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À PROCURA DE UMA PROVA DA EXISTÊNCIA DE DEUS

23 El concepto de Religion, p

Platão, a um Zoon imortal), mas não a Deus, pois Deus é mais do que a harmonia imanente ao mundo natural. Da harmonia interna das partes finitas da natureza e da harmonia recíproca entre elas, pode-se chegar ,no máximo, a uma concepção de um todo harmônico; contudo, a idéia de causa e sabedoria remete a algo mais do que um todo harmônico: "no entanto"- adverte Hegel-" a determinação do espírito ainda não está posta" 25.

Na crítica à prova físico-teológica, Hegel antecipa o que poderia ser uma "aceitável" prova pelos efeitos; ou seja, uma prova não obtida a partir do conceito de Deus, tal como a ontológica, mas que nos leve, a partir dos seus efeitos, a ele, enquanto causa.

Existe uma única "passagem" possível do finito a Deus, essa passagem indica uma transição entre o espírito objetivo e o espírito absoluto:

"A finaHdade mais alta é o bem, é o fim geral do mundo. A razão deve considerar essa finalidade como finalidade ultima do mundo, finalidade essa que se funda sobre a determinação da razão e que o espírito não pode ultrapassar. A fonte na qual se reconhece essa finalidade é a razão pensante; essa finalidade se mostra realizada no mundo. Ora, o Bem é o que é determinado em si e para si e a isso se opõe, seja a natureza física (...), seja a naturalidade do homem, seus fins particulares".26

25 Preuves, p. 122;PhRel, II,p.514 Preuves, p. 123; PhRel, II,p.516

Há uma constatação, por parte do filósofo, de uma finalidade última do mundo, fundada sobre a razão; essa finalidade, no entanto, não se faz notar no mundo natural, seja ele tomado como a natureza propriamente dita ou como a particularidade humana. É no mundo espiritual que essa pode se fazer notar e quem a conhece como tal é a razão pensante, ou seja, a filosofia.

A única prova que parte do finito é nos leva ao infinito, não enquanto apenas imia harmonia universal, mas como espírito absoluto, é aquela que parte dos espíritos finitos, não considerando-os na sua "naturalidade" ou fins particulares, mas enquanto esses reaUzam a finalidade última do mundo. Por essa razão, como veremos na segunda parte desse trabalho, a história mundial, enquanto o lugar privilegiado onde a ação humana realiza a finalidade racional do Absoluto, servirá como um ponto partida de uma nova prova pelos efeitos.

3.3- Sobre mostrar e demonstrar: a Darstellung hegeliana

A prova ontológica, tal como a tradição a fez conhecida, é, portanto, abandonada, porque Hegel abandona o conhecimento que se faz presa do entendimento; a idéia, todavia, de que o conceito do Absoluto contém o ser como uma determinabilidade é a premissa

central da filosofia hegeliana. Ou seja: faz parte do conceito de Absoluto sua existência, enquanto exposição de sua racionalidade no mundo finito. A prova conceituai da existência e manifessação divinas, a prova que substituiria a prova ontológica das "doutrinas do entendimento" teria seu lugar na Ciência da Lógica. Aparentemente, Hegel não refuta Kant, mas apresenta novamente a mesma prova ontológica, baseada na premissa de que o conceito de Deus inclui sua existência. Nosso propósito aqui será investigar se há uma prova da existência de Deus, ainda que essa prova não seja puramente demonstrativa. Analisaremos, primeiramente, se o desdobramento interno e imanente de categorias efetuado na Ciência da Lógica pode ser considerado como uma prova da existência de Deus, sob a forma da exposição (Darstellung) da Idéia absoluta.

Ao apresentar aos ouvintes da Universidade de Berlim, seu curso sobre a filosofia da história, Hegel explica a tese de que a razão governa a história mundial e que a história dos povos não é obra do acaso. Trata-se, não de uma razão subjetiva particular, mas de uma razão divina. Essa tese pressupõe uma prova anterior, prova essa dada pela filosofia: "Todavia, a única prova (Beweis) reside no conhecimento da razão; na história mundial ela apenas se mostra (erweist sie sich

nur)" essa ambigüidade entre provar (Beweisen), obra da filosofia especulativa e mostrar-se (erweisen sich), obra da Weltgeschichte , que tentaremos explorar aqui.

Buscaremos inicialmente no conhecimento especulativo essa prova, qual seja, que a Razão, ou seja. Deus, é o pôr em ação desse conteúdo racional na vida natural e espiritual. Vejamos, então, se a

Enciclopédia das ciências Filosóficas, enquanto sistema da filosofia, nos ofereceria algum tipo de prova. Hegel aponta, desde o início da

Enciclopédia que a obtenção de suas categorias não têm outra prova senão a exposição mesma do todo. O Sistema da ciência é o próprio desenvolvimento do pensamento puro e de seu informar do mundo natural e espiritual: "O todo da ciência é a exposição {Darstellung) da Idéia" (Enz, 1817, «& 11). A Ciência da Lógica é exemplar nesse sentido; não há outra demonstração para a obtenção da Idéia Absoluta, senão a exposição mesma de suas categorias.

Se a crítica de Kant à prova ontológica é bárbara, a resposta de Hegel, por sua vez, parece-nos dogmática, visso que este apela para uma exposição das categorias, a fim de mostrar a coerência do sistema, o que implicaria a justificação da Idéia absoluta. Para afirmar que "Deus só pode ser pensado como existente", ele necessitaria de uma prova. Sem dúvida, se sua prova fosse demonstrativa, no sentido usual do termo- algo com premissa, conclusão e uma relação que encadeasse premissa e conclusão- ele esbarraria sempre no interdito crítico, que impediria a passagem das premissas ã conclusão, ou mostraria a falsidade das premissas. Mas a simples apresentação das categorias poderia ser considerada uma prova? Podemos considerar válida a substituição da prova por

demonstração por uma prova baseada na exposição de categorias, enquanto desenvolvimento imanente da Idéia absoluta?

3.3.1. O que é uma prova?

Granger, no livro Por um conhecimento filosófico, após esclarecer que o termo demonstração, no seu uso filosófico, não possui um sentido bem definido, afirma:

“A demonstração filosófica consiste, pois, em um certo encadeamento regrado de metaconceitos, cuja justificação é, à primeira vista, um enigma. Certamente, enquanto o pensamento filosófico é conceituai e, na medida em que, separando-o de sua perspectiva própria, consideramos só sua expressão, ele se conforma bem à regulamentação lógica. Mas essa é uma condição negativa: o verdadeiro nervo da prova em filosofa está alhures" ^8

Granger chama a atenção para o fato de que, em filosofia, a lógica formal serviria apenas como uma condição negativa a ser preenchida: se a prova não deve esbarrar no que determina a lógica formal, o mero seguimento desta não implica que provamos algo.

Segundo Granger, um dos problemas postos pela filosofia seria a inseparabilidade entre o aparelho retórico, ou o modo de expressão da comunicação do saber, e o aparelho analítico, ou o

instrumento de validação do discurso. Hegel atenta para essa peculiaridade do discurso filosófico em várias obras. Podemos vê-lo, a título de exemplo, na Introdução à Fenomenologia, onde ele critica aqueles que pretendiam analisar o instrumento filosófico, antes de começar a filosofar :

" Nós não temos necessidade de nos ocupar dessas representações inúteis, e dessas maneiras de falar do conhecimento como de um instrumento para dar conta do Absoluto, ou como de um meio através do qual nós percebemos a verdade, relações que conduzem essas representações de um conhecimento separado do

Absoluto e de imi Absoluto separado do

conhecimento" .^9

Hegel e Granger têm razão ao afirmar que é uma vã pretensão dissociar e separar totalmente método e conteúdo, ou, na expressão do segundo, o aparelho analítico do aparelho retórico. Tratar-se-ia de compreender qual a analítica hegeliana, no sentido utilizado por Granger, ou seja, a doutrina de encadeamentos legítimos de proposições. As questões que nos perseguem são as seguintes: se Hegel rejeita a forma de prova das "filosofias do entendimento", como a filosofia especulativa legitima o encadeamento entre suas proposições e conceitos? Ou o discurso hegeliano se limitaria a justapor proposições e conceitos, sem nenhxmia justificativa para tal?