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3 CRIMINALIZAÇÃO DA HOMOFOBIA E DA TRANSFOBIA

3.3 EQUIPARAÇÃO DA HOMOTRANSFOBIA AO CRIME DE RACISMO

3.3.12 Acórdão da ADO 26

Diante de todos os votos suscitados pelos Ministros do Supremo Tribunal Federal, por uma maioria de 10 (dez) votos contra 01 (um), o Plenário da Corte Constitucional reconheceu a mora inconstitucional do Congresso Nacional ao não legislar sobre as formas de homotransfobia. Ainda, por 08 (oito) votos contra 03 (três), o Colegiado do STF entendeu que tanto a discriminação contra homossexuais, quanto àquela contra transexuais, enquadram-se no artigo 20 da Lei nº 7.716/1989 (Lei do Antirracismo), a qual criminaliza o “racismo”. De acordo com o acórdão, foram firmadas as seguintes teses:

Até que sobrevenha lei emanada do Congresso Nacional destinada a implementar os mandados de criminalização definidos nos incisos XLI e XLII do art. 5º da Constituição da República, as condutas homofóbicas e transfóbicas, reais ou supostas, que envolvem aversão odiosa à orientação sexual ou à identidade de gênero de alguém, por traduzirem expressões de racismo, compreendido este em sua dimensão social, ajustam-se, por identidade de razão e mediante adequação típica, aos preceitos primários de incriminação definidos na Lei nº 7.716, de 08/01/1989, constituindo, também, na hipótese de homicídio doloso, circunstância que o qualifica, por configurar motivo torpe (Código Penal, art. 121, § 2º, I, “in fine”) [...] Os integrantes do grupo LGBTI+, como qualquer outra pessoa, nascem iguais em dignidade e direitos e possuem igual capacidade de autodeterminação quanto às suas escolhas pessoais em matéria afetiva e amorosa, especialmente no que concerne à sua vivência homoerótica. Ninguém, sob a égide de uma ordem democrática justa, pode ser privado de seus direitos (entre os quais o direito à busca da felicidade e o direito à igualdade de tratamento que a Constituição e as leis da República dispensam às pessoas em geral) ou sofrer qualquer restrição em sua esfera jurídica em razão de sua orientação sexual ou de sua identidade de gênero! [...] O conceito de racismo, compreendido em sua dimensão social, projeta-se para além de aspectos estritamente biológicos ou fenotípicos, pois resulta, enquanto manifestação de poder, de uma construção de índole histórico-cultural motivada pelo objetivo de justificar a desigualdade e destinada ao controle ideológico, à dominação política, à subjugação social e à negação da alteridade, da dignidade e da humanidade daqueles que, por integrarem grupo vulnerável (LGBTI+) e por não pertencerem ao estamento que detém posição de hegemonia em uma dada estrutura social, são considerados estranhos e diferentes, degradados à condição de marginais do ordenamento jurídico, expostos, em consequência de odiosa inferiorização e de perversa estigmatização, a uma injusta e lesiva situação de exclusão do sistema geral de proteção do direito.69

69 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO) 26, rel. Min. Celso de Mello, j. em 13.06.2019, p. 05/06. Disponível em:

Ademais, fora salientado no acórdão que a repressão à prática da homotransfobia não alcança, tampouco restringe, menos ainda limita o preceito fundamental do exercício de liberdade religiosa, tendo em vista que os líderes e os fiéis podem pregar livremente as suas convicções que estão de acordo com os seus códigos ou livros sagrados, dentre outras particularidades relacionadas a isto.

Contudo, fora ressalvado que as manifestações religiosas em questão não podem configurar “discurso de ódio”, quais sejam as incitações exteriorizadas de discriminação, hostilidade ou violência contra elementos LGBT por sua orientação sexual ou identidade de gênero.

No mesmo sentido, asseverou-se que a conceituação ampla de racismo, quando focalizada em sua dimensão social, projeta-se para além de aspectos estritamente biológicos ou fenotípicos, uma vez que ocasiona, enquanto manifestação de poder, uma construção de índole histórico-cultural para respaldar a desigualdade “ao controle ideológico, à dominação política, à subjugação social e à negação da alteridade, da dignidade e da humanidade daqueles que, por integrarem grupo vulnerável (LGBTI+)”70, postos assim à marginalização destes indivíduos.

Destarte, pela maioria dos votos em questão, conforme supramencionado, fora julgada procedente, com eficácia geral e efeito vinculante, a ADO 26, para o fim de:

a) reconhecer o estado de mora inconstitucional do Congresso Nacional na implementação da prestação legislativa destinada a cumprir o mandado de incriminação a que se referem os incisos XLI e XLII do art. 5º da Constituição, para efeito de proteção penal aos integrantes do grupo LGBTI+; b) declarar, em consequência, a existência de omissão normativa inconstitucional do Poder Legislativo da União; c) cientificar o Congresso Nacional, para os fins e efeitos a que se refere o art. 103, § 2º, da Constituição c/c o art. 12-H, “caput”, da Lei nº 9.868/99; d) dar interpretação conforme à Constituição, em face dos mandados constitucionais de incriminação inscritos nos incisos XLI e XLII do art. 5º da Carta Política, para enquadrar a homofobia e a transfobia, qualquer que seja a forma de sua manifestação, nos diversos tipos penais definidos na Lei nº 7.716/89, até que sobrevenha legislação autônoma, editada pelo Congresso Nacional, seja por considerar-se, nos termos deste voto, que as práticas homotransfóbicas qualificam-se como espécies do gênero racismo, na dimensão de racismo social consagrada pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento plenário do HC 82.424/RS (caso Ellwanger), na medida em que tais condutas importam em atos de segregação que inferiorizam membros

http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/ADO26ementaassinada.pdf. Acesso em 02 de dezembro de 2020.

70 Ibid. p. 10/11.

integrantes do grupo LGBTI+, em razão de sua orientação sexual ou de sua identidade de gênero, seja, ainda, porque tais comportamentos de homotransfobia ajustam-se ao conceito de atos de discriminação e de ofensa a direitos e liberdades fundamentais daqueles que compõem o grupo vulnerável em questão; e e) declarar que os efeitos da interpretação conforme a que se refere a alínea “d” somente se aplicarão a partir da data em que se concluir o presente julgamento, nos termos do voto do Relator, vencidos os Ministros Ricardo Lewandowski e Dias Toffoli (Presidente), que julgavam parcialmente procedente a ação, e o Ministro Marco Aurélio, que a julgava improcedente.71

Por derradeiro, em data de 13 de junho de 2019, a Corte Constitucional permitiu a criminalização de declarações e condutas de cunhos homofóbico e transfóbico, conjuntura então em que o Brasil se tornou 43º país a reconhecer tais comportamentos como delituosos. Ressalta-se que o Supremo Tribunal Federal não julgou procedentes todos os pedidos contidos nas ações, uma vez que a rogativa de fixação de prazo para que o Congresso Nacional aprovasse uma lei específica para o tema não foi atendido.

71 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO) 26, rel. Min. Celso de Mello, j. em 13.06.2019, p. 12. Disponível em:

http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/ADO26ementaassinada.pdf. Acesso em 02 de dezembro de 2020.

4 CRIMINALIZAÇÃO DA HOMOFOBIA E TRANSFOBIA FRENTE AOS PRINCÍPIOS DO DIREITO PENAL

Haja vista a criminalização da homofobia e transfobia pelo Supremo Tribunal Federal, é substancialmente relevante analisar o julgamento daquela reconhecida omissão inconstitucional pelo Congresso Nacional, sob o âmbito de alguns princípios categóricos do Direito Penal. De acordo com Miguel Reale:

princípios são enunciações normativas de valor genérico, que condicionam e orientam a compreensão do ordenamento jurídico, a aplicação e integração ou mesmo para a elaboração de novas normas. São verdades fundantes de um sistema de conhecimento, como tais admitidas, por serem evidentes ou por terem sido comprovadas, mas também por motivos de ordem prática de caráter operacional, isto é, como pressupostos exigidos pelas necessidades da pesquisa e da práxis.72

Desta forma, é claramente possível inferir que os princípios do Direito Penal formam a inspiração da norma penal, sob o escopo de instruir o Legislador e os julgadores sobre os seus motivos, seja na elaboração de leis ou na redação de decisões e julgados. Até mesmo porque os princípios são categorizados pela prioridade na interpretação e criação de leis, uma vez que fornece os ditames e os limites das normas, inclusive no Direito Penal. Por assim explicar, não há outro entendimento, se não o de que é preferível que a regra escrita seja violada do que o princípio que norteia todo o sistema jurídico brasileiro naquela esfera.

Além disso, é preciso haver coesão lógico, harmonia interpretativa e a uniformização de entendimentos para que assim possam ser originados os princípios, os quais ainda são uma fonte do Direito Brasileiro. Diante disso, é de caráter imperativo que os operadores do Direito, como por exemplo o Supremo Tribunal Federal, devem sempre emergir a sua interpretação nos princípios, uma vez que estes devem se adequar ao caso pragmático.

Neste ponto, é impreterível ressaltar que a esfera penal possui uma noção principiológica cabal, sendo que as leis, bem como os julgados, ambos de matéria criminal, devem obedecer fielmente aos princípios próprios em questão. Dessa forma, torna-se um dever realizar a interpretação dos votos e do acórdão do julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão nº 26 e do Mandado de Injunção nº 4733, sob a luz dos princípios do Direito Penal. Isto porque

72 REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito. 27ª ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p 37.

se pretende formar uma posição sobre a criminalização da homofobia e transfobia, equiparada à Lei de Antirracismo (Lei nº 7.716/1989), com fundamentos técnicos sobre a matéria.