• Nenhum resultado encontrado

CONFLITOS AMBIENTAIS E COMUNIDADES TRADICIONAIS NO PROCESSO DE ELABORAÇÃO DE EIA/RIMA E DA AUDIÊNCIA PÚBLICA

5 LICENCIAMENTO AMBIENTAL DE GRANDES EMPREENDIMENTOS: A ELABORAÇÃO DO EIA/RIMA E AUDIÊNCIA PÚBLICA

5.6 CONFLITOS AMBIENTAIS E COMUNIDADES TRADICIONAIS NO PROCESSO DE ELABORAÇÃO DE EIA/RIMA E DA AUDIÊNCIA PÚBLICA

De acordo com Acselrad (2004), as disputas pelo controle ao acesso e exploração dos recursos naturais conduziram a discussão sobre a necessidade de criação de novas instituições regulatórias e políticas públicas, que possam tratar do confronto dos atores sociais com interesses diferentes, em relação à gestão e uso dos recursos naturais, sobretudo nos processos de licenciamento ambiental.

Para o autor, é necessário construir instrumentos de análise que sejam capazes de interpretar a complexidade dos processos sociais, ecológicos e políticos que colocam a natureza no interior dos conflitos. Ou seja, a importância de considerar a diversidade sociocultural entre distintos projetos de apropriação e significação do mundo material. É essa perspectiva que possibilita a construção de políticas públicas com legitimidade democrática e sustentabilidade.

Para Acselrad existem dois espaços onde as relações de poder se definem e têm uma relação com os modos de apropriação da base material da sociedade. O primeiro espaço é o da distribuição de poder entre os atores, referindo-se a capacidade de terem acesso aos recursos do território. O segundo é o espaço de confronto das representações, valores, percepção e ideias que influenciam as visões de mundo e legitimam os modos de distribuição de poder verificados no primeiro espaço.

É necessário que os conflitos ambientais70 sejam analisados simultaneamente nos espaços de apropriação material e simbólica dos recursos do território. Assim, Acselrad (2004, p. 26) conceitua os conflitos ambientais como:

[...] aqueles envolvendo grupos sociais com modos diferenciados de apropriação, uso e significação do território, tendo origem quando pelo menos um dos grupos tem a continuidade das formas sociais de apropriação [...] ameaçada por impactos indesejáveis – transmitidos pelo solo, água, ar ou sistemas vivos – decorrentes do exercício das práticas de outros grupos.

O autor remete os conflitos ambientais a duas categorias: as noções de durabilidade e interatividade. A durabilidade envolve o plano argumentativo da continuidade da existência da base material para o desenvolvimento das práticas de apropriação do território e de seus recursos. A interatividade como ação cruzada, em que atores sociais defendem diferentes formas técnicas, sociais, culturais e simbólicas de apropriação dos elementos materiais de um mesmo território.

Na configuração dos conflitos ambientais, os grupos sociais constroem uma perspectiva ambiental para as suas lutas que remetem às contradições do modo de apropriação da natureza e a produção do espaço, denunciando-as como manifestação das injustiças ambientais a que são submetidos e excluídos do “desenvolvimento”, assumindo o ônus dele decorrente. Entende por injustiça ambiental:

[...] o processo pelo qual a implementação de políticas ambientais, ou a omissão de tais políticas ante a ação seletiva das forças do mercado, cria impactos desproporcionais, intencionais ou não intencionais, concentrando os riscos ambientais sobre os mais pobres e os benefícios para os mais ricos. (FASE e ETTERN, 2011, p. 44).

Os elementos da natureza constituem objetos dos conflitos ambientais e esses são considerados naturais pela sua existência ontológica, não dependendo da

70

Os conflitos ambientais nasceram e ganharam notoriedade na década de 70, principalmente nos Estados Unidos, a partir do confronto entre organizações comunitárias, movimentos ecológicos e agentes econômicos, agências de regulação ambiental e o governo enquanto empreendedor decorrente dos impactos ambientais provocados por atividades produtivas e/ou empreendimentos públicos.

produção humana, mas são alterados e decompostos pelo homem. Dessa forma, a natureza é apropriada de acordo com os interesses dos diferentes atores sociais, considerando o processo de diferenciação social e de poder da sociedade.

Com a apropriação dos recursos naturais pelos agentes econômicos, o caráter coletivo se perde. Assim, os conflitos ambientais se constituem em embates entre interesses coletivos e privados sobre os recursos da natureza (RABELO, 2010). Os conflitos ambientais estão relacionados ao acesso desigual dos recursos naturais e aos impactos ambientais produzidos pela ação de agentes econômicos e/ou Estado, a exemplo da instalação de grandes empreendimentos.

5.6.1 Comunidades e conhecimentos tradicionais: pescadores e sitiantes

O Brasil é um país com uma diversidade social e cultura expressa, nos diferentes comportamentos, etnias, línguas, saberes e modos de vida, em função de processos históricos diferenciados, determinados por grupos sociais que desenvolveram modos de vida distintos dos demais, produzindo ao mesmo tempo uma riqueza sociocultural e uma invisibilidade perante a sociedade e as políticas públicas (SILVA, 2007). Esses grupos têm sofrido os ônus do modelo de desenvolvimento econômico brasileiro.

O conceito de comunidades ou populações tradicionais parte da realidade diferenciada da sociedade envolvente dessas comunidades. Busca-se caracterizá-las na direção de diferenciar os povos e comunidades tradicionais do restante da sociedade.

Diegues (2000, p. 21-22) ao discutir sobre os saberes tradicionais, destaca a relação entre tradicionalidade, sustentabilidade e biodiversidade. Para o autor, as populações tradicionais se caracterizam:

a) pela dependência frequentemente, por uma relação de simbiose entre a natureza, os ciclos naturais e os recursos naturais renováveis com os quais se constrói um modo de vida;

b) pelo conhecimento aprofundado da natureza e de seus ciclos que se reflete na elaboração de estratégias de uso e de manejo dos recursos naturais. Esse conhecimento é transferido por oralidade de geração em geração;

c) pela noção de território ou espaço onde o grupo social se reproduz econômica e socialmente;

d) pela moradia e ocupação desse território por várias gerações, ainda que alguns membros individuais possam ter se deslocado para os centros urbanos e voltado para a terra de seus antepassados;

e) pela importância das atividades de subsistência, ainda que a produção de mercadorias possa estar mais ou menos desenvolvida, o que implica uma relação com o mercado;

f) pela reduzida acumulação de capital;

g) importância dada à unidade familiar, doméstica ou comunal e às relações de parentesco ou compadrio para o exercício das atividades econômicas, sociais e culturais;

h) pela importância das simbologias, mitos e rituais associados à caça, à pesca e a atividades extrativistas;

i) pela tecnologia utilizada que é relativamente simples, de impacto limitado sobre o meio ambiente. Há uma reduzida divisão técnica e social do trabalho, sobressaindo o artesanal, cujo produtor (e sua família) domina o processo de trabalho até o produto final;

j) pelo fraco poder político, que em geral reside com os grupos de poder dos centros urbanos;

k) pela auto-identificação ou identificação pelos outros de se pertencer a uma cultura distinta das outras.

Diegues (2000) entende por comunidades tradicionais, os grupos humanos que possuem culturas diferentes e historicamente reproduzem o seu modo de vida, com base nos modos de cooperação social e nas formas de relações com a natureza, caracterizados tradicionalmente pelo manejo sustentado do meio ambiente. Essa noção se refere tanto aos povos indígenas quanto aos segmentos da população brasileira que possuem modos particulares de existência. O autor identifica as comunidades tradicionais indígenas e as não- indígenas71, dentre elas destacam os pescadores e sitiantes que estão relacionadas à presente pesquisa.

Os sitiantes assemelham-se com a categoria de pescador. São aquelas populações com o seu modo de vida baseado na agricultura e em outras atividades complementares como a pesca e o trabalho assalariado. Moram em pequenas propriedades rurais (sítios). São também dependentes da mata para

71

As populações tradicionais não-indígenas são: caiçaras, caipiras, babaçueiros, jangadeiros, pantaneiros, pastores, praieiros, quilombolas, caboclos/ribeirinhos amazônicos, ribeirinhos não- amazônicos, varjeiros, sitiantes, pescadores, açorianos, sertanejos/vaqueiros.

a coleta de frutos, ervas medicinais, cipó e barro para cerâmica. A mão-de-obra nos sítios é essencialmente familiar e em alguns casos de cooperação entre vizinhos (DIEGUES, 2000).

Os pescadores é um tipo de população tradicional-não indígena. Estão presentes no litoral, rios e lagos. A sua vida é baseada na pesca, mesmo que desenvolvam outras atividades complementares. Os pescadores chamados de pescadores artesanais apresentam um modo peculiar, principalmente aqueles que vivem só das atividades pesqueiras marítimas. Os pescadores artesanais praticam a pesca em que parte do pescado é para consumo e a outra parte para comercialização. Os pescadores constroem uma solidariedade baseada na pesca (DIEGUES, 2000).

O saber dessas comunidades, Diegues (2000, p. 33) chama de conhecimento tradicional, referindo-se ao “conjunto de saberes e saber-fazer a respeito do mundo natural, sobrenatural, transmitido oralmente de geração em geração.” É importante destacar que os saberes tradicionais se constroem e se reconstroem todos os dias pelos povos tradicionais que tem uma identidade própria e esta deve ser respeitada pelo outro que não faz parte dessas comunidades. São produtoras de conhecimentos e mantenedoras de tradição que são reconstruídas dentro das comunidades.

5.7 CARACTERIZAÇÃO DO OBJETO EMPÍRICO DA PESQUISA: ESTALEIRO