• Nenhum resultado encontrado

4 GOVERNANÇA PARA A SUSTENTABILIDADE

4.1 PORQUE GOVERNANÇA?

4.1.1 Resgate teórico do conceito de governança

A noção de governança entrou recentemente no léxico das ciências sociais e passou a ser utilizada por vários círculos de leigos. Originalmente se referia à ação ou maneira de governar e, durante muito tempo, o seu uso era limitado, principalmente utilizado para as questões constitucionais e legais referentes aos “assuntos de Estado” e/ou para a direção de instituições com múltiplos

stakeholders (JESSOP, 1998).

No final da década de 1980, o termo ressurge com significados diversos e contraditórios. A sua retomada é atribuída à necessidade de distinguir governança e governo, bem como de representar as limitações do conceito de governo com a separação entre Estado, sociedade e mercado. Pode-se então indagar: por que um conceito com alcance limitado ressurge e é aplicado por várias agências, organizações e indivíduos?

Jessop (1998) responde a esse questionamento explicando que em termos teóricos o ressurgimento do termo governança pode estar relacionado a certas crises paradigmáticas das ciências sociais nas décadas de 1970 e 1980 em decorrência da insatisfação com a sua capacidade de explicar o mundo real. Dessa forma, o interesse pela governança como um tema relevante de estudo está enraizado na rejeição de dicotomias que incluem mercado x economia; público x privado na política, anarquia x soberania nas relações internacionais. Essa insatisfação é refletida nas reorientações disciplinares recentes: i) na

economia institucional – o interesse recente pelos mecanismos de como

mercados organizados em grupos, associações comerciais e alianças estratégicas coordenam as atividades econômicas em outras formas de troca e de hierarquia; ii) nas relações internacionais - descobriu-se as formas de coordenação internacional que evitem a anarquia internacional e, ainda, contornar o Estado-nação descrito como “governança sem governo”; iii) na

ciência política – transformou-se em formas de coordenação que não só

abrangem a relação público-privada convencional, mas também envolvem “hierarquias emaranhadas”, redes de poder paralelo ou outras formas de interdependência entre os diferentes níveis de poder do governo. Nesse

contexto, a governança tanto critica como complementa abordagens mais dicotômicas.

Para Jessop (1998), muitas práticas identificadas como governança foram examinadas sob outras denominações, a exemplo das parcerias público- privadas, associações comerciais, comunidades políticas, entre outras, e envolvem aspectos do que hoje é chamado de governança. Para o autor, existem quatro possibilidades de explicação da expansão dos discursos de governança. A primeira é a estreita relação entre as ciências sociais e discursos leigos. A segunda refere-se à persistência das realidades subjacentes sob os caprichos da moda intelectual. A terceira possibilidade está relacionada ao ciclo dos modos de coordenação de ações, às contradições, aos paradoxos e aos fracassos. Ou seja, o Estado e o mercado falham de maneiras diferentes. A redescoberta da governança surge como resposta às tendências de fracassos. A quarta possibilidade refere à mudança nas relações entre Estado, sociedade e mercado. Assim, a expansão de redes em detrimento dos mercados e de governança em detrimento do governo reflete uma alteração das estruturas do mundo real e uma mudança em torno dos ciclos da política.

A governança assume múltiplos significados podendo ser verificados em várias abordagens: governança corporativa (SHLEIFER e VISHNY, 1997; LA PORTA et al., 2000); governança pública (HEIDEMANN e KISSLER, 2006; JANN, 2002); governança metropolitana (AZEVEDO e MARES GUIA, 2004; KLINK, 2010; RIBEIRO e BRITTO, 2013; PINTO, 2007); governança ambiental (AGRAWAL e LEMOS, 2006; CAVALCANTI, 2004; ZHOURI, 2008);

governança global ou mundial (WEISS, 2000; MILANI e SOLINÍS, 2002;

ROSENAU, 2000); governança interativa (FREY, 2004); governança urbana (BORRAZ e LE GALÈS, 2010; LE GALÈS, 1995; LEFÈVRE, 2004 e 1992; OSMONT, 2008; PIERRE, 1997); governança democrática (SANTOS JR, RIBEIRO e AZEVEDO, 2004 ); governança de risco (JESSOP, 1998); governança formal e governança informal (CHRISTIANSEN e PIATTONI ,

Na década de 1990, o conceito de governança passa a ser amplamente utilizado sobre diversas formas visando descrever tipos de relações e coordenações entre atores em diversos âmbitos.

Os trabalhos de agências multilaterais, notadamente o Banco Mundial, passam a utilizar o termo associando à concepção de bom governo (good government) e à capacidade de ser governo definindo governança como “a maneira em que o poder é exercido na gestão dos recursos econômicos e sociais de um país visando o seu desenvolvimento.”46

(WORLD BANK,1992, p.1) e implica a forma como o Estado planeja, formula e implementa as políticas públicas.

Essa abordagem de governança está centrada no modo de operação das políticas públicas e na relação entre demandas sociais e a capacidade do Estado em atendê-las (SANTOS Jr., 2001). Para Diniz (1997), a governança é a capacidade do Estado de definir as suas estratégias e ações. Melo (1995) postula que a governança está relacionada ao formato político-institucional dos processos decisórios, à articulação público-privada nas políticas públicas, à participação, à descentralização e ao financiamento das políticas públicas. O conceito de governança não se restringe aos aspectos gerenciais e administrativos e ao funcionamento eficaz do aparelho de Estado. A “boa governança” passa a ser um requisito indispensável para um desenvolvimento sustentado que incorpora ao crescimento econômico equidade social e os direitos humanos.

Para Camargo (2005), a busca da governança prioriza o fortalecimento do poder local e os processos de descentralização, bem como valoriza os movimentos comunitários e a promoção do associativismo, especialmente o empoderamento (empowerment) dos principais atores do desenvolvimento institucional e da democracia. Essa abordagem de governança é também chamada de governança democrática, governança urbana, governança comunitária ou governança pública, associada às formas de gestão das políticas públicas.

46 “Governance is defined as the manner in which power is exercise in the management of a

Com base nas reflexões dos autores citados, constata-se que o processo de decisões políticas, antes concentrado no Estado, passou a ser compartilhado com outros atores: ONGs, o mercado e seus agentes, evidenciando as transformações da autoridade política que estão na base do conceito de governança. Nesse sentido, o conceito de governança pode também ser apreendido através das transformações na relação entre Estado, atores econômicos e sociedade. Dessa forma, governança tem sido identificada como uma tendência da gestão pública e das políticas públicas visando à melhoria da ação do poder público e à democratização dos processos decisórios. Leal (2012) destaca que a importância da presença dos atores econômicos na governança das cidades cresceu, sobretudo a partir dos anos de 1990 com a consolidação das ideias neoliberais que prega a participação do setor privado como um requisito para a boa governança e empoderamento social.

Há um movimento amplo de uso do termo governança, portanto, é necessário precisar o seu conceito no contexto em que é aplicado. Destarte, é possível distinguir as perspectivas de governança ao identificar a ênfase que a mesma dá na sua aplicação, ou seja, o aumento da eficiência e efetividade governamental (boa governança) ou a focalização no processo democrático evidenciando a diferença ideológica que norteia a vertente teórica. Nessa perspectiva, o presente trabalho adota a ideia de governança democrática como forma de interação entre o Estado, atores econômicos e a sociedade civil.