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39 Tradução nossa.

1.3 ABORDAGENS DE ENSINO

1.3.2 Abordagens de ensino de L2/LE

Esta subseção tratará de algumas abordagens/métodos bastante presentes na história do ensino de línguas não maternas (segundas ou estrangeiras): o método tradução-gramática,58 o método audiolingual e a abordagem comunicativa (ou Ensino Comunicativo de Línguas – ECL). Entretanto, antes de apresentá-los, é preciso que distingamos método e abordagem.

De acordo com Almeida Filho (2005, p. 78), abordagem é “um conjunto de pressupostos teóricos, de princípios, e até de crenças, ainda que só implícitas, sobre o que é uma língua natural, o que é aprender e o que é ensinar outras línguas”. São princípios que embasam as concepções de como se aprende e como se ensina uma língua. Esses princípios se materializam no método, nas escolhas pedagógicas em sala de aula, mas são anteriores, subjacentes a elas. O método, por sua vez, propõe-se a prescrever técnicas e procedimentos de ensino.

Na década de 60, dois métodos eram predominantes no ensino de L2: o método tradução-gramática e o método audiolingual. De acordo com Ellis (2001), eles estão fundamentados em teorias de aprendizagem bastante distintas. Enquanto o primeiro acredita que o processo de aprendizagem se trata de um processo intelectual de estudo e memorização de listas de vocabulário bilíngue e de regras explícitas de gramática, o segundo está embasado numa concepção behaviorista de aprendizagem, a qual sustenta que a aprendizagem se dá pela formação de hábitos por meio da repetição e do reforço.

Sateles e Almeida Filho (2010) comentam que o método tradução-gramática59 para o ensino de L2 se assemelha ao ensino das línguas clássicas no sentido de objetivar o trabalho de leitura e tradução. Ainda segundo esses autores, o método audiolingual encoraja o uso extensivo de drills (exercícios repetitivos) para treinar as estruturas gramaticais da língua, justamente porque pressupõe que a aprendizagem de uma L2 depende da formação de hábitos. Essa concepção de ensino- aprendizagem acredita que, quanto mais acontece a repetição das estruturas corretas da língua, mais rapidamente se dá sua memorização e aprendizagem. Nesse método, o ensino explícito de gramática não é

57 Esta subseção está baseada em uma de nossas publicações durante o

andamento da tese (SOUSA, 2014b).

58 Também conhecido como “método de tradução gramatical” e “método da

gramática e tradução”.

permitido, assim como o uso da LM (nem mesmo em atividades de tradução).

Como se percebe, a abordagem audiolinguista tem muitos pressupostos em comum com a abordagem oralista de educação de surdos, a saber: que a aprendizagem se dá por repetição, memorização e formação de hábitos; que a língua é um código, ou seja, “um sistema de estruturas governadas por regras” (NUNAN, 1989 apud BROWN, 1994, p. 70); que o ensino deve ser baseado nas estruturas da língua; que o uso da L1 e, consequentemente, da tradução de/para a L1, é prejudicial à aprendizagem da LE, entre outros.

É importante comentar que, embora o método de tradução gramatical use a LM do aluno como língua de instrução, ela é vista apenas como um meio para se aprender a LE. Essa postura é semelhante à que ocorre na abordagem comunicação total de educação de surdos e em algumas propostas que se denominam bilíngues, mas que, apesar de fazerem uso da língua de sinais, continuam priorizando a língua portuguesa. Além disso, no método de tradução gramatical, a tradução não é vista como uma atividade comunicativa, funcional, mas que visa apenas exercitar as estruturas da língua-alvo.

Sateles e Almeida Filho (2010) acreditam que tanto o método da gramática e tradução quanto o método audiolingual — entre outros métodos — fazem parte, em sua essência, de matriz comum, a saber uma abordagem gramatical. O estudo da gramática, da estrutura da língua, é a base organizatória para o ensino e a aprendizagem sistemáticos nesses métodos, seja de forma explícita ou implícita. Para Almeida Filho (1987, p. 33), “o ensino gramaticalista que precede o comunicativismo pode ser reduzido teoricamente a uma abordagem e tecnologia de ensino voltada para a internalização das formas da língua”.

Na década de 1970, começa a surgir um interesse maior sobre os aspectos sociais da linguagem. Como consequência, a partir dos anos 80, vários livros didáticos de L2/LE são lançados dentro da então chamada abordagem comunicativa – ou, pelo menos, dizendo-se como tal. Muitos desses materiais, entretanto, permanecem com características fortes do método audiolingual, método estruturalista60 predominante quando surgiu a abordagem comunicativa no final da década de 1970. Para Sateles e Almeida Filho (2010), essa abordagem híbrida trata de temas e conflitos da vida dos alunos numa ação dialógica e

60 O adjetivo estruturalista está sendo usado, neste trabalho, no sentido de

problematizadora, mas não abandona o ensino rotinizador de regras gramaticais seguido de exercícios. Para eles, trata-se de uma “abordagem gramatical comunicativizada”.

Neste trabalho, a abordagem comunicativa está sendo tratada como Ensino Comunicativo de Línguas (ECL), ou seja, na linha de Brown (1994), Larsen-Freeman (2000), Littlewood (1981), Richards e Rogers (2001), dentre outros, os quais a intitulam Communicative Language Teaching. Esses (e outros) autores entendem “comunicação” como um processo sociointerativo no qual se constroem ações e identidades, e não numa visão reducionista do termo “comunicação”, como a acepção restritiva e mecanicista da Teoria da Informação dos anos 70. Como sustenta Almeida Filho (2013, p. 13), “codificar e decodificar informações, como num jogo de espelho, seria por demais redutivo e insuficiente”, pois “os participantes da interação social são sujeitos históricos” que constroem o discurso num processo de negociação.

Almeida Filho (2013, p. 13) afirma ainda que

concebemos hoje comunicação (sempre de forma incompleta e conscientemente provisória), como uma forma de interação social propositada, onde se dão […] casos de (re)construção de conhecimento e troca de informações.

A abordagem comunicativa trabalha, portanto, na concepção de que o significado é co-construído na interação.

Por se tratar de uma abordagem e não de um método, o ECL pode utilizar atividades e procedimentos de ensino de diferentes métodos (RICHARDS; ROGERS, 2001). Inclusive, procedimentos tradicionais de ensino de línguas podem ser reinterpretados numa perspectiva comunicativa, a exemplo do ensino explícito de gramática e do uso da tradução de/para a LM.

Como a concepção de língua no ECL é de língua primeiramente como “interação e comunicação” (NUNAN, 1989 apud BROWN, 1994, p. 70), ao contrário da concepção estrutural dos métodos tradução- gramática e audiolingual, as práticas desenvolvidas em sala de aula, independente de serem procedimentos utilizados por outros métodos, têm a competência comunicativa como fim.

Brown (2000) conceitua competência comunicativa como sendo o conhecimento que permite uma pessoa se comunicar de forma

funcional e interativa, enquanto a competência linguística se refere ao conhecimento gramatical da língua, sobre sua estrutura.

No entanto, a competência comunicativa não exclui a competência linguística, apenas a considera insuficiente para se interagir socialmente. Para isso, é preciso “desenvolver uma competência comunicativa que engloba o conhecimento gramatical, o conhecimento lexical e o conhecimento do uso social da língua” (SILVEIRA, 1999, p. 75).

A competência comunicativa, de acordo com Canale e Swain (1980 apud BROWN, 2000), envolve também a competência estratégica, isto é os meios linguísticos e não linguísticos usados para compensar problemas na comunicação, oriundos de variáveis no desempenho (como fadiga, distração e estresse) ou de falta de conhecimento linguístico. De acordo com Almeida Filho (2013, p. 15), a competência estratégica engloba os “conhecimentos e mecanismos de sobrevivência na interação”, visando à adequação a diferentes contextos, ou seja, opera no âmbito pragmático.

Segundo Richards e Rogers (2001), a aprendizagem é vista, na perspectiva comunicativa, como um processo de construção criativa que envolve tentativa e erro. Assim, os estudantes são encorajados a se arriscar e aprender com os erros. Nesse “arriscar-se”, eles empregam diversas estratégias de comunicação a fim de solucionar os problemas decorrentes do conhecimento linguístico limitado.

Muitas dessas estratégias, inclusive, estão baseadas no uso da L1 do aprendiz. Como vimos na revisão de literatura, em Sousa (2008) e Rocha (2014), na escrita em L3, os surdos fizeram uso de estratégias de comunicação baseadas não apenas em sua L1 (Libras), como também em sua L2 (português).

Quanto à fluência e correção gramatical, ambas são vistas como igualmente importantes quando se busca desenvolver a competência comunicativa, apesar de a fluência ter um papel mais relevante no sentido de engajar os estudantes no uso da língua (BROWN, 2000). O incentivo à fluência leva os estudantes a se aventurarem na produção da língua-alvo, sem uma preocupação exacerbada com a forma que os paralise por medo de errar.

Quanto ao ensino de gramática, ao contrário do que algumas interpretações sustentam, consideramos que o ECL não o proíbe. Sateles e Almeida Filho (2010), por exemplo, afirmam:

Temos agora o surgimento de uma abordagem comunicativa, uma abordagem de ensinar e de

aprender línguas que filosoficamente afasta a gramática como organizadora mor ou orientadora do processo de ensino-aprendizagem de língua. Isto não quer dizer que para a abordagem comunicativa a gramática não tenha valor. Ela o tem, sem dúvida uma vez [sic] a estruturação gramatical da língua é base para a comunicação de todo modo. (SATELES; ALMEIDA FILHO, 2010, sem paginação).

Littlewood (1981) propõe a divisão de tarefas de uma aula comunicativa em dois momentos: atividades pré-comunicativas (as quais trabalham a forma linguística) e atividades comunicativas (nas quais o foco está no significado). No ECL, portanto, o ensino da gramática/forma está subordinado ao uso de categorias funcionais, isto é a intenção que se tem ao produzir um enunciado.

Conforme mencionado, na concepção audiolinguista, não se permite o ensino explícito de gramática, mas as estruturas são repetidas e memorizadas pelos aprendizes indutivamente. Já no método tradução- gramática, a gramática é ensinada diretamente. É importante observar que, mesmo se tratando de dois métodos distintos, a visão de língua e de aprendizagem de língua que os fundamenta é a mesma: estruturalista/formalista, ou seja, com o objetivo principal de que o aprendiz adquira as formas da língua-alvo. A diferença é que o primeiro foca na leitura e na tradução, e o segundo, nas habilidades orais. O ECL, por sua vez, trabalha a gramática em favor da comunicação.

Enquanto os métodos tradução-gramática e audiolingual fazem uso de uma linguagem artificial e fragmentada, o ECL propõe o acesso a materiais autênticos em sala de aula — ou seja, não adaptados para fins pedagógicos — como um modo de desenvolver a fluência dos aprendizes. Brown (1994), por exemplo, defende o uso de gêneros textuais no ensino de inglês como língua estrangeira. De acordo com Marcuschi (2005, p.22–23) “a comunicação verbal só é possível por algum gênero textual”, ou seja, por “textos materializados que encontramos em nossa vida diária e que representam características sócio-comunicativas definidas por conteúdos, propriedades funcionais, estilo e composição característica”.

Brown (1994) advoga também a favor do privilégio da integração das quatro habilidades linguísticas (escutar, falar, ler e escrever), semelhante ao que ocorre fora da situação de sala de aula de L2/LE, tornando as aulas mais interessantes, motivadoras e significativas. No

caso do ensino de LE para surdos são trabalhadas exclusivamente as habilidades de leitura e escrita, dada a sua condição auditiva. Mesmo assim, é possível embasar-se no princípio de integração das habilidades para sustentar uma integração entre o ensino da leitura e o da escrita.

O ECL também valoriza o uso da LM no ensino de L2/LE (LARSEN-FREEMAN, 2000; RICHARDS; ROGERS, 2001, entre outros), contrariamente ao que algumas interpretações dessa abordagem propagam. Essa abordagem não proíbe o uso da LM na aula de LE, mas defende sua utilização quando for importante para contribuir com a aprendizagem dos estudantes. Um desses usos se dá por meio do contraste entre a L1 e a L2/LE – corroborando o que sustenta Lane (1992) e Quadros (1997) sobre o uso da comparação entre L1 e L2 na educação de surdos, numa perspectiva bilíngue.

A tradução de/para a LM também pode ser usada quando os alunos se beneficiem dela – seja como uma ferramenta de ensino- aprendizagem ou como uma quinta habilidade (RIDD, 2000). Nesse caso, a tradução é considerada numa perspectiva comunicativa (WIDDOWSON, 1991) e não como no método tradução-gramática. Nesse método, a tradução é usada apenas como um veículo para se ensinar a gramática e o vocabulário da língua-alvo. Além disso, é feita de modo descontextualizado, já que explora apenas a tradução de palavras e frases (RICHARDS; ROGERS, 2001). No ensino audiolingual, por sua vez, o uso da L1 é completamente proibido em sala de aula por ela ser considerada uma ameaça ao domínio da L2/LE, perspectiva semelhante à da abordagem oralista de educação de surdos.

Por fim, para se desenvolver a competência comunicativa na aula de LE, Almeida Filho, corroborando Nunan (1989 apud BROWN, 1994), afirma que é necessário

promover um ensino que considere as atividades de real interesse e/ou necessidade do aluno para que ele seja capaz de usar a nova língua na realização de ações verdadeiras na interação com os outros usuários dessa língua. (ALMEIDA FILHO, 1993, p. 47)

A abertura ao uso da LM, da tradução e do foco nas necessidades/interesses dos estudantes, entre outras características, fez com que o ECL fosse eleito a abordagem norteadora desta pesquisa de doutorado, juntamente com a abordagem bilíngue de educação de surdos, para se ensinar inglês escrito como L3/LE para surdos, assim

como em nossa pesquisa de mestrado (SOUSA, 2008). Essas duas abordagens, ainda que de campos teóricos distintos compartilham princípios fundamentais, conforme apresentamos anteriormente, já que a abordagem bilíngue é oriunda do campo da educação de surdos e a abordagem comunicativa do campo de ensino de LE.

O arcabouço teórico sobre estratégias de comunicação também é fundante na presente pesquisa. A seção seguinte tratará especificamente disso e, além disso, discutirá a relação das estratégias de comunicação com o ECL.

1.4 ESTRATÉGIAS DE COMUNICAÇÃO