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Absoluto como solução para o dualismo kantiano

A REVOLUÇÃO CRÍTICA E A RESTAURAÇÃO HEGELIANA

27 Um dos exemplos seria a posição que esse toma numa de suas primeiras

2.4. Do idealismo transcendental ao idealismo absoluto

2.4.2.0 Absoluto como solução para o dualismo kantiano

O idealismo posterior a Kant tem como um dos seus principais objetivos superar o dualismo deixado por esse. A idéia de uma identidade sujeito-objeto presente na filosofia hegeHana já se encontra em Fichte, como uma das respostas à cisão consciência /coisa em si. Segimdo Beiser, Fichte defenderia que tal princípio seria necessário, pois todo dualismo nos faria presas do ceticismo: "Se o sujeito e objeto são consciência e coisa em si, então não podemos pular fora da nossa consciência para ver se ela corresponde à coisa tal como ela existe anteriormente a essa."

Devemos perguntarmo-nos pelas condições de realização dessa identidade sujeito- objeto. "A resposta de Fichte"- afirma Beiser- " é que apenas uma forma de conhecimento realiza as condições necessárias da identidade sujeito-objeto: autoconsciência"^3. Apenas na

42 Beiser, “Hegel and the problem of Metaphysics”, in; The Cambridge

Companion to Hegel, p. 12

autoconsciência o sujeito que conhece é o mesmo que o objeto conhecido. O preço pago, todavia, para a erradicação desse resíduo incognoscível é a reintrodução da metafísica, como o conhecimento do incondicionado, logo que perguntamos pelo sujeito dessa identidade sujeito-objeto. Conforme o próprio Beiser nos esclarece:

''Está claro que esse sujeito não pode ser o sujeito individual e empírico comimi (...) seria absurdo atribuir a qualquer sujeito individual ou empírico o poder de criar todas as suas experiências. Fichte está perfeitamente consciente disto (...) O sujeito da identidade sujeito-objeto, Fichte afirma, é o ego infinito ou absoluto. Esse ego absoluto, que compreende toda realidade, cria seus objetos no próprio ato de conhecê-

1os"44

Esse eu absoluto seria, para Fichte, apenas um princípio regulador, seguindo os passos kantianos da Crítica do Jutzo.*^ Hegel, entrando na terra prometida da identidade sujeito- objeto tomará esse princípio regulador uma idéia constitutiva: a Idéia , identidade da objetividade e da subjetividade. A radicaÜzação do idealismo transcendental como idealismo absoluto acabará por postular uma identidade supra-individual infinita, solapando assim as próprias pretensões anti-metafísicas do primeiro. Vejamos com mais detalhe esse deslocamento.

Ibid.,p. 13

No Zusatz 2 do § 163 da Enciclopédia, nos é apresentado uma versão concisa e clara do que poderíamos denominar de idealismo absoluto. Após uma crítica implícita ao empirismo moderno, que afirma ser os conceitos apenas abstrações dos objetos dados anteriormente, nos é esclarecido o papel primordial do conceito: "O conceito é, ao contrário, o que é verdadeiramente primeiro e as coisas são o que são graças à atividade do conceito imanente a elas e se revelando nelas" (Enz, I, p.313).

Vemos que, por essa afirmação, Hegel poderia ser considerado um idealista transcendental, no sentido de que o conceito seria a entidade básica da realidade, do qual as coisas dependeriam para "ser o que são". Tomando esse trecho isoladamente , poderíamos ver um estreito parentesco com o idealismo transcendental, se esse for compreendido como uma subordinação das coisas (ou, ao menos, das coisas como objetos de conhecimento possível para nós) a uma estrutura conceituai prévia. Hegel opera, todavia, um deslocamento no sujeito dessa estrutura conceituai: não se trata mais de um sujeito transcendental , mas do próprio Absoluto, sujeito infinito, conforme constatamos no seguimento do parágrafo referido acima:

"É isto que na nossa consciência religiosa encontra-se de tal maneira que nós dizemos que Deus criou o mundo a partir do nada ou, expresso de outra forma, que o mundo e as coisas finitas são produzidas a partir da plenitude dos pensamentos e deliberações divinas. Dessa maneira, reconhece-se que o pensamento e, mais precisamente o conceito é a forma infinita, ou a

atividade livre, criadora, que não tem necessidade de uma matéria dada fora dela para se realizar" (Enz,I,p.313).

O idealismo conceituai mostra-se como idealismo absoluto, no sentido de que a estrutura conceituai à qual as coisas estão subordinadas não é uma estrutura de um sujeito finito, mas de um sujeito infinito. Segundo Wartenberg, a fim de compreender o idealismo hegeliano, seria profícuo compará-lo com duas teses gerais que definiriam o idealismo moderno e poderiam ser aplicadas, tanto ao idealismo subjetivo ( Berkeley), quanto ao idealismo transcendental (Kant):

"A primeira é a tese negativa que um dado item não é totalmente real, ou seja, que seu ser é dependente do ser de algo outro. Tanto Berkeley, quanto Kant sustentam que os objetos materiais são ideais, ou seja, que eles não estão entre as entidades mais básicas que existem, mas possuem um estatuto de segunda ordem, visto que seu ser é dependente de outras entidades, de primeira ordem. Essa tese é complementada, tanto na metafísica de Berkeley, quanto na metafísica de Kant, com a abordagem filosófica da natureza dessa dependência, ou seja, a entidade sobre a qual os objetos materiais são dependentes é o ser humano" ^6

Hegel endossaria a primeira tese, mas não a segunda: o mundo material é ideal, não no sentido de ser tomado real pela

Wartenberg, Hegel’s idealism : The Logic of conceptuality, in: Beisen, The

estrutura mental de um sujeito finito; dito de forma própria, o mundo finito é ideal, visto ser produto de uma entidade infinita denominada Idéia.

Mostrado esse deslocamento, pretendemos seguir as pistas das razões que levam Hegel a essa volta a uma metafísica banida pela filosofia crítica. Veremos que essa se deve a uma pretensão hegeliana de resolver os problemas da filosofia crítica: o mentalismo excessivo da filosofia kantiana , seu dualismo, e o resíduo insuperável da coisa-em- si. Para resolver então o principal problema da filosofia kantiana (como os conceitos a priori apHcam-se à experiência) chega-se a um passo de volta à metafísica não -crítica. Se a lógica especulativa procura ir além da estrutura conceituai mentalística, à qual o próprio Kant estava preso, essa empreitada não se faz sem problemas. Se o sujeito transcendental garantia a possibüidade dessa conformidade entre objeto-fenomenal e as categorias do entendimento, quem garante a conformidade entre pensar e o ser nele mesmo? A ontologia hegeliana mostra-se aqui dependente de uma teologia, pois apenas a Idéia, ou o Absoluto, enquanto um sujeito supra-individual, que contém em si a objetividade e a subjetividade, pode garantir essa identidade entre pensar e ser, sem o incômodo resíduo da coisa em si.