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Kant comenta a proposição da geometria, na qual é afirmado que um triângulo possui obrigatoriamente três lados: “A proposição acabada de

À PROCURA DE UMA PROVA DA EXISTÊNCIA DE DEUS

7 Kant comenta a proposição da geometria, na qual é afirmado que um triângulo possui obrigatoriamente três lados: “A proposição acabada de

citar não dizia que três ângulos são absolutamente necessários, mas que, posta a condição de existir um triângulo (de ser dado), também nele há necessariamente três ângulos (KrV,B622)

Ora, pode-se dizer que, dado Deus, os predicados necessários de seu conceito deveriam verificar-se como predicados de Deus; todavia, se suprimo a existência de Deus, não há contradição alguma na não verificação de seus predicados:

"A omnipotência não pode ser anulada, se puserdes uma divindade, ou seja, imi ser finito, a cujo conceito aquele predicado é idêntico. Porém, se disserdes que Deus não é, então, nem a onipotência, nem qualquer dos seus predicados são dados, porque todos foram suprimidos, juntamente com o sujeito e não há nesse pensamento a menor contiadição" (KrV,B623)

A contiadição surgiria somente, explica-nos Kant se, dado o sujeito, os predicados necessários de seu conceito não se verificassem; suprimindo, todavia, o sujeito com seus predicados, não ressaria contiadição alguma.

Quanto ã premissa menor, a crítica consistiria em negar que a existência seja um predicado. O ser não pode ser uma determinação do conceito de Deus, sendo, ao contiário, um sair para fora do pensamento, um pôr, como existente, aquilo que antes era apenas pensado. Kant tiata de distinguir o que a filosofia, ao se tiatar do ser infinito, havia essabelecido como unido: o conceito e o ser. Ele o faz, todavia, usando um exemplo relativo aos seres finitos.®

® Kant utiliza, na sua crítica, o exemplo de cem táleres:”Cem táleres reais não contém mais do que cem táleres possíveis. Pois, se os táleres possíveis significam o conceito e os táleres reais o objeto e a sua posição em si mesma, se este contivesse mais do que aquele, o meu conceito não exprimiria o objeto inteiro e não seria, portanto, o seu conceito adequado.

Hegel desdenha dessa ingênua refutação, tomando-a por "bárbara". Em que trivialidade consistiria a afirmação de que ser e conceito são diferentes no ser finito! Escreve o filósofo, no §51 da

Enciclopédia:

"Fazendo abstração de que se poderia chamar de bárbaro, não sem razão, o fato de chamar algo como cem táleres de conceito, aqueles que repetem sem cessar, ao encontro da Idéia filosófica, que pensamento e ser são diferentes, deveriam, no entanto, pressupor que isso não é de forma alguma

desconhecido de nenhum filósofo: que

conhecimento mais trivial poder-se-ia ter?"

Kant seria, segundo a crítica hegeliana, portanto, bárbaro e trivial; todos sabemos que ser e conceito não podem essar unidos nos seres finitos. A prova ontológica não trata, todavia, de seres finitos, mas sim do ser infinito. Segimdo Hegel, ou bem Kant critica uma filosofia que postula uma identidade na qual nenhum homem poderia acreditar, a do ser e do conceito nos entes finitos, ou bem, numa interpretação mais generosa, ao negar que a existência seja um predicado do conceito de seres finitos, pretende negar que a existência seja um predicado do conceito de qualquer ser, inclusive de um ser infinito.

Mas, para o estado de minhas posses, há mais em cem táleres reais do que no simples conceito (isto é, na sua possibilidade). Porque, na realidade, o objeto não está meramente contido, analiticamente, no meu conceito, mas é suficientemente acrescentado ao meu conceito (...), sem que por essa existência exterior ao meu conceito os cem táleres pensados sofram o mínimo aumento” (KrV,B 627)

Pode-se considerar que, na seguinte passagem das Lições

sobre a filosofia da religião, Hegel, ao distinguir representação de um ser fínito do conceito do ser infinito, refutaria essa segunda interpretação;

"Certamente, na vida ordinária, chama-se conceito a uma representação de cem táleres, mas esse não é um conceito, é apenas uma determinação de

conteúdo da minha consciência; a uma

representação abstrata, sensível, como azul, ou a uma determinação do entendimento que se encontra em minha cabeça, pode, certamente, faltar-lhe o ser. Mas isso não deve ser chamado de conceito. O conceito, e, desde logo, o conceito absoluto, o conceito em-si e para-si, o conceito de Deus, deve ser tomado em geral, e esse conceito contém o ser como uma determinidade"^

Deus é esse conceito absoluto, do qual o ser é uma determinidade; contudo, o ser só é uma determinidade do Absoluto, não do conceito/ representação de cem táleres ou de qualquer outra entidade finita. A prova kantiana é inócua, pois, se pretende refutar a prova ontológica, ela o faria negando que a existência pertença à representação de um ser finito, o que não implica, segundo Hegel, negar que a existência seja uma determinidade do conceito de um ser infinito.

A questão repõe-se, todavia, em outros termos; se a prova kantiana é bárbara ( porque é trivial a diferença entre ser e conceito nos

El concepto de religion (tradução espanhola da edição Lasson da seção

"Der Begriff der Religion" das Vorlesungen über die Philosophie der Religion)

seres finitos) por que seria diferente nos seres infinitos? Em simia, cabe a Hegel o ônus de provar que há diferença entre a relação existência - predicado de um ser finito e a relação existência- determinidade do conceito absoluto.

Para resolver essa questão, Hegel retoma a origem do argumento ontológico, mostrando que o ser perfeitíssimo não pode ser simplesmente representação^^^; "Com efeito - escreve Hegel - o perfeito é o que não é simplesmente representado, mas também o que é efetivo. Logo, Deus é, pois ele é perfeito, não somente uma representação, mas, visso que ele é efetividade, a realidade lhe é atribuída"i^

O ser que é de todos o mais perfeito não pode ser reduzido a uma mera representação, pois haveria a possibilidade de pensarmos um mais perfeito ainda, com todas as qualidades do primeiro, somada a existência. Mas poder-se-ia dizer que nem o argumento de Santo Anselmo é ainda satisfatório para Hegel; todos os antecessores deste, presas da filosofia do entendimento, foram incapazes de compreender a necessidade da unidade entre Deus e sua existência.

10 Nesta exposição, sou tributária da análise de Guy-Planty- Bonjour; Le

projet hegelien, "Le mystère de Dieu et l'especulatif.Planty- Bonjour

mostra al que o argumento hegeliano aproximar-se-ia mais da origem do

argumento ontológico, tal como aparece no Proslogium, onde Anselmo

mostra que o ser perfeitíssimo não pode ser apenas representação, sob pena de não ser o ser mais perfeito, visto que poderíamos pensar um mais perfeito ainda, ao qual pertencesse a existência.

Vorlesungen über die Philosophie der Religion, ed. Jaeschke, tomo III,

Hegel proporia, então, uma interpretação especulativa do argumento ontológico, interpretação retomada várias vezes na sua obra: Deus é exatamente a atividade de engendrar essa unidade entre ele mesmo e sua existência; a unidade entre ser e conceito é, portanto, constituída num processo que é a própria vida divina.

Hegel abandonaria o exercício da demonstração lógica, através de um silogismo, tal como fez Descartes. Hegel abandona também a noção de conhecimento divino através da predicação. Planty-Bonjour observa que Hegel, recebendo a tradição dos "Nomes divinos", isto é, a questão das propriedades ou predicados que podem ser atribuídos a Deus, ao mesmo tempo, distingue-se dessa mesma tradição que permanece prisioneira do entendimento: "Hegel vai renunciar à problemática dos nomes divinos e elaborar sua teoria de uma natureza divina que se manifessa ela própria. A teoria da "denominação" de Deus pelos predicados cede lugar à explicação de Deus na sua atividade e vida íntimas"^^ Hegel abandona certamente

uma concepção de Deus como sujeito de predicados típicos dos entes finitos. Essa seria, possivelmente, uma das razões pela qual Planty- Bonjour classifica Hegel como teórico da revelação, visso que a consideração da inaplicabiÜdade de predicamentos típicos dos entes finitos à substância acompanha usualmente a subordinação da razão ã féi3. Hegel endossaria a primeira tese, ainda que não a segunda, o que

12 Planty- Bonjour, op. cit. 159.

13 Sto Agostinho é um exemplo dos que consideram inaplicáveis, ao Ser