a segurança social e o respeito à cultura, além de programas de educação. A ideia de desenvolvimento sustentável surgiu como uma derivação do conceito do ecodesenvolvimento. Em 1983, a Assembleia Geral da ONU criou uma comissão para encontrar alternativas inovadoras para conciliar as questões ambientais e desenvolvimento. A comissão foi presidida por Gro Brundtland, com a participação de 23 membros: 12 de países subdesenvolvidos; 7 de países desenvolvidos e 4 de países de regime comunista. O trabalho da comissão durou cerca de quatro anos e o resultado dos estudos ficou conhecido como Relatório Brundtland e publicado como Our

Common Future (Nosso futuro Comum).

O relatório adotou o conceito de desenvolvimento sustentável tendo como premissa básica a busca de soluções para a crise ambiental como uma tarefa de toda a humanidade. O documento amplia as discussões sobre a relação entre desenvolvimento e meio ambiente relacionando sustentabilidade, padrões de desenvolvimento, solidariedade e compromisso entre as nações desenvolvidas e subdesenvolvidas e entre gerações atuais e futuras, subdesenvolvimento, pobreza e degradação ambiental, destacando que é preciso ter uma visão global dos problemas ambientais e aponta o desenvolvimento sustentável como uma estratégia de desenvolvimento.

A institucionalização crescente nos anos de 1990 do desenvolvimento sustentável explica a gradual subordinação da ecologia política49 à visão

49 Nos anos de 1980 resultava da luta do sujeito ecológico é o “[...] agente político transgressor,

crítico do modo de vida industrial, da atomização, do consumismo, etc. [...]” (ZHOURI, 2007, p. 3).

tecnicista corrente do e sobre o meio ambiente com realidade passível de intervenção técnica, é o que Zhouri (2007) chama de paradigma da adequação ambiental que orientou as ações de ambientalistas, empresários e de políticas públicas. Essa subordinação consagra, de um lado, a concepção sustentável do desenvolvimento, através de medidas técnicas, gerenciais e de certificação, de uso de instrumentais que visam corrigir, recuperar e/ou compensar o dano ambiental e, de outro lado, a apropriação desse desenvolvimento sustentável pelo mercado.

O debate acerca do desenvolvimento sustentável ganhou relevância na Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, na Cúpula da Terra de 1992 (Rio-92 ou Eco-92), no Rio de Janeiro, com a Agenda 21.

O conceito de desenvolvimento sustentável firmado no referido documento foi incorporado em outras agendas mundiais de desenvolvimento e direitos humanos e criou as bases para a cooperação internacional a partir da adoção de novos conceitos, tais como o princípio de responsabilidades comuns e de convenções, a exemplo das mudanças climáticas e da diversidade biológica. Dessa forma, estabeleceu um pacto pela mudança do padrão de desenvolvimento global. Destaca-se também a importância da participação da comunidade científica, sobretudo para a adoção da Convenção sobre Mudanças Climáticas. Faz-se mister ressaltar que a Rio 92 iniciou um processo de governança propiciando a criação de instrumentos de gestão que influenciaram a elaboração de políticas públicas de alguns países. Assim, contribuiu para a sociedade perceber a interdependência entre as dimensões ambientais, sociais e econômicas do desenvolvimento.

A Rio-92 gerou também novas ameaças e velhos dilemas quando voltou a ser defendida a necessidade dos países mais pobres resistirem à tendência de substituir a ajuda internacional exclusivamente pelo comércio, como as propostas sugeridas, em 1992, de trade not aid50 (GUIMARÃES, 2004). Ainda

em 1992, foi criada, pela ONU, a Comissão sobre Governança Global com o

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Um slogan que se tornou popular na década de 1960 e quer dizer apoio ao comércio justo na acepção da compra de produtos de países em desenvolvimento, em vez de prestar-lhes ajuda externa. Os defensores do Trade Not Aid acreditam que ela representa uma forma mais sustentável e menos dependente do desenvolvimento.

objetivo de trabalhar o fortalecimento da cooperação global visando à segurança do planeta, através de ações sustentáveis para a promoção da democracia e garantia dos direitos humanos.

Em 1993, a Assembleia da ONU estabeleceu a Comissão das Nações Unidas para o Desenvolvimento Sustentável51 com os objetivos de: avaliar o cumprimento dos acordos realizados na Rio-92; articular esforços no sentido de envolver agências e órgãos das Nações Unidas que tratam das problemáticas do desenvolvimento e do ambiente; mobilizar e motivar a contribuição da sociedade civil, os governantes, as empresas e as ONGs em relação ao meio ambiente e construir parcerias.

Em 2012, a convocação da Rio + 20 reacendeu as esperanças de avançar na transição à uma sociedade global sustentável. A Conferência Rio + 20 contou com a participação de mais de 190 chefes e representantes de Estado, além da sociedade civil global (ONGs, cooperativas, comunidades indígenas, comunidades quilombolas, grupos religiosos e demais movimentos sociais), cientistas de diferentes áreas, comunidades epistêmicas, políticos e representantes do setor privado que participaram dos eventos paralelos.

A Rio + 20 previa atualizar o acordo firmado entre as nações sobre o desenvolvimento sustentável e avaliar os progressos e as lacunas na implementação das ações em relação ao tema, bem como estabelecer novos acordos e compromissos (UNCSD, 2012).

Um novo acordo global iniciou em 2013 com perspectiva de aprovação em 2015, que produzirá um instrumento com força de lei, de modo que todos os países cumpram os compromissos de acordo com as suas responsabilidades com distribuição equitativa, garantindo que os países mais ricos assumam compromissos maiores que os pobres. Isso porque, a forma como são tratados os diferentes interesses em jogo na gestão da governança e a posição dos Estados-Nações revelam a fragilidade da regulação ambiental.

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A Comissão das Nações Unidas para o Desenvolvimento Sustentável é um órgão subsidiário do Conselho Econômico e Social - ECOSOC (decisão 1993/207). A comissão é composta de 53 membros eleitos por mandatos de três anos segundo uma lógica de grupos regionais e se reúnem anualmente por um período de duas a três semanas. A sua composição é formada por 13 membros – África; 11 membros – Ásia; 10 membros – América Latina e Caribe; 6 membros – Europa de Leste; 13 membros – Europa Ocidental.

Os Estados-Nações possuem interesses divergentes e a governança não consegue aglutinar forças para redefinir as ações da comunidade internacional e evitar a multiplicação de ameaças à escala global dos impactos das alterações climáticas.

Uma justificativa para esse quadro pode residir na forma de como questões ambientais são tratadas pela governança em nível global, que tende priorizar as questões dos países do hemisfério Norte em detrimento das do Sul. As preocupações dos países do Sul são mais imediatas e associadas às políticas de acesso aos bens de cidadania como a saúde, habitação, segurança alimentar, entre outras, e que não têm visibilidade na agenda dos países desenvolvidos.

A invisibilidade das questões ambientais dos países do Sul está relacionada à relação de poder Norte-Sul que define quem estabelece a agenda ambiental global. Observa-se a necessidade de definir o sistema de regulação ambiental das relações sociais, que, como assinala Lipietz (1988). Essas relações são contraditórias, uma vez que as posições dos atores não coadunam com o papel e responsabilidade que assumem no contexto global.

A realização de conferências cria a expectativa na sociedade de construir uma agenda na direção da resolução dos sérios problemas ambientais que ameaçam grandes áreas e setores da população mundial. Leroy (2012) destaca que esses problemas se manifestam de forma desigual, visto que nem todos serão afetados da mesma forma pela crise ambiental e pelos impactos do crescimento que afetam com mais intensidade as populações mais vulneráveis.

Para Harvey (2011), esses problemas foram criados pela ascensão do capitalismo, identificados pelo autor como um processo de destruição criativa sobre a terra, conformando uma natureza remodelada pela ação humana, a “segunda natureza”.

Ricardo (2012) destaca que as corporações não abrem mão de manter inalterada a forma predatória e ambientalmente perversa de suas economias se relacionarem com o meio ambiente, promovendo e exportando a poluição e a degradação ambiental para os países periféricos e em desenvolvimento, em

que suas elites, com o discurso desenvolvimentista, facilitam e até financiam a instalação de grandes empreendimentos que fazem uso dos recursos naturais, gerando os “empregos verdes”.

Na lógica da acumulação vigente, os recursos naturais (água, solo, energia, entre outros) valem mais e tanto quanto um exército de mão de obra a ser explorada. Os países em desenvolvimento incentivam o deslocamento de indústrias transnacionais poluidoras que consomem grande volume de água e energia nos seus processos de produção e produzem resíduos tóxicos. Essas corporações, quando se instalam em determinados territórios sem considerar as populações que vivem nesses lugares, fazem emergir os conflitos ambientais em decorrência da exposição a riscos que essas populações são submetidas. Nesse contexto, é possível falar em desenvolvimento sustentável?