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situações, podem ser conscientes e em outros não. Assim, os autores chegaram à conclusão de que, na pesquisa que propuseram, estavam tratando de planos que são sempre conscientes (item “a” da difinição acima) e planos que algumas vezes são conscientes (item “c” da definição acima), por isso o uso do termo “potencialmente” em sua definição final.70

Segundo Bialystok (1990), nem sempre o usuário de uma língua está consciente de que utilizou uma estratégia de comunicação. A autora cita como exemplo o caso de crianças pequenas que fazem uso de estratégias de comunicação, mas que ainda não têm maturidade para saber que estão fazendo um uso consciente delas, sendo um uso não intencional, no sentido de não haver uma relação direta entre a seleção de uma estratégia específica para solucionar um determinado problema.

Williams e Hammarberg (1998) tratam da questão da intencionalidade e da não intencionalidade no uso da estratégia “alternância de línguas” em seu estudo sobre L3, o qual será mais detalhado adiante. De acordo com esses autores, em algumas ocorrências dessa estratégia não foi possível identificar nenhum propósito pragmático. Nesses casos, a alternância parece ter sido utilizada de forma não intencional. Sousa (2008), em seu estudo sobre a escrita de surdos em inglês-L3, também identificou ocorrências desse tipo. É possível que esse tipo de transferência ocorra porque, como afirma Hufeisen (2006), as atividades cognitivas da L2 e da L3 ficam espacialmente muito próximas no cérebro.

O uso de estratégias de comunicação pode ser influenciado por diversos fatores. Corder (1983) fala sobre um “fator de personalidade” envolvido nesse processo. Alguns aprendizes, por exemplo, têm o perfil de se arriscar mais que outros, mas o autor comenta que a situação discursiva também influencia o quanto a pessoa tentará se comunicar, não apenas a personalidade dela. Esse autor comenta que os aprendizes recorrem a suas estratégias favoritas.

Bialystok (1990) também cita o estilo do aprendiz como um fator que pode ter influência sobre a seleção de estratégias a serem utilizadas na comunicação em L2. A autora também cita outros fatores como o tipo de tarefa a ser realizado, o objetivo do falante, o tópico/tema em questão e o interlocutor. Ao longo de nossas análises, quando se mostrar pertinente, será discutida a questão dos fatores de influência no uso de estratégias de comunicação.

1.4.2.2 Reinterpretando as categorias de estratégias de compensação de Faerch e Kasper (1983)

Ellis (1997) comenta que, provavelmente, o livro Strategies in interlanguage communcation, organizado e editado por Claus Faerch e Gabriele Kasper, em 1983, é ainda o melhor livro sobre estratégias de comunicação. O autor comenta ainda que esse livro contém o artigo seminal de Faerch e Kasper sobre planos e estratégias de comunicação.

Na pesquisa de mestrado da presente doutoranda (SOUSA, 2008), a taxonomia desses autores foi o principal embasamento para as análises das produções textuais dos estudantes surdos em inglês-L3. Em nossa pesquisa atual, buscamos ampliar e aprofundar os tipos de estratégias investigadas, bem como a quantidade de línguas-alvo.

Assim como em Sousa (2008), nossa intenção não foi “aplicar”, de forma direta, a taxonomia desses autores aos nossos dados. Ao contrário, buscamos fazer reflexões e adaptações ao nosso contexto específico. Em nosso caso, estamos tratando: a) de aprendizes surdos (enquanto os autores tratam de ouvintes); b) não só de uma L2, mas também de uma L3 (eles tratam de L2, principalmente); e c) das línguas na modalidade escrita (eles tratam de línguas orais, na oralidade). Além disso, não compartilhamos da discordância de Faerch e Kasper (1980) quanto à “transferência intralinguística”. Para esses autores, o que ocorre nesse caso não é transferência, mas um processo de indução da L2. Nesse ponto, nossa categorização se aproxima da concepção de Tarone, Cohen e Dumas (1983), os quais tratam essa estratégia como “supergeneralização”,71 conforme discutiremos adiante.

Faerch e Kasper (1983) dividem as estratégias de comunicação em duas grandes categorias: (1) estratégias de redução72 e (2) estratégias de realização.73

Ao se deparar com um problema de comunicação, como desconhecer palavras ou estruturas de uma L2, o falante pode ter uma atitude de fuga. As “estratégias de redução” são, portanto, o resultado dessa fuga. Diante do problema, o falante pode abandonar completamente a mensagem que pretendia expressar, pode desistir de usar determinada palavra e substitui-la por outra ou, ainda, evitar determinados tópicos que ele sabe que serão problemáticos para ele.

71 “Overgeneralization”.

72 “Reduction Strategies”. 73 “Achievement Strategies”.

Essas ações estão subcategorizadas como “estratégias de redução funcional” por Faerch e Kasper (op. cit.).

As “estratégias de redução formal”, por sua vez, ocorrem quando o aprendiz usa um sistema “reduzido” (fonológico, morfológico, sintático e lexical) para se comunicar. a fim de evitar a produção não fluente ou incorreta de regras/itens hipotetizados ou não suficientemente automatizados, conforme descrevem Faerch e Kasper (op. cit.).

Por outro lado, quando o falante procura uma alternativa para o problema, ele está lançando mão de uma “estratégia de realização”. Com esse tipo de estratégia, o falante expande seus recursos comunicativos. Diante do problema de desconhecer uma determinada expressão numa L2, um aprendiz pode, por exemplo, fazer uma tradução literal de sua L1 ou até mesmo utilizar a alternância de línguas.

As estratégias de realização de Faerch e Kasper (1983) estão subdivididas em dois outros grupos: (a) estratégias de compensação e (b) estratégias de recuperação74. Nosso estudo foca-se nas “estratégias de compensação”, as quais são usadas pelo falante para suprir a falta de recursos linguísticos, no intuito de atingir seu objetivo comunicativo. No Quadro 1, apresentaremos a taxonomia de Faerch e Kasper (1983) para as estratégias de compensação e, em seguida, discutiremos a apropriação que fizemos desses conceitos na presente pesquisa, dialogando também com outros autores, inclusive.

74 As estratégias de recuperação ocorrem quando o falante não se lembra de um

vocábulo da L2 e tenta recuperá-lo de alguma forma. Elas não foram investigadas na presente pesquisa.

Quadro 1 – Panorama das estratégias de compensação de Faerch e Kasper (1983). Categoria Subtipo ESTRATÉGIAS DE REALIZAÇÃO A) Estratégias de compensação: (a) alternância de línguas

(b) transferência interlinguística (c) transferência inter/intralinguística (d) estratégias baseadas na interlíngua:

I. generalização II. paráfrase

III. criação de palavras IV. reestruturação (e) estratégias de cooperação (f) estratégias não linguísticas B) Estratégias de recuperação Fonte: Adaptado75 de Faerch e Kasper (1983, p. 53).

(a) Alternância de línguas (code-switching)76

De acordo com Faerch e Kasper (1983), essa estratégia ocorre quando se alterna desde palavras até turno completos da L2 para a L1, ou até mesmo para outra LE. Os autores comentam que, quando se trata de palavras isoladas, a estratégia também é denominada de “empréstimo”77 (cf. CORDER, 1983). No estudo de Emmorey et al. (2008), o qual tratou de um contexto de bilinguismo bimodal ASL- inglês, a grande maioria das alternâncias consistiu de inserções de um único sinal, em torno de 91,84% dos casos.

Em nossa pesquisa, estamos considerando como alternância de línguas as ocorrências em que os estudantes inseriram palavras isoladas, sintagmas ou sentenças de uma línguax no texto cuja língua-alvo era a línguay. Nosso estudo envolve uma língua de modalidade visuoespacial

75 A) Compensatory strategies: (a) code-switching, (b) interlingual transfer, (c)

intralingual transfer, (d) IL based strategies (I. generalization, II. paraphrase, III. word coinage, IV. restructuring), (e) cooperative strategies, (f) non- linguistic strategies. B) Retrieval strategies.

76 Nesta pesquisa, “code-switching” foi traduzido por “alternância de línguas”.

Tarone, Cohen e Dumas (1983), entre outros autores, chamam essa estratégia de “language switch”.

(a Libras) e duas línguas de modalidade oral-auditiva (português e inglês).

Na interlíngua Libras-português e na interlíngua Libras-inglês, temos contextos de bilinguismo bimodal em dois aspectos: (1) quanto à modalidade na produção/percepção das línguas (visuoespacial versus oral-auditiva); e (2) quanto à modalidade de expressão (enquanto na Libras, os surdos se expressam principalmente pela “oralidade”,78 no português e no inglês, se expressam principalmente pelo meio escrito). Além disso, temos as diferenças entre os sistemas de escrita dessas línguas: sistema de escrita de sinais (Libras) versus sistema de escrita alfabética (português e inglês). No caso da interlíngua português-inglês, temos um contexto de bilinguismo unimodal, tanto quanto ao canal de produção/percepção quanto ao meio de expressão principal, além da similaridade entre seus sistemas de escrita.

No caso da alternância de línguas em textos escritos por surdos, existe a possibilidade de se mesclar a escrita alfabética e a escrita de sinais. Isso vai depender de fatores como o conhecimento desse sistema por parte do surdo-escritor, por parte do seu interlocutor, da situação comunicativa, do assunto, entre outros motivos.

Quanto às categorias das palavras alternadas, MacSwan (2000, 2006), investigando a alternância de línguas em ocorrências de síntese linguística, observou que tanto “morfemas lexicais” (como verbos, substantivos e adjetivos) quanto “morfemas sistêmicos”79 (como preposições e conjunções) são alternados no discurso de bilíngues. O autor faz um estudo pormenorizado analisando as restrições quanto ao uso de cada um desses tipos de morfemas, o que não é objetivo de nossa pesquisa. Em nossas análises, apresentaremos sucintamente o que parece ter sido recorrente nos textos de nossos participantes, descrevendo suas formas de alternar línguas em textos em inglês e em português.

Quanto aos motivos pelos quais as pessoas alternam línguas, existem vários. Os bilíngues unimodais alternam entre línguas, por exemplo, “quando uma língua não tem uma tradução aplicável para uma palavra, conceito ou expressão que eles desejam expressar”80 (EMMOREY et al., 2008, p. 58). Isso também ocorre com bilíngues bimodais, quando, por exemplo, não é possível expressar numa língua

78 Conforme mencionamos anteriormente, estamos considerando a “oralidade”

em Libras como o meio de expressão (face a face ou gravado em vídeo) oposto ao meio escrito (escrita de sinais).

79 Também chamados de “morfemas gramaticais” na literatura. 80 Tradução nossa.

oral informações que se dão de uma forma singular numa língua de sinais (cf. EMMOREY et al., op. cit.). Dessa forma, a enunciação alterna língua falada e língua de sinais.

Para os bilíngues unimodais fluentes, a alternância se dá preferencialmente para cumprir “funções discursivas e sociais tais como demarcar identidade, estabelecer proficiência linguística, indicar mudança de tópico, criar ênfase”81 (EMMOREY et al., 2008, p. 58), entre outros.

O papel do interlocutor é bastante significativo na alternância de línguas, chegando a ser determinante para o uso ou não desse tipo de estratégia, conforme argumenta Odlin (2009). Para se alternar com uma língua, intencionalmente, de forma eficaz, é importante que o interlocutor conheça a língua da alternância. Caso contrário, o objetivo comunciativo do falante não se cumprirá.

Williams e Hammarberg (1998) afirmam que uma das principais funções da alternância de línguas durante o aprendizado de uma L2/L3, especialmente nos estágios iniciais, é dar continuidade ao texto em L3 com a inclusão de itens de outra(s) língua(s). Eles identificaram esse uso da alternância como “função de inserção”, a qual visa superar problemas com o léxico da língua-alvo. Em seu estudo de caso sobre a produção em sueco (L3), esses autores investigaram as funções atribuídas pelo falante-aprendiz à sua L1 (língua inglesa) e L2 (alemão) nas ocorrências de alternância de línguas.

Além da função de inserção, identificaram outras duas: a “função metalinguística” (utilizada para realizar um aparte, um comentário sobre o desempenho na língua-alvo, para fazer perguntas, pedir ajuda etc.) e a “função de edição” (utilizada para fazer autocorreções ou iniciar turnos). Além dessas funções, esses autores perceberam que havia ocorrências “sem um propósito pragmático identificável”82 (WILLIAMS; HAMMARBERG, 1998, p. 295), chamadas por eles de “WIPP” (sigla para “without identified pragmatic purpose” ou “alternância sem propósito pragmático identificável”, em português), que possivelmente foram usadas de maneira acidental, não intencional.

De acordo com esses autores, a língua utilizada com as funções de edição e/ou metalinguística está assumindo um papel instrumental nas alternâncias. Ou seja, é utilizada como um meio de facilitar a comunicação. Já a língua utilizada com a função de inserção e nas