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As respostas da sociedade às pressões nos recursos hídricos e águas

6. O ESTADO DOS RECURSOS HIDRICOS

6.10 As respostas da sociedade às pressões nos recursos hídricos e águas

Recursos hídricos

A questão da participação da sociedade no domínio dos recursos hídricos merece particular atenção. A indissociabilidade do solo e da água está presente em todas as actividades humanas. Não existe ocupação do solo sem recurso à água, por diminuta que seja, e não é possível recorrer a esta sem uma referenciação territorial. A consciencialização da importância da água na vida humana e a defesa dos recursos hídricos poderão articular-se caso haja um empenho na tarefa de incentivar a efectiva participação dos cidadãos na gestão de todos os recursos naturais.

As normas que regulamentaram a apropriação exclusiva e absoluta da terra arrastaram consigo o elemento indissociável da estrutura da produção agrícola que é a água. Justifica-se assim a utilização exclusiva e absoluta da água, isto é, o direito de utilizar a água a seu grado, poluindo-a ou desperdiçando-a.

A legislação cabo-verdiana declara claramente que o direito à terra não confere posse sobre a água. No entanto, esta noção não é bem interiorizada seja por desconhecimento da lei, seja por falta de informação ou por razões culturais. Essa atitude muitas vezes gera conflitos, sobretudo, quando a captação (poço, furo ou galeria), para fins públicos, fica dentro da propriedade de um privado. Em situações em que se consegue captar água em quantidades suficientes para satisfazer tanto o interesse público como o privado, a situação é normalmente pacífica. Mas, as situações de conflito, por exemplo, entre a utilização agrícola e o abastecimento em água potável devido a uma manifesta falta de recurso para atender às diferentes utilizações, nem sempre são de fácil resolução.

Outra situação que normalmente gera conflitos tem lugar quando a água de uma nascente percorre vários terrenos confinantes. Em Santo Antão, os próprios interessados organizaram um sistema de gestão partilhada da água que funciona com alguma eficiência. Contudo, nas outras ilhas, não raras vezes, a administração é chamada para resolver conflitos.

A gestão da água num furo que serve vários fins (agricultores e abastecimento de água potável) nem sempre é pacífica. Quando a área a irrigar é superior às disponibilidades hídricas, geram-se situações que só conseguem ser resolvidas com a intervenção judicial.

O progressivo aumenta da procura de água, em consequência do crescimento dos consumos e da diversificação das utilizações, tem ocasionado localmente situações de carência. Isso obriga a que se tenha que recorrer à procura da água a distâncias cada vez mais longínquas, gerando-se muitas vezes conflitos, nem sempre pacíficos, entre o meio rural e o meio urbano e entre um concelho e outro.

O crescimento do consumo não acompanhado do crescimento da oferta de recursos tem sido um factor gerador de conflitos e de degradação da qualidade da água. Na realidade, o avanço da intrusão salina é provocado pela sobre-exploração de aquíferos costeiros, que tem como causa principal a proliferação de poços não autorizados. As descontroladas explorações dos poços a jusante tornam a água imprópria para utilizações agrícolas a jusante e a montante.

Torna-se pois claro inferir que, quando o desenvolvimento atingir determinados padrões e as necessidades de água presentes e futuras se aproximarem ou ultrapassarem as disponibilidades, e as utilizações da água se tornarem mais competitivas entre si, as soluções dos problemas tornar-se-ão muito mais complexas.

Tornar-se-à assim, inadiável, a necessidade de dispor de quadros de referência que imponham critérios para uma resolução harmónica de conflitos existentes, ou seja, de dispor de um Plano Nacional de Recursos Hídricos, elaborado numa perspectiva de planeamento a longo prazo e à escala nacional.

Uma outra conclusão à qual se poderia chegar é que a eficiência na utilização da água é prejudicada pela propriedade particular da água. Assim, esta propriedade deverá tender, com o tempo, a desaparecer, ficando qualquer utilização da água dependente de autorização do Estado. É certo que para a utilização da água está institucionalizado o sistema de concessão e de licença. Mas este sistema só funciona relativamente bem para as águas captadas a partir de infra-estruturas hidráulicas públicas. Nessas situações, a apropriação com direitos a utilização exclusiva da água é feita mediante critérios bem definidos, ao qual se poderia chamar de utilização benéfica da água. Mas na maioria dos casos, a água apropriada para utilização com direitos exclusivos é feita sem qualquer tipo de licença ou autorização.

Pode-se afirmar que, em Cabo Verde, a carência de água em quantidade e qualidade é um indicador de pobreza. As famílias pobres têm, em geral, menos de 15 litros de água por dia, vivendo cerca de 35% da população a mais de 1 km do ponto de abastecimento de água. Isso obriga as pessoas, sobretudo as mulheres e crianças, a disponibilizarem uma parte considerável do seu tempo na procura de água. A pobreza também é responsável por práticas da população que provocam danos à quantidade e qualidade da água: destruição do coberto vegetal, apanha de areia nas praias, aumento da erosão dos solos e outros.

O abastecimento de água nas zonas urbanas não é contínuo, e em geral as comunidades recebem uma hora de água por dia através da rede pública. Desta forma, as famílias são obrigadas a conservar quantidades consideráveis de água em casa, em geral em condições precárias. Este facto, em conjunto com fracos hábitos de higiene e a necessidade de economizar a água ao máximo, aumenta o risco da contaminação das águas domésticas.

O custo da água é também um factor inibidor do consumo de água potável. Não raras vezes as populações dispõem de infra-estruturas públicas de abastecimento de água mas preferem abastecer-se em levadas, poços abertos e outras fontes tradicionais onde a qualidade da água é duvidosa. Em contrapartida a utilização da água é gratuita. Isso de certa forma está ligado também a uma deficiente educação sanitária. As populações nem sempre relacionam a qualidade da água com doenças do tipo diarreia, cólera, poliomielite e outras.

Com todos os constrangimentos com os quais a população rural confronta para se abastecer em água potável, é evidente que é escusado falar-se de poupança de água no meio rural para fins de abastecimento, na medida em que eles, melhor do que ninguém, conhecem o custo do acesso a uma lata de água. Há sim, um déficit de conhecimentos sobre a qualidade da água e os problemas associados ao consumo da água de má qualidade.

No meio urbano, as populações têm uma noção clara da carência de água. Contudo, há muitos comportamentos que não se coadunam com a situação de carência de água, reservatórios nos terraços que vazam água, lavagens de carros com água potável, etc. Há que incentivar hábitos de poupança e racionalização da utilização da água no meio urbano.

As populações normalmente não participam nas operações de manutenção das infra-estruturas de abastecimento de água. Nos sistemas de abastecimento de água no meio rural, existe um vendedor/vendedeira de água cuja principal tarefa é a cobrança de uma tarifa de água e a limpeza do local. Algumas vezes realizam pequenos reparos e procedem à cloração da água. O vendedor/vendedeira é remunerado pelo fornecimento de tais serviços.

De acordo com estudos elaborados na ilha de Santiago no quadro da cooperação japonesa, a maioria da população não está satisfeita com as actuais condições de abastecimento de água. Torna-se pois, fundamental que os programas de abastecimento de água e saneamento ambiental estejam mais dirigidos ao atendimento das necessidades das populações. Isso passa pela geração, comunicação e aplicação de informações sobre aspectos prioritários e, cada vez mais, através de capacitação para a execução de serviços de apoio e de gestão de informação ao nível do país.

De realçar que já existem projectos ligados à gestão dos recursos hídricos, com componentes de animação, sensibilização e educação sanitária das populações, objectivando que os sistemas de abastecimento de água e saneamento no meio rural e áreas semi-urbanas funcionem com uma maior participação comunitária. Por tudo o que atrás foi dito, conclui-se que há necessidade de um diálogo permanente sobre a problemática dos recursos hídricos e a participação comunitária, que depende em grande parte das motivações da população. Quando a comunidade reconhece as suas necessidades e sente que elas podem ser satisfeitas, a sua motivação para a participação é maior.

A participação da sociedade civil na definição da política de gestão dos recursos hídricos encontra-se ainda numa fase muito incipiente. Há que promover a participação da sociedade civil na promoção dos progressos do conhecimento e o estudo e discussão dos problemas relativos aos recursos hídricos, fomentar a cooperação das entidades interessadas na criação de estruturas e de meios

adequados à resolução dos problemas dos recursos hídricos e apoiar acções destinadas a difundir os conceitos básicos de uma política adequada à gestão dos recursos hídricos. O Código da Água é bastante claro neste aspecto: “… há que assegurar a participação dos utilizadores da água a diversos níveis como forma de assegurar a sua sensibilização e um apoio que tende a transformar a problemática da água em parte da cultura nacional através da consciencialização de que, do desenvolvimento, conservação, aproveitamento e maior poupança dos nossos recursos hídricos dependerá o desenvolvimento económico-social do país e o futuro do nosso povo”.

Foi elaborado em 2003, o Plano Ambiental Inter-Sectorial (PAIS), Ambiental e Gestão de Recursos Hídricos. Este plano baseou-se nas questões inerentes aos Recursos Hídricos, com o objectivo de diagnosticar o sector, nas suas diversas vertentes. Este exercício realçou os programas- projectos que vêm sendo elaborados, definindo as orientações e prioridades de intervenção futuras. As acções identificadas deverão ter uma forte componente participativa e promover a responsabilização de todos os actores e instituições envolvidos.

Águas marítimas

Os problemas relacionados com a poluição marinha e costeira em Cabo Verde não podem ainda ser classificados de graves, o que de certa forma justifica uma certa apatia da sociedade civil para a problemática das águas marítimas e zonas costeiras.

O parque industrial ainda é bastante reduzido e os efluentes descarregados no mar não constituem cargas poluentes consideráveis quer pela sua natureza quer pela sua quantidade.

A taxa de cobertura da população através de esgotos é ainda diminuta, pelo que a carga poluente de origem doméstica é, por conseguinte, de nível aceitável. Ainda assim, o efluente da cidade da Praia, que é o único descarregado directamente no mar, sofre um tratamento primário, antes da rejeição.

O turismo poderá representar a um prazo médio uma forte pressão sobre a zona costeira. De momento, Cabo Verde encontra-se na fase de infra-estruturação das ilhas e zonas com maiores perspectivas turísticas, e a taxa de exploração é ainda muito reduzida.

As consequências advenientes da actividade portuária e do tráfego marítimo nacional e internacional, conforme se referiu anteriormente, ultrapassam o nosso controlo tendo em conta a falta de infra-estruturas próprias para pôr cobro aos seus efeitos nefastos.

A apanha ilegal da areia constitui um verdadeiro problema, tendo em conta o número de pessoas e actividades que se encontram envolvidas nessa problemática: as mulheres da apanha, os camionistas, os construtores, etc. Embora se tenha feito recurso, recentemente, à dragagem da areia do fundo do mar para cobrir as necessidades, continua ainda alguma tensão relativamente aos efeitos a longo prazo dessa actividade. Alguns sectores da população julgam que a exploração por dragagem pode trazer efeitos nefastos para a ilha do Maio.

Uma vez que a actividade da apanha da areia é feita, na generalidade, por pessoas pobres e carenciadas, uma forma de contornar o problema é através da criação de actividades geradoras de rendimentos.