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À PROCURA DE UMA PROVA DA EXISTÊNCIA DE DEUS

13 Sto Agostinho é um exemplo dos que consideram inaplicáveis, ao Ser supremo, as categorias da razão Conforme nos esclarece D Rosenfíeld:

3.2.0 começo pelo finito

pecam por utilizar um princípio do entendimento no domínio do incondicionado: "para que a lei empiricamente válida da causalidade conduzisse ao ser primeiro, deveria esse incluir-se na cadeia dos objetos da experiência; mas, nesse caso, seria, por sua vez, condicionado, como todos os fenômenos" (KrV, B664).

A prova cosmológica parte, portanto, da necessidade de uma causa necessária na seqüência de causas. Essa prova começa com a experiência, atiavés da constatação da contingência do mundo; sendo, portanto, classificada como uma prova que parte do finito, dentio da divisão hegeliana: a partir da contingência do existente, chega-se, na série de causas, a uma causa absolutamente necessária. Neste último passo, usamos a lei da causalidade indevidamente, saindo para fora do campo do conhecimento possível. Além disso, essa prova é falha, pois tiibutária da já contestada prova ontológica. A prova cosmológica serve-se da experiência para chegar à existência de um ente necessário em geral; todavia, a experiência não nos dá as propriedades que deve possuir esse ente. A prova cosmológica abandona novamente a experiência, é a razão que nos dá as propriedades que deve possuir um ente em geral. Tratar-se-ia das propriedades do ente realíssimo, o ente à cuja essência pertence a existência. Ora, eu só sei que à noção de ente realíssimo pertence a existência, devido à prova ontológica, visto que esta já fora refutada, a prova cosmológica carece de fundamento racional.

Hegel localiza corretamente a crítica kantiana à prova cosmológica:

"Kant procura a ilusão essencial do silogismo que deve conter essa prova nessa proposição que todo ser simplesmente necessário é também o mais real e essa proposição é, segundo ele, o nervus probandi da prova cosmológica (...) Ora, essa é a proposição e a forma da prova ontológica que consiste a passar de e através do conceito ao ser. A prova cosmológica apoia-se, portanto, na prova ontológica; ela nos promete um novo atalho, mas de fato nos leva à antiga prova que ela não queria admitir e que nós havíamos abandonado"

A análise hegeliana é correta e está conforme ao diagnóstico kantiano da referida prova : toda a força demonstrativa da prova cosmológica reside na prova ontológica Porém Kant não critica a prova cosmológica apenas pela sua dependência da prova ontológica; ele faz-lhe uma segunda crítica (que será dirigida também à prova físico-teológica, ou seja, a toda prova que parte do finito) de fazer um uso indevido conceito de causalidade. Segundo Hegel:

"No entanto, não é apenas o que foi citado que Kant objeta ã argumentação cosmológica. (...) Encontra-se aí o princípio transcendental de

Preuves, p. 99; PhRel,II,p.427

Cf.Kant (KrV B835) "é só a prova ontológica, a partir de puros conceitos,

que contém toda a força demonstrativa na assim chamada prova cosmológica. Não é a experiência que demonstra a necessidade do ens realissimum, pois é impotente para demonstrar algo determinado, mas é a própria prova ontológica.”

concluir, do contingente, uma causa.: é dito que esse princípio só significa algo no mimdo sensível, fora desse mundo, ele não tem sentido. (...) A única coisa que é afirmada aqui é a teoria capital, bem conhecida de Kant, que não é permitido ao pensamento ir além do sensível, e que o uso e a significação das determinações do pensamento se restringem ao mundo sensível.

Resta-nos, ainda, uma terceira crítica: a prova cosmológica nos daria uma falsa satisfação de chegar ao incondicionado a partir do condicionado, através da série das causas. Como bem situa Hegel: "Ora, segundo Kant, imia coisa necessária não pode acontecer sem c o n d i ç ã o . E m suma, não podemos ir, através do princípio de causalidade, até o incondicionado; a prova cosmológica peca por utilizar para além dos limites da experiência possível, algo (um princípio do entendimento) que deveria ficar circunscrito ao campo da sensibiHdade. Novamente encontramos aqui a crítica hegeHana aos limites da filosofia do entendimento:

"O nó da questão é simplesmente a relação verdadeiramente dialética (...) que a

condição (...) se eleva espontaneamente ao

incondicionado; descarta, por conseguinte, no condicionado, a condição, na mediatização, a mediação. Mas Kant não foi além da relação do entendimento e não chegou à noção da negatividade infinita".20

18 Preuves, p.l01;PhRel, II,p.430 Preuves, p. 102; PhRel,II,p.433

A impossibilidade de passar do condicionado ao incondicionado, é imposta pelas "filosofias do entendimento". Hegel mostra que essa posição kantiana, já expressa por Jacobi (onde não há condição nem condicionado, não há o que compreender), veio a ser um senso comum na filosofia; todavia, ela nos leva a uma conseqüência inaceitável, qual seja, afirmar que "onde começa o racional, não há mais razão"2i. Enfim, dito de uma forma um tanto simplificada, Hegel afirmaria que a "ilusão dialética" (o conhecimento para além do campo do supra-sensível) não é uma ilusão mas tmia afirmação da razão, mas que, para compreendê-lo, deve-se assumir a filosofia especulativa, não se deixando deter nos limites da filosofia do entendimento.

A crítica hegeliana à crítica kantiana da prova cosmológica não implica, por parte de Hegel, imia aceitação pura e simples desta. Segundo Hegel, essa se apoiaria numa falsa exterioridade entre o finito e Deus. O erro da prova cosmológica residiria em conceber essas duas determinações formam, uma relativamente ã outra, uma relação exterior, finita. Deveríamos perceber que cada uma das duas partes está numa relação com a outra: o finito só é através do infinito.

Ora, o finito não deve ser tomado numa relação de exterioridade frente ao infinito, isto é, sua existência só pode ser determinada como dependente do finito. Dessa forma saímos da "silogística do entendimento" para compreender a verdadeira relação

entre o contingente e o necessário; "A absoluta necessidade existe, não porque a contingência existe, mas porque ela é o não ser, unicamente

fenômeno. "22

O que Hegel nos quer indicar é o espaço que as próprias provas da existência de Deus nos dão à crítica kantiana; se não compreendermos a verdadeira relação entre finito e infinito- onde aquele não é apenas efeito ou conseqüência, mas elemento mediador- permaneceremos naquilo que se denomina de uma relação de exterioridade, que será examinada pelas "ferramentas" filosóficas do entendimento, o que levará à refutação destas provas.

A crítica à insuficiência das provas que partem do finito toma-se mais clara na crítica à prova físico-teológica. Retomando o argimiento desta prova, segundo Kant (KrV B653), segue o seguinte argumento; há uma ordem no mundo, essa ordem é estranha às coisas do mundo, a natureza de coisas diversas não poderia concordar com fins últimos determinados se esses não tivessem sido escolhidos e dispostos para tal. Logo, existe uma causa sublime e sábia (ou mais de uma) que deve ser a causa do mundo. Essa causa é Deus.

Hegel expõe da seguinte forma o argumento da prova físico-teológica; "a determinação mais precisa do vivo é concebida de forma que existam fins na natureza e uma organização que, sendo adequada a esses fins, não é produzida, todavia, por esses fins" . Além

disso, ele localiza corretamente que se trata de passar dos fins finitos a uma finalidade única: " O ponto fundamental consiste, portanto, em passar de fins finitos a uma atividade vital universal, ao único fim, que se subdivide em fins particulares, de modo que essa particularização se realiza de forma harmônica, em recíproca relação essencial.

A harmonia do mundo natural só poderia ser explicada por um autor sábio e onipotente que faria concordar os fins finitos com um único fim, a harmonia da natureza com uma harmonia pré- determinada. Hegel discorda que, tendo como ponto de partida a harmonia do mundo natural, do mundo finito, possa-se extrair a existência de Deus, ainda que não pela mesma razão de Kant. A crítica hegeliana consiste em dizer que, se é verdade que posso passar de uma harmonia dos seres particulares da natureza a uma harmonia universal, isso nos faria obter apenas o Nous enquanto atividade vital- e não o espírito-, caindo novamente no naturalismo:

"Nós pomos assim apenas a vitalidade, mas a alma do mundo não se distingue ainda como espírito, dessa sua vitalidade. A alma é simplesmente o princípio vivo no ser orgânico; ela não é algo distinto do corpo e material, mas a força vital que a penetra. Por essa razão

Platão denominou Deus um imortal, um ser vivo

eterno. "24

A intenção hegeliana é mostrar que, da harmonia natural, pode-se chegar a uma atividade vital infinita e eterna (nas palavras de