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Acções antrópicas directas sobre a biodiversidade terrestre

3. O ESTADO DAS TERRAS

4.5 Estado actual da Biodiversidade

4.5.5 Acções antrópicas directas sobre a biodiversidade terrestre

A depredação da biodiversidade vegetal e animal tem-se manifestado de várias maneiras:

 através do pastoreio livre, assumindo neste processo o gado caprino e bovino

as maiores acções na devastação do coberto vegetal e na degradação de habitats de espécies;

 caça aos animais;

 exploração de lenha e colheita de espécies herbáceas, arbustivas e arbóreas.

A depredação de organismos vivos (vegetais e animais) começou com o povoamento das ilhas. Essa acção teve sempre como finalidade a alimentação do Homem e dos seus animais, cura de doenças, e obtenção de energia doméstica.

A depredação da biodiversidade vegetal processa-se geralmente de duas maneiras: colheita de espécies herbáceas e arbustivas, destinadas à alimentação do gado caprino, bovino e asinino. Muitas espécies vegetais endémicas, nomeadamente, coroa-de-rei (Sonchus daltonii), losna (Artemisia gorgonum), marmolano (Sideroxylon marginata) e língua-de-vaca (Echium sspp.), quase nunca atingem o seu tamanho potencial determinado pela sua constituição genética, devido à pressão humana que constantemente se exerce sobre elas. Essa pressão consiste na realização de cortes frequentes para recolha de lenha, pasto e material para a cura de doenças. Em relação à caça, pode-se exemplificar com a acção depredadora sobre algumas espécies de aves e répteis. De acordo com Hazevoet (1995), a depredação das colónias de avifauna pelo Homem parece ter começado logo após o povoamento das ilhas. As populações de algumas espécies de aves terrestres e marinhas continuam a sofrer nos tempos actuais (2004) algum declínio, devido fundamentalmente às acções de depredação. Essas acções podem ser exemplificadas com a captura em massa da Cagarra (Calonectris edwardsii) pelos pescadores de Santo Antão e S. Nicolau. Embora não se disponha de dados concretos, estima-se, de acordo com informações das comunidades locais, em 7.000-8.000/ano o número de exemplares de Cagarra capturados. Outras espécies de aves marinhas são de igual modo afectadas pelas acções de depredação, algumas de natureza cultural. Os resultados dos inventários sobre Gon-gon (Pterodroma feae), realizados na ilha do Fogo entre 1998 e 2000, apontam para uma diminuição da sua população nessa ilha para 50- 60 casais, devido à acção depredatória dos gatos (Hazevoet, 1999 e Hazevoet et al., 2000). Hartog (1990, in Hazevoet, 1995) presenciou em 1990, a captura de Pedreiro- azul (Puffinus boydi), no ilhéu de Cima, um dos ilhéus do Rombo.

Outro recurso natural cuja depredação conduziu à sua extinção é o lagarto gigante, Macroscincus coctei (Balouet & Alibert, 1989; Barillie & Groombridje, 1996), espécie de réptil endémico de Cabo Verde. Durante o século XIX, a Administração Colonial Portuguesa exilou para o ilhéu Branco os infractores à lei. Admite-se que os exilados tivessem utilizado para a sua alimentação peixes, aves marinhas, bem como capturado répteis, dos quais constaria o Macroscincus coctei (Bocage, 1873, in Hazevoet, 1995). Hazevoet (1995), cita J. da Silva Feijó que deu conta da utilização da pele de Macroscincus coctei (pelos habitantes das ilhas vizinhas) para o fabrico de sapatos. Alexander (1898a, citado por Hazevoet, 1995) ainda em 1897, encontrou esse réptil nos ilhéus Raso e Branco. Em 1912, Friedlaender (1913- citado por Hazevoet, 1995), considerou-o uma espécie muito rara para o ilhéu Raso. Nos ilhéus Branco e Raso, por exemplo, havia ainda nos fins do século XIX, exemplares de Macroscincus coctei. Ainda no que diz respeito à depredação de

répteis terrestres, realça-se a caça de mais meia centena de exemplares de répteis pertencentes ao género Mabuya, vulgarmente conhecidos por lagartixas, por uma determinada sociedade estrangeira em 1992 (Gomes, 1992). Esses répteis foram posteriormente transportados para o estrangeiro, provavelmente para fins comerciais.

Sobrepastoreio

As estatísticas da Direcção Geral da Agricultura, Silvicultura e Pecuária (DGASP), que constam de alguns documentos oficiais (Biodiversidade Terrestre e Pressão Antrópica sobre a Biodiversidade) explicam a evolução do sector da pecuária e a sua repercussão sobre a vegetação natural. Os números apontados nesses documentos, 16.262 cabeças de gado bovino, 123.745 cabeças de gado caprino, 3.734 cabeças de gado ovino, 12.859 cabeças de gado asinino, 359 equinos e 1.554 muares, totalizando 158.513 cabeças de gado herbívoro, explicam o desequilíbrio entre a carga do campo e a pecuária. Com efeito, o deficit da produção do pasto tem sido uma constante e com uma média de produção de 23.041 toneladas, de 1985 a 1995. O efectivo pecuário de 1995 apontava para a existência de 112.300 cabeças de caprinos, 21.800 cabeças de bovinos, 9.200 cabeças de ovinos, 70.000 cabeças de suínos, 14.000 cabeças de equinos, asininos e muares e 417.300 cabeças de aves (regime de exploração industrial e semi-industrial). Verifica-se, entre 1995 e 2004 , um aumento dos efectivos de caprinos, bovinos, e ovinos, como indica o quadro 8.3, de 112.300 para 161.819, 21.800 para 24.496, 21.800 para 13.228 cabeças, respectivamente.

Realça-se que os criadores de gado continuam ainda em 2004 a não ter poder de compra para aquisição de rações tendo que recorrer a qualquer vegetação que estiver disponível, desde que seja palatável. Condicionalismos deste tipo continuam, nos tempos actuais a acontecer com os criadores das diferentes ilhas. São dignos de realce os casos de Tope de coroa em Santo Antão, cujo pastoreio livre provocou a destruição total de toda a vegetação palatável (INIDA, 2004) e da ilha do Fogo, cujos criadores de gado têm aproveitado alguns endemismos considerados em perigo de extinção como Sonchus daltonii para alimentarem o gado vacum (observações feitas aquando de visitas de campo na ilha do Fogo, 1993-2004).

Outras espécies endémicas, nomeadamente, Aipo-de-rocha (Lavandula rotundifolia), as três espécies de Língua-de-vaca (Echium spp.), consideradas em perigo de extinção e vulneráveis, respectivamente, vêm sendo irracionalmente utilizadas nas ilhas de Santiago, Santo Antão e S. Nicolau para a alimentação do gado caprino, contribuindo assim para o agravamento da situação.

Continua a ser necessário encontrar alternativas viáveis para a alimentação do gado de modo a evitar o sobre-pastoreio e a destruição de vegetação natural.

Corte de lenha

A forte procura de lenha para as necessidades domésticas conduz à progressiva destruição da cobertura vegetal com reflexos na erosão da biodiversidade.

Espécies antes existentes , referidas por vários autores, (Malvaísco, Cola, Cortiça, Favoteira, Jamboia e outras), já não existem ou são muito raras em Cabo Verde. Outras espécies arbóreas e arbustivas como Espinheiro-branco (Acacia albida), Figueira-brabo (Ficus sycomorus subsp. gnaphalocarpa), Tarafe (Tamarix senegalensis), da vegetação indígena, Marmolano (Sideroxylon marginata), Língua-

de-vaca-de-Fogo (Echium vulcanorum), Língua-de-vaca (Echium hypertropicum) e Tortolho (Euphorbia tuckeyana), pertencentes à vegetação indígena vêm sendo, desde o povoamento das ilhas, sobreexploradas, como fonte de energia, sobretudo no meio rural.

4.5.5.1 Colheita insustentável de materiais biológicos

Dezenas de cientistas e naturalistas visitaram desde o século XVI, até ao presente, as ilhas de Cabo Verde. Sabe-se, através da literatura, que quase todos levaram das ilhas visitadas, material biológico. A nível da vegetação, conhecem-se folhas de herbário de plantas endémicas e indígenas de Cabo Verde em diversos países. Muitas dessas espécies colhidas estão actualmente em perigo crítico ou se extinguiram. Em relação à colheita de material biológico de origem animal, pode-se exemplificar com a colheita de exemplares de répteis, mais concretamente Macroscincus coctei (Lagarto gigante de Cabo Verde com cerca de 60 cm de comprimento, já extinto). Se se quantificar os colectores que fizeram recolhas dessa espécie em Cabo Verde (Troschel em 1875: Bocaje 1896, Peracca 1891; Schiaretti 1891; Jamrack 1891; Green 1976 etc) e os exemplares existentes em vários Museus do mundo como por exemplo na Itália (Turin, Genoae e Florence - com 26 exemplares) em Londres (London Zoo, Natural History Museum of London) e em Portugal, e 45 exemplares importados no fim do século XIX ou seja, no Verão de 1891, pelo Sr. M. G. Peracca, poder-se-à concluir que a extinção dessa espécie se deve, em parte, à colheita desregrada de exemplares da espécie.