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2 HOMOFOBIA E TRANSFOBIA

2.2 HOMOFOBIA, TRANSFOBIA E MOVIMENTO LGBT NO BRASIL

Da mesma forma que em grande parte dos países ocidentais, a homossexualidade e a transexualidade ainda são enxergadas pela sociedade brasileira como algo abjeto, devendo ser “desestimuladas” ou até mesmo

“erradicadas”. Isto porque, conforme explicado anteriormente, é forte a tradição judaico-cristã no Brasil, a qual influencia diretamente nos discursos homofóbico e transfóbico em graus variados. Desta forma, necessário fazer um apanhado genérico sobre o processo histórico brasileiro, para que se possa chegar a uma conclusão mínima sobre como a população LGBT vem sendo tratada e visualizada nacionalmente, desde os primórdios até a atualidade.

Durante os três primeiros séculos da história do Brasil, a homossexualidade era denominada e tachada como uma atitude abominável e nefando o pecado da sodomia, bem como crime equiparado ao regicídio e à traição nacional, com pena de igual rigor. Ademais, salienta-se que a relação homoafetiva e/ou qualquer conduta homossexual eram consideradas como antissociais e que ofereciam ameaça significativa ao meio social, razão pela qual eram mais censuradas que o estupro, violência contra menores, canibalismo e matricídio. Destarte, por durante todo este período supracitado, os homens gays de outrora, alcunhados como “fanchonos”, foram oprimidos e sofreram intolerância crítica pelo Rei, do Bispo e da Santa Inquisição.25

Segundo os ensinamentos do escritor e jornalista João Silvério Trevisan, ao longo do século XIX, a abordagem que se dava às pessoas que eram classificadas como desviantes era similar ao da Europa. Diante disso, a medicina foi a pioneira em realizar pesquisas científicas sobre as intituladas “perversões sexuais”, incluindo a homossexualidade, sendo que os magistrados de Direito Penal alertavam sobre esta situação, com fundamento em estudos psiquiátricos.26 Até mesmo porque a psiquiatria da época relacionava a homossexualidade a uma inversão congênita ou psíquica, isto é, também como fator categorizador da identidade.27 Entretanto, mesmo com a extrema falta de informação, fora promulgado o Código Penal do

25 MOTT, Luis. Homo-afetividade e Direitos Humanos. Florianópolis: Revista Estudos Feministas, 2006, p. 511-512. Disponível em: https://www.scielo.br/pdf/ref/v14n2/a11v14n2.pdf. Acesso em 02 de outubro de 2020.

26 TREVISAN, João Silvério. Devassos no paraíso: a homossexualidade no Brasil, da colônia á atualidade. Ed. revisada e ampliada. 7ª. Ed. Rio de Janeiro: Recorde, 2007, p. 177-184.

27 Ibid., p. 179.

Império em 1830, conjuntura em que a categorizada “sodomia” deixou de ser considerada um crime no Brasil.

Em contrapartida, ainda era visualizada uma significativa repressão aos indivíduos LGBT, haja vista os preconceitos internalizados e muitas vezes externalizados no contexto social brasileiro. Destarte, de total relevância demarcar que o movimento em defesa dos direitos das pessoas lésbicas, gays, bissexuais e transexuais iniciou sua trajetória durante a vigência do Regime Militar, funcionando como uma forma de resistência à ideologia conservadora majoritária à época.28 Ato decorrente, no ano de 1978, fora criado o grupo Somos – Grupo de Afirmação Homossexual, na cidade de São Paulo, o que veio a ser reconhecido pela historiografia como marco fundador da militância gay no país, uma vez que buscava uma maior visibilidade aos direitos dos indivíduos LGBT.

Neste ponto, ressalta-se a sistemática do jornalismo em vincular a epidemia do vírus HIV/AIDS com a homossexualidade, o que demonstra o preconceito enraizado nas demarcações do país:

A nota de conjuntura 'Sobre a (homo)sexualidade nos meios de comunicação (1980-2010)', de Alexandre Sebastião Ferrari Soares, trata do lugar do jornalismo, especialmente, como instância semantizadora das identidades homossexuais em suas conexões com a epidemia de HIV/aids.

Entre continuidades e descontinuidades, os discursos sobre o vínculo entre a doença e a homossexualidade contam, recorrentemente, com aspectos implícitos, pré-construídos por meio de elementos citados e relatados, em remissões e retomadas. Esse processo reforça ideologias, representações e posições de sujeitos, mas, como bem mostra Soares, faz parte de um processo de movimentos de luta e contestação. No texto, o pesquisador aborda a relação entre a homossexualidade e a imprensa no Brasil, levando em consideração as conclusões que um analista do discurso pode oferecer para a sociedade, ao repensar a memória de sentidos causados pelas palavras ‘homossexualismo’ e ‘homossexualidade’, e já anunciando que as noções de produção e sentidos da memória se tornam indispensáveis para a construção e significação das identidades.29

Em resistência a isto, os primeiros passos do recentemente intitulado

“Movimento LGBT” buscavam uma visibilidade a ser compreendida como um dos elementos fundamentais para a conquista da cidadania, tendo em vista que os

“grupos militantes passam a defender que os direitos políticos, sociais e civis só se tornam legítimos socialmente para os cidadãos quando são perpassadas pelo direito

28 GREEN, J.; QUINALHA, R. (org.). Ditadura e homossexualidades: repressão, resistência e busca pela verdade. São Carlos: Edufscar; 2014.

29 FERREIRA, Vinícius; SACRAMENTO, Igor. Movimento LGBT no Brasil: violências, memórias e lutas. Fiocruz, 2019, p. 235-236.

à comunicação”30. Inclusive, em seu primeiro ato público, o grupo Somos, cujo se chamava “Núcleo de Ação pelos Direitos dos Homossexuais” na época, enviou uma carta em sinal de protesto ao sindicato dos jornalistas em que se criticava a maneira de a imprensa tratar os homossexuais.31 Em virtude a este estopim, desenrolaram-se inúmeros outros grupos ligados ao movimento homosdesenrolaram-sexual no Brasil, os quais possuíam pautas diversificadas.

Tendo em vista as incessantes lutas políticas da população LGBT brasileira ao longo do tempo, ocorreram inúmeros avanços significativos, cujos tiveram impacto direto na guarida desta. Neste momento, refere-se notavelmente às posições do Conselho Federal de Medicina (CFM) em 1985, o qual retirou a homossexualidade do rol de patologias, e do Conselho Federal de Psicologia (CFP) no ano de 1999, conjuntura em que foi estabelecido que os psicólogos deverão atuar de método a não discriminar, bem como contribuir para uma reflexão sobre o preconceito e não exercendo qualquer ação que favoreça à patologização de comportamentos ou práticas homoeróticas, dentre outras exigências éticas.32

Também, o Supremo Tribunal Federal (STF) julgou a Ação Direita de Inconstitucionalidade (ADI) nº 4.277 e a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 13233, ocasião em que reconheceram a união estável para casais homoafetivos. Nesta conjuntura, os ministros da Corte entenderam pela procedência das ações e com efeito vinculante, no sentido de firmar o entendimento conforme a Constituição Federal de 1988, excluindo assim qualquer significado do artigo 1.723 do Código Civil que anteparasse o reconhecimento da união estável entre pessoas do mesmo sexo como entidade familiar. Consonantemente e com fundamento na decisão judicial, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) editou a

30 FERREIRA; SACRAMENTO, 2019, p. 236.

31 MACRAE, Edward. A construção da igualdade: política e identidade homossexual no Brasil da

“abertura”. Salvador: EDUFBA; 2018.

32 BRASIL. Conselho Federal de Medicina. Resolução CFP nº 001/99, de 22 de março de 1999.

Estabelece normas de atuação para os psicólogos em relação à questão da Orientação Sexual.

Disponível em: https://site.cfp.org.br/wp-content/uploads/1999/03/resolucao1999_1.pdf. Acesso em 30 de abril de 2021.

33 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4277 e Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 132, rel. Min. Ayres Britto, j. em 05.05.2011. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/arquivo_artigo/art20111018-02.pdf. Acesso em 30 de abril de 2021.

Resolução nº 175/2013, circunstância em que obrigava os cartórios a realizarem casamento entre casais de pessoas do mesmo sexo. 34

Igualmente, é imperioso salientar a Resolução nº 01/2018 do Conselho Federal de Psicologia35, a qual proibiu os psicólogos de tratarem a transexualidade como doença ou anomalia, devendo os profissionais da área contribuir para a eliminação da transfobia e demais formas de preconceito. Da mesma forma, o Decreto nº 9.278/201836 sancionado pelo ex-presidente da República Michel Temer, permitiu às pessoas transgêneros que pudessem ter seus nomes sociais abrangidos na Carteira de Identidade sem grandes burocracias, mesmo que com os nomes de registro ainda redigidos no documento. Reafirmando tal posicionamento, o Supremo Tribunal Federal, no dia 01 de março do mesmo ano, julgou a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 4.275, ocasião em que a maioria dos ministros entendeu pela possibilidade de pessoas transexuais alterarem o nome e o gênero no registro civil sem a necessidade de decisão judicial neste sentido ou cirurgia de redesignação sexual, com fundamento nos preceitos e princípios constitucionais vigentes no território brasileiro.37 divulgado nesta sexta-feira (17). Segundo a entidade, foram 126 homicídios e 15 suicídios, o que representa a média de uma morte a cada 23 horas. O

34 BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Resolução CNJ nº 175, de 14 de maio de 2013. Dispõe sobre a habilitação, celebração de casamento civil, ou de conversão de união estável em casamento,

entre pessoas do mesmo sexo. Disponível em:

https://atos.cnj.jus.br/files/resolucao_175_14052013_16052013105518.pdf. Acesso em 30 de abril de 2021.

35 BRASIL. Conselho Federal de Psicologia. Resolução CFP nº 01/2018, de 29 de janeiro de 2018.

Estabelece normas de atuação para as psicólogas e os psicólogos em relação às pessoas transexuais e travestis. Disponível em: https://site.cfp.org.br/wp-content/uploads/2018/01/Resolu%C3%A7%C3%A3o-CFP-01-2018.pdf. Acesso em 30 de abril de 2021.

36 BRASIL. Decreto nº 9.278/2018, de 05 de fevereiro de 2018. Regulamenta a Lei nº 7.116, de 29 de agosto de 1983, que assegura validade nacional às Carteiras de Identidade e regula sua expedição. Brasília. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2018/decreto/D9278.htm#:~:text=DECRETO%20N%C2%BA%209.278%2C%20DE%205,Identid ade%20e%20regula%20sua%20expedi%C3%A7%C3%A3o. Acesso em 30 de abril de 2021.

37 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4.275, rel. Min.

Marco Aurélio, j. em 01.03.2018. Disponível em:

http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=749297200. Acesso em 30 de abril de 2021.

número representa uma queda de 8% em comparação ao mesmo período de 2018, quando foram registradas 153 mortes (111 homicídios e 42 suicídios). Apesar de uma queda do número geral, houve um aumento de 14% do número de homicídios, de 111 para 126. [...] Os casos levantados são como o de Larissa Rodrigues da Silva, uma transexual de 21 anos que foi morta a pauladas no dia 4 deste mês em um bairro nobre de São Paulo.

Um homem foi preso suspeito do homicídio.38

Bem como foi divulgado relatório em que é apontado o Brasil como o país que continua sendo o que mais mata travestis e transexuais no mundo, bem como passou da posição 55º de 2018 para 68º em 2019 no ranking de países seguros para a população LGBT. Ainda, noticiou-se que, no ano de 2019, foram confirmadas informações de 124 homicídios de pessoas transgênero, sendo 121 travestis e mulheres transexuais e três homens trans.39 Isto posto, é possível visualizar que o Brasil continua sendo um país perigoso para estes indivíduos, haja vista a quantia exacerbada de crimes graves contra as pessoas LGBT, incentivada pelos discursos homofóbico e transfóbico no país.

38 SOUSA, Viviane; ARCOVERDE, Léo. Brasil registra uma morte por homofobia a cada 23 horas, aponta entidade LGBT. G1 e Globonews. 17 de maio de 2019. Disponível em:

https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/2019/05/17/brasil-registra-uma-morte-por-homofobia-a-cada-23-horas-aponta-entidade-lgbt.ghtml. Acesso em 05 de outubro de 2020.

39 PUTTI, Alexandre. São Paulo é o estado que mais mata pessoas trans no Brasil, mostra relatório. Carta Capital. 29 de janeiro de 2020. Disponível em:

https://www.cartacapital.com.br/diversidade/sao-paulo-e-o-estado-que-mais-mata-pessoas-trans-no-brasil-mostra-relatorio/. Acesso em 05 de outubro de 2020.