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POSICIONAMENTO DE APLICADORES DO DIREITO PENAL E EVENTUAIS

3 CRIMINALIZAÇÃO DA HOMOFOBIA E DA TRANSFOBIA

5.2 POSICIONAMENTO DE APLICADORES DO DIREITO PENAL E EVENTUAIS

Embora o Supremo Tribunal Federal tenha proferido julgamento procedente à ADO 26 e ao MI 4733, o qual envolve matéria constitucional, muitos estudiosos do Direito reverberaram posicionamentos críticos sobre a matéria contida dos votos dos Ministros da Corte. Isto porque, de acordo com o teor desta monografia, a temática

116 In verbis: “Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

[...]

III - a dignidade da pessoa humana;

[...]

V - o pluralismo político” (BRASIL, 1988).

pode ser visualizada sob muitas perspectivas, as quais recorrentemente são divergentes, haja vista a polêmica da decisão envolver, além de matéria da CF/88, essencialmente questões de política criminal.

Primeiramente, ressalta-se o parecer de Naceso Alves Soares Júnior117, o qual foi contundente em afirmar que o julgamento atende a uma demanda de um grupo social que sofre ações violentas motivadas por ódio. Segundo o aplicador do Direito, seria o caso de o Judiciário provocar o Congresso Nacional para que fosse procedida à imediata criminalização das condutas discriminatórias contra orientação sexual e identidade de gênero. Todavia, a decisão da Colenda Corte violou contundentemente o princípio da legalidade, uma vez que se estaria criando um crime sem lei anterior que o definisse, tampouco prévia cominação legal da pena.

Para mais, elucidou que a ampliação do conceito de racismo também afronta a máxima axiológica em comento, uma vez que esta não comporta mitigação e desvios. Além de destacar que o caráter transitório da solução do Plenário da máxima instância jurídica do país, haja vista que a decisão se mantém até que sobrevenha lei emanada pelo Congresso Nacional, fere a segurança jurídica do Judiciário pátrio, sob argumento de que a qualquer momento princípios conquistam podem ser relativizados para determinado fim específico.

No mesmo sentido, o criminalista Leonardo Yarochewsky118 afirmou que, em virtude à omissão do Poder Legislativo, o STF aplicou analogia “in malam partem”

quando equiparou a homotransfobia aos tipos penais da Lei Antirracismo, violando assim o artigo 1º do Código Penal, o qual fora incansavelmente mencionado nesta monografia. Ainda, de acordo com o aplicador do Direito, ocorrera a mitigação do ponto axiológico da legalidade, sendo que a decisão pode abrir precedentes, conjuntura em que a Corte Constitucional pode se equivocar e criminalizar outros comportamentos. Por derradeiro, salientou-se o perigo iminente de criminalização em excesso, para o fim de utilizar o Direito Penal como panaceia para os males evidenciados na sociedade, desrespeitando assim o consagrado entendimento principiológico de que este ramo do Direito é a ultima ratio na resolução de lides.

117 SOARES JÚNIOR, Naceso Alves. A criminalização da homofobia e transfobia e a afronta aos princípios da legalidade e da reserva legal. Migalhas. 19 de junho de 2019. Disponível em:

https://www.migalhas.com.br/depeso/304678/a-criminalizacao-da-homofobia-e-transfobia-e-a-afronta-aos-principios-da-legalidade-e-da-reserva-legal. Acesso em 23 de abril de 2021.

118 VALENTE, Fernanda. Não cabe ao Supremo criminalizar homofobia, diz advogado criminalista. Conjur. 24 de maio de 2019. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2019-mai-24/nao-cabe-supremo-criminalizar-homofobia-criminalista. Acesso em 23 de abril de 2021.

Em sentido destoante, Paulo Roberto Iotti Vecchiatti119 explicitou que o conceito de racismo é político-social, conjuntura em que também se configura como tal a definição de raça, em total conforme com o voto do Relator da ADO 26.

Segundo o aplicador do Direito:

Fez-se interpretação literal do termo legal raça e do termo constitucional racismo, ainda que evolutiva, caso se entenda que a compreensão biológica teria sido a “original”. Interpretação integrante do limite do teor literal (Roxin) da moldura normativa (Kelsen), e não por “ato arbitrário de vontade”, mas por conceito afirmado em precedente do STF e referendado pela literatura negra antirracismo, donde inexistente “intolerável vagueza”, violadora do princípio da taxatividade — leis penais desde sempre criminalizam por conceitos valorativos, carentes de concretização interpretativa, e isso sempre foi aceito, quando não intoleravelmente vagos (conforme terminologia alemã e Roxin; no Brasil, Cezar R. Bittencourt). [...] A técnica legislativa cria crimes desde sempre por conceitos valorativos (conforme ofender a dignidade ou o decoro, da injúria, e o crime de rixa), bem como os usa como qualificadoras/agravantes ou elementos normativos do tipo (por exemplo, “motivo fútil ou torpe”). A definição de tais conceitos não está na lei penal, ela é feita por doutrina e jurisprudência. Quem discorda dessa técnica legislativa precisa enfrentar essa concepção hegemônica na jurisprudência constitucional mundial sobre a validade do uso de conceitos valorativos criminalizadores à luz da taxatividade penal.120

Desta maneira, segundo tal perspectiva divergente, os princípios do Direito Penal não foram violados na decisão do Supremo Tribunal Federal, uma vez que a legalidade ou a reserva legal se manteve intocada. Isto porque as condutas homotransfóbicas se enquadram no conceito genérico e abstrato de racismo, ou seja, podem sofrer subsunção aos tipos penais anteriormente previstos na Lei nº 7.716/1989. Assim, foi respeitado o caráter da lei penal como certa, estrita e prévia, vislumbrando assim a anterioridade desta norma, uma vez que modulados os efeitos da decisão.

Além do mais, no tocante a jurisprudências dos Tribunais de Justiça e do Superior Tribunal de Justiça, em âmbito penal sobre o tema, é notável que se trata de matéria nova a ser discutida. Desta maneira, não se visualiza muitas decisões monocráticas ou colegiadas, posteriores à data da criminalização da homotransfobia, sobre as condutas discriminatórias contra a comunidade LGBT.

Entretanto, assevera-se que a Lei nº 7.716/1989 tem eficácia neste contexto, uma

vez que nas Varas Criminais e nas Delegacias de Polícia Civil, as práticas homofóbicas e transfóbicas vêm sendo investigadas e imputadas a sujeitos ativos que as tenham, supostamente, cometido.

Exemplificando, o G1 Globo121 veiculou casuística em que se pôde observar um caso, na cidade de Orleans, no estado de Santa Catarina, em que um radialista verbalizou comentários de cunho homofóbico no ar. Em resposta estatal sobre isso, foi concluído inquérito policial pela Polícia Civil e encaminhado ao Poder Judiciário, razão pela qual é imperativo vislumbrar a eficácia e a aplicação do Julgado da Colenda Corte Constitucional.

5.3 POSSIBILIDADE DA CRIMINALIZAÇÃO DA HOMOFOBIA E TRANSFOBIA