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Desenvolvimento sustentável e sustentabilidade: conceitos dicotômicos?

4 GOVERNANÇA PARA A SUSTENTABILIDADE

4.2 DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL E SUSTENTABILIDADE

4.2.3 Desenvolvimento sustentável e sustentabilidade: conceitos dicotômicos?

O desenvolvimento, até a metade da década de 1960, era sinônimo de crescimento econômico e industrialização. Os países considerados desenvolvidos eram aqueles que estavam industrializados e os subdesenvolvidos, aqueles que não possuíam uma atividade industrial significativa ou que vivenciavam uma industrialização tardia. Assim, o desenvolvimento era aferido pelo Produto Interno Bruto (PIB) e não era considerado o acesso da população aos bens materiais e culturais; até que a ONU cria, em 1990, critérios para a verificação do desenvolvimento dos países: o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH)54 e, desde então, a ideia de desenvolvimento passou a significar não somente crescimento econômico. O IDH não excluiu a ideia de crescimento econômico, mas passou a tratá-lo como um aspecto do desenvolvimento.

Sen (2000) em sua obra Desenvolvimento como liberdade chama a atenção para as variáveis não econômicas. Suas reflexões contribuíram para uma noção de desenvolvimento para além do IDH. Destaca o papel das instituições e dos direitos humanos, reforçando que o desenvolvimento não pode ser visto só sob o ponto de vista econômico correndo o risco de relativizar as instituições democráticas se não for considerada a importância das liberdades e dos direitos civis para o progresso econômico.

A partir da noção de desenvolvimento sustentável, o crescimento econômico passou a ser visto como uma alternativa para conciliar crescimento econômico com as necessidades da sociedade. Binswanger (1999) postula que o desenvolvimento sustentável qualifica o crescimento e reconcilia o desenvolvimento econômico com a necessidade de preservação dos recursos naturais.

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De fato, no contexto da discussão do conceito de desenvolvimento sustentável, é comum a utilização do termo sustentabilidade como sinônimo. Dresner (2002) adverte que são diferentes. Enquanto o desenvolvimento sustentável está relacionado com a questão do desenvolvimento, a sustentabilidade se refere à manutenção do ambiente. Nessa direção, o desenvolvimento sustentável é um processo que tem como fim a sustentabilidade.

Para Silva C. (2005, p. 13), essa distinção está inserida em uma discussão ideológica que remete à reflexão sobre o futuro ou com as ações presentes e os impactos no futuro. Para o autor, “O foco principal, ao se discursar e se preocupar com a sustentabilidade, está na vinculação do tema ao lugar a que se pretende chegar; enquanto, com o desenvolvimento, o foco está em como se pretende chegar.” Assim, desenvolvimento sustentável e sustentabilidade são noções complementares.

A união dos discursos (expressão e exercício de poder) ambientalistas e capitalistas se tornou um consenso dialético em que os objetivos são distintos e os interesses comuns, ou seja, na proposta sustentabilidade estão presentes diversas forças sociais, interesses e leituras que disputam entre si o reconhecimento e a legitimação social (LIMA, 2003). Ambos os discursos apresentam bases ideológicas e interesses apoiados no conceito de desenvolvimento sustentável, em que os capitalistas precisam de recursos naturais para produzir e reproduzir o capital e os ambientalistas, proteger os recursos naturais.

Silva C. (2005) chama a atenção que a diferença entre discurso e prática gera conflitos, uma vez que pensar nas gerações futuras é mais simples do que pensar e agir no presente. As diferenças ideológicas são fundadas nas crenças que orientam a abordagem de desenvolvimento sustentável, segundo os princípios de cada sociedade.

Há muitas críticas sobre o discurso da sustentabilidade em relação à factibilidade da proposta no contexto da sociedade capitalista orientada pelo mercado. Layrargues (1998) destaca que não há incompatibilidade entre proteção ambiental e desenvolvimento e que essa relação antagônica só se dá na esfera discursiva. Porém, existem vulnerabilidades entre o discurso e a possibilidade de concretização da sustentabilidade.

A própria definição do termo sustentabilidade apresentada pelo Relatório de Brundtland permite interpretações para pensar tanto em um desenvolvimento com ética associado à justiça socioambiental como a outro, em uma perspectiva conservadora de crescimento econômico. A primeira está associada a uma sustentabilidade que considera as diversas dimensões da sustentabilidade, a segunda a uma sustentabilidade de mercado. É nesse sentido que Leff (2006) adverte que o termo sustentabilidade é vulgarmente utilizado como defesa da busca de um crescimento sustentado baseado no mecanismo de livre mercado.

Lima (2003) indica duas matrizes discursivas de sustentabilidade. A primeira se refere ao discurso oficial da sustentabilidade, que compreende o desdobramento da proposta de sustentabilidade a partir dos trabalhos da Comissão de Brundtland e difundida nos eventos e conferências, assimilada por setores não-governamentais e empresariais. Enfatiza a dimensão econômica e tecnológica da sustentabilidade e entende que a economia de mercado tem a capacidade de liderar processo de transição para o desenvolvimento sustentável, através da introdução de tecnologias limpas e do consumo ecologicamente orientado. A segunda matriz tende a se identificar com os princípios da democracia participativa e considera que a sociedade civil organizada tem um papel importante na transição para a sustentabilidade e prioriza a equidade social. De acordo com Lima (2003), com relação ao Estado, a matriz se subdivide em duas tendências: uma que suspeita da ação estatal e outra que defende a intervenção estatal como melhor caminho para a sustentabilidade.

Para Jucá (2013), a condição fundamental para atingir uma sustentabilidade é colocar limites ao crescimento econômico, o que implica reduzir o uso de recursos naturais não renováveis, de modo que não comprometa a sua utilização pelas gerações futuras.

As mudanças e os problemas ambientais são irreversíveis e não é possível analisar o conceito de desenvolvimento sustentável sem considerar a interrelação das dimensões de sustentabilidades apontadas por Sachs. Logo, a responsabilidades de todos os atores é ampliada na busca da sustentabilidade, a qual demanda ações e alternativas decisórias que possibilitem otimizar os

recursos ambientais existentes e as demandas das populações em relação ao seu uso e gestão.

Em síntese, tomando o licenciamento ambiental como um instrumento com possibilidade de consolidar o desenvolvimento sustentável, pode-se dizer que ele é um caminho na busca da governança para a sustentabilidade. Pode também se constituir um fator de mediação de conflitos ambientais contemplando aspectos importantes como a preservação ambiental, o trabalho e a reprodução sociocultural das populações que sofrem os impactos dos grandes empreendimentos. A partir do entendimento entre os atores (Estado, empreendedores e população), abre-se caminho para relações mais transparentes. Assim, é um instrumento da democracia que, por meio da gestão dos recursos naturais e de ações que visem à melhoria da qualidade de vida, incorpora as dimensões da sustentabilidade.

5 LICENCIAMENTO AMBIENTAL DE GRANDES EMPREENDIMENTOS: A