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ESTRATÉGIA DE COMUNICAÇÃO “TRANSFERENCIA INTERLINGUÍSTICA”: ANÁLISE DESCRITIVA

96 Projeto baseado em Sousa (2008).

3 ESTRATÉGIA DE COMUNICAÇÃO “TRANSFERENCIA INTERLINGUÍSTICA”: ANÁLISE DESCRITIVA

A partir deste capítulo, apresentaremos a análise descritiva das ocorrências que categorizamos como estratégias de comunicação nos textos dos participantes, dividida da seguinte forma: “transferência interlinguística” (capítulo 3), “transferência intralinguística” (capítulo 4) e “outras estratégias” (capítulo 5).

Algumas ocorrências terão uma análise mais detalhada, outras menos, principalmente quando os aspectos começarem a se repetir. A identificação das ocorrências foi realizada a partir de análise individual das produções de cada participante, na busca por evidências das estratégias de comunicação que estamos investigando nesta pesquisa, as quais são baseadas em Faerch e Kasper (1980, 1983), Tarone, Cohen e Dumas (1983) e Sousa (2008).

Ao todo, foram analisados 64 textos em língua inglesa e em língua portuguesa (de 12 participantes na primeira coleta e na segunda coletas, e oito participantes na terceira coleta), os quais se encontram digitados no anexo B.

Conforme já mencionamos, os estudantes produziram diversos textos ao longo do curso. No entanto, selecionamos três momentos pontuais para analisar: o começo do módulo I (denominada “atividade 1” nas análises), o fim do módulo I (“atividade 2”) e o fim do módulo II (“atividade 3”).

As estratégias que identificamos nos textos foram: transferência interlinguística, transferência intralinguística, transferência inter/intralinguística, generalização, criação de palavras com base na L2 (word coinage), estratégia de cooperação, alternância de línguas e estratégia não linguística. Não identificamos ocorrências de paráfrase nem de reestruturação, em consonância com os achados de Sousa (2008).

A paráfrase foi incentivada explicitamente quando dissemos aos alunos que, entre outras alternativas, eles poderiam explicar o sentido de uma palavra que não soubessem na língua-alvo,99 o que não ocorreu, todavia. Acreditamos que o não uso dessa estratégia esteja relacionado com os recursos linguísticos dos estudantes iniciantes, ainda insuficientes para esse tipo de elaboração linguística.

99 As informações sobre o dia a dia das aulas estão registradas nas notas de

Quanto à estratégia de reestruturação, já esperávamos que ela dificilmente aparecesse em textos escritos, já que é mais característica da oralidade. No texto escrito, o escritor tem a opção de editar o seu discurso, portanto, o leitor não tem acesso ao processo de reestruturação na versão final do texto. É importante comentar que a estratégia de reestruturação não foi explicitamente estimulada ao longo das coletas. Nosso intuito, com relação a ela, era observar se apareceria alguma ocorrência espontaneamente nas produções dos participantes.

No Quadro 6, apresentamos os símbolos que foram utilizados durante a análise para identificar determinadas informações nos excertos retirados dos textos dos estudantes. As partes destacadas em negrito nos excertos são aquelas que estão em foco na análise. Algumas vezes, num mesmo excerto, temos mais de uma ocorrência sendo analisada.

Quadro 6 – Símbolos utilizados na análise das ocorrências de estratégias de comunicação

Símbolo Significado Exemplo

XXXX Indica que uma informação pessoal foi omitida a fim de preservar a identidade do participante.

“[…] my house XXXX/SC […]”. [ ]

Indica que um item lexical foi omitido na produção do participante, mas foi acrescentado pelas pesquisadoras, entre colchetes.

“[…] acadêmicos [de] vários cursos […]”.

Ø Indica a omissão de algum item lexical pelo participante. letra/LIBRAS” “estudant Ø the […] Indica que há mais texto no enunciado, antes ou depois da ocorrência analisada. only experience for “This […] were Ø

me.”

#

Indica que um sinal (nome próprio), em escrita de sinais, foi inserido. Essa informação foi omitida a fim de preservar a identidade do participante.

“O meu sinal é #”

Fonte: Elaboração própria.

As ocorrências das estratégias identificadas serão apresentadas e analisadas a seguir segundo uma separação por: estratégia, língua (na

qual a atividade foi pedida), atividade, participante e nível de análise linguística.100

Estamos cientes de que a presente análise se baseia em nossas interpretações das ações dos sujeitos nos textos. Em alguns casos, pode não ser possível afirmar, excluindo a possibilidade de ambiguidade, se um aprendiz está utilizando, por exemplo, uma transferência da sua LM ou fazendo uma transferência intralinguística ao produzir uma determinada forma em sua interlíngua, como sustentam Tarone, Cohen e Dumas (1983). A omissão de um elemento, por exemplo, tanto pode ser resultado de transferência interlinguística como do desconhecimento desse item lexical na língua-alvo. Dessa forma, não é nossa intenção aqui fazer afirmações categóricas, mas analisar o contexto da produção buscando evidências e apontar possibilidades plausíveis de análise. TRANSFERÊNCIA INTERLINGUÍSTICA

Para essa estratégia, os quadros que seguem com o resumo das análises trazem os excertos retirados dos textos dos participantes, o nível de análise linguística das ocorrências, a língua que possivelmente serviu de base para a transferência e o aspecto que provavelmente foi transferido.

Nos textos em língua inglesa, categorizamos como transferência interlinguística as ocorrências que consideramos como sendo, possivelmente, transferidas principalmente da Libras e/ou da língua portuguesa. Nos textos nessa língua, as ocorrências categorizadas como interlinguísticas podem ter sido transferidas principalmente da Libras. Quando outras línguas estiverem envolvidas, serão mencionadas. 3.1 PRODUÇÕES EM LÍNGUA INGLESA

# Atividade 1:

Nesta subseção, trataremos das ocorrências que foram categorizadas como transferência interlinguística nos textos em língua inglesa produzidos na primeira coleta (Atividade 1) por cada participante.

100 Há casos em que uma ocorrência pode se dar em mais de um nível de análise.

Participante 1

Quadro 7 – Resumo da análise das ocorrências de transferência interlinguística (LI101, A1102, P1103)

Nível Excerto Língua104 Aspecto

Sintático

(1) “I’m XXXX105 […], age

24 […]” Libras Ordem das palavras

(2) “How life of

Florianópolis, why

mestrado studyng” Libras

Seleção lexical e ordenação106

(3) “How life of Florianópolis, why

mestrado studyng” Libras

Ordem das palavras (4) “I’m [a] teacher sign

language […]”

Libras/LP

107 Omissão de artigo

(5) I’m teacher sign

language […]” Libras/LP Ordem das palavras (6) “Like camping, ticket,

sport, professional y culture” (7) “Deslike pare, fingimentos, julgamentos y traição”

Libras/LP Omissão de sujeito (8) “[…] quero word own

studyng” Libras Seleção lexical e ordenação (9) “Life is XXXX of [my]

family”. Libras determinante Omissão de Fonte: Elaboração própria.

Quanto às ocorrências de transferência interlinguística na atividade 1 da participante 1, observamos que a maior parte dos casos

101 “Língua inglesa”. No título dos quadros dos capítulos de “análise descritiva”

está identificada a língua-alvo da produção textual proposta.

102

Atividade 1.

103 Participante 1.

104 Nos quadros deste capítulo, a coluna “língua” diz respeito à língua que,

possivelmente, foi usada como base para a transferência interlinguística.

105 Nome da participante.

106 Agrupamos esse tipo de ocorrência na tabela como nível sintático, mas, na

coluna “aspecto”, está mencionado que ele perpassa os níveis sintático e lexical.

107 Separamos as línguas com uma barra para informar que a transferência pode

categorizados foi de transferência da ordem das palavras, seguida de omissão de sujeito e de omissão de artigo. Quanto às línguas utilizadas nas transferências, parece que ela utilizou tanto a L1 (Libras) quanto a L2 (língua portuguesa). Não temos como quantificar se foi utilizada mais a Libras ou a língua portuguesa porque há casos em que a estrutura dessas duas línguas coincide, não sendo possível, portanto, definir qual delas serviu de base para as transferências, ou se foram ambas.

No excerto (1) é bastante provável que a participante tenha realizado uma transferência da Libras para a sua escrita em inglês na ordem das palavras ao produzir “age 24”, pois, na Libras, expressa-se a idade com os sinais nessa mesma ordem108 (IDADE109 24). No exemplo (2), parece-nos que a participante usa as palavras e a ordem na estrutura da Libras (exceto pela preposição), assim como no excerto (8).

Outro exemplo de uma possível transferência da ordem da Libras encontra-se no excerto (3) em “mestrado studyng”. Neste caso, a P1 troca a ordem verbo-objeto para objeto-verbo. Na Libras, conforme Quadros e Karnopp (2004), essa é uma das ordenações possíveis nessa língua, mesmo sem ser a ordem canônica. É interessante perceber que, na atividade 2, esta participante usa uma estrutura semelhante, mas já com a ordem verbo-objeto (“studing PHD of Linguistic”), demonstrando sua apropriação da ordem canônica da língua inglesa ao longo do curso.

Em (9), o determinante do nome “family” está omisso. É possível que a Libras tenha influenciado tal omissão, pois a frase correspondente no texto em língua portuguesa desta participante apresenta tanto o conectivo quanto o determinante lexicalizados:110 “Morei em XXXX junto com a família”. Em Libras, apenas o conectivo seria lexicalizado

108 As análises sobre a estrutura da Libras estão embasadas nos poucos trabalhos

publicados nessa área em nosso país, no conhecimento da Libras por parte da presente doutoranda (proficiente nessa língua enquanto L2), de sua orientadora (falante de Libras como L1) e de consultores surdos fluentes em Libras.

109 O sistema de transcrição de sinais utilizado nesta tese é uma adaptação nossa

dos sistemas usados em Quadros e Karnopp (2004), Felipe (2007), Ferreira (2010) e do sistema de transcrição utilizado pelo grupo de transcritores do Núcleo de Aquisição de Língua de Sinais (NALS) da UFSC, do qual a presente doutoranda fez parte. O NALS é coordenado pela profa. Ronice Quadros, orientadora deste trabalho. Sua página está disponível em: <http://nals.cce.ufsc.br/>.

110 Lembramos que, nesta tese, estamos utilizando o termo “lexicalizar” no

(“MORAR XXXX JUNTO FAMILIA”), ficando o determinante implícito, como a estudante escreveu em seu texto em língua inglesa.

No excerto (4), temos a omissão do artigo, possivelmente influenciada pela língua portuguesa (eu sou professor de língua de sinais) ou pela Libras (EU111 PROFESSOR LÍNGUA-DE-SINAIS). Como a participante lexicaliza o verbo de ligação112 “am”, essa é uma evidência para acreditamos mais fortemente na probabilidade de essa transferência ser da língua portuguesa.

No excerto (5), observamos que a estudante usa o padrão latino “teacher [of] sign language”, mas sem a preposição “of” – o padrão inglês seria “sign language teacher”. A estrutura que a estudante utilizou pode ter sido influenciada tanto pela Libras (PROFESSOR LÍNGUA-DE-SINAIS) quanto pela língua portuguesa (professor de língua de sinais). Como a estudante não usou preposição, a hipótese de ter sido transferência da Libras parece-nos mais plausível.

Os excertos (6) e (7) trazem casos de omissão do sujeito em início de sentença, possível tanto em Libras quanto em língua portuguesa, mas não na escrita formal113 da língua inglesa. Nesses casos dúbios, em que a transferência pode ser da língua portuguesa ou da Libras, há ainda a possibilidade de a transferência poder ter sido de ambas essas línguas.

A transferência da Libras para o inglês escrito é possível, mesmo sendo línguas de modalidades distintas (cf. CUMMINS, 1981), por conta do papel essencial que a L1 exerce na aprendizagem de outras línguas. Da mesma forma, a transferência entre português e inglês também é possível, justamente por conta da similaridade de modalidade entre essas línguas (VANEK, 2009).

Quadros, Lillo-Martin e Chen Pichler (2013) têm observado em estudos sobre o modelo de síntese no bilinguismo bimodal que, quando uma estrutura é comum na outra língua, a preferência é por ela, mesmo que tenha alternativas na L2.114 É possível que, uma vez que algumas

111 O grupo de transcritores do NALS/UFSC atualmente utiliza IX(si) para

representar a apontação para si, ou seja, o pronome “eu”. Nesta pesquisa, transcreveremos esse pronome como “EU” para facilitar a compreensão por parte dos leitores, tal como em Quadros e Karnopp (2004).

112 Também chamado de “cópula” na literatura.

113 Na LI, essa omissão é possível na oralidade e na escrita informais.

114 As autoras perceberam isso com a tendência das crianças bilíngues bimodais

em usar o WH na posição inicial em sinais na ASL e na Libras, pois coincide com a estrutura do português e do inglês, respectivamente.

estruturas são boas (como as citadas acima) tanto em Libras quanto em língua portuguesa, o aprendiz de L3 arrisque-se a usá-las, pois há mais chances de serem boas também na L3.

Participante 2

Quadro 8 – Resumo da análise das ocorrências de transferência interlinguística (LI, A1, P2)

Nível Excerto Língua Aspecto

Sintático

(1) “MY BROTHER KNOW LINGUAGE SIGN BRASILAN”115

Libras/

LP Ordem das palavras (2) “I LIKE OF TO GO

THEATRO […]” LP preposição Adição de (3) “[…] CONTATC

WITCHFRIENDS AMERICAN”

Libras/

LP Ordem das palavras (4) “PEOPLE CREASY” Libras/ LP Ordem das palavras (5) “I’M POETRY AND

TEACHER FROM CHIDEN