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Aceitação/ resignação da fatalidade da vida e esperança no futuro

I. Sofrimento expresso em choro, tristeza, saudade e dor, perda de motivação, de sentido de vida, pessimismo, isolamento e solidão

12. Aceitação/ resignação da fatalidade da vida e esperança no futuro

Assim, de forma geral, identifico como sentimentos que caracterizam a vivência: a tristeza, a saudade e a dor e o choro como sua expressão predominante; outros de negrume, de tristeza intensa, abatimento, pessimismo, solidão, perda de motivação ou ânimo, que traduzem o sentimento geral de perda de sentido de vida.

A culpa ou remorso, assim como exaustão associados ao cuidar do marido, e a zanga e indignação para com os cuidados das equipas, opõe-se a sentimentos de bem- estar no recordar da relação, na tranquilidade e paz interior ou alivio pelo fim do sofrimento e conforto, gratidão e bem-estar em relação aos bons cuidados oferecidos.

Os sentimentos associados ao sofrimento surgem quer para com a perda do marido, como em relação às perdas precoces ou perda dos pais na idade adulta, novamente sentidos no processo de luto do conjugue.

Como pensamentos há essencialmente uma elaboração de significados, exercício de reminiscência e narrativa do vivido no passado e do conjugue falecido. Estes aspectos são centrais na experiência de entrevista e muito valorizado (e até idealizado) pela própria.

Este pensamento é continuado na crença de esperança futura de reencontro transcendente (pela sua crença na ressurreição) com o marido falecido.

A recordação aparece também associada a marcos temporais e datas especiais determinadas pela idosa em relação à história de vida e morte e no seu quotidiano relacionada com a “procura” da presença do marido de forma figurativa (fotografias, desejo de manter rotinas, valorização das cinzas ou ida a cemitério) ou mesmo ilusória, recorrendo a sonhos ou a percepção de ouvir vozes ou ver o falecido. Estão presentes também pensamentos evitativos de negação, contrapostos pela própria testagem de realidade e racionalidade da idosa.

Outra recordação recorrente e central em cuidados paliativos, é a recordação da vivência da doença desde diagnóstico até à morte, assim como a avaliação que fazem de si como cuidadoras e das equipas como competentes e valorizadas ou não nos cuidados prestados aos conjugues e a elas mesmas. Destes pensamentos resultam culpa, remorso, zanga, indignação, mas também alivio, satisfação, gratidão e conforto.

Identifico também, em contraste com esse momento passado e futuro, no momento presente, a falta de motivação, perda de sentido de vida, pessimismo, isolamento e solidão. Há um lamento pela perda da resposta às suas necessidades de segurança, relação, companhia, actividades sociais, afecto, segurança e atenção, etc., por comparação ao “futuro imaginado” junto do marido.

Há de qualquer forma, uma auto avaliação em relação ao seu estado que lhes permite avaliar as alterações de sono, peso e bem-estar em geral, da mesma forma que caracterizam alguma melhoria ao longo do processo, considerado inicialmente mais sofrido e com a expectativa de superar o sofrimento, mesmo não esquecendo o falecido marido.

Outro pensamento recorrente diz respeito ao recordar também a história de vida pessoal, desde a infância, recordando as perdas precoces nomeadamente dos pais como fonte de sofrimento acumulado, superior ao de perdas actuais, simultâneas à do marido.

A mulher idosa parece também valorizar o suporte familiar (e não familiar) que tem, quer para partilha do sofrimento e valorização do falecido, quer como fonte de afecto, distracção (também percepcionado como nefasto), resolução de questões práticas e instrumentais (fontes de preocupação e percepcionadas como dificuldades). Não obstante, percepciona que a família está pouco disponível para a sua necessidade de reminiscência e elaboração de significado da perda do conjugue e reencontro do seu sentido de vida. A família também aparece como sobrecarga, como ausente, fomentando a solidão.

Outro pensamento recorrente diz respeito à comparação crítica que a idosa faz com o luto dos outros e como a forma como o seu luto é visto pelos outros (contexto social).

Está presente também uma preocupação subjacente à alteração de vida com a morte do marido que diz respeito às exigências económicas (por vezes com medo e insegurança) e instrumentais, com imposição de novas tarefas para as quais a idosa se tem de adaptar, mas também com uma valorização das suas competências na superação.

A idosa identifica a sua fragilidade, nomeadamente de saúde, mas também valoriza a sua própria personalidade e as crenças pessoais, espiritualidade e religiosidade que a suportam de forma muito positiva na vivência do luto, permitindo a aceitação/ resignação da fatalidade da vida e esperança no futuro.

Na dimensão comportamental, encontramos em sintonia com os sentimentos e pensamentos identificados:

Por um lado, a não realização de actividades (prazerosas, laborais ou distractoras), por falta de motivação ou saúde, ou restrição pessoal imposta no luto, por outro, pelo isolamento social em que se encontram.

A sua acção, também centrada na relação com o marido, expressa-se na procura de contacto com o mesmo, podendo expressar-se em tocar e falar para as fotografias, ir ao cemitério para “estar perto dele”, contactar com locais e manter espaços da casa associados ao falecido, ou recorrer às suas práticas religiosas (como ir à missa) ou por outro lado, os comportamentos também podem ser de afastamento/ evitamento da evidência da morte ou do sofrimento anteriormente vivido na doença.

Em relação ao suporte social, por oposição ao isolamento sentido, há procura de contacto com estes, ainda que preservem a sua vivência individual de luto: partilham actividades, saiem de casa, conversam, quer com família, quer com amigos e vizinhos.

Em conformidade com os seus pensamentos e sentimentos, a idosa também se comporta no seu luto, em maior ou menor acordo com o que entende que o contexto social espera de si: são referidos comportamentos de auto-restrição, as idas ao cemitério, o vestir de negro como expressão de luto.

Na experiência de luto também foi confrontada com mudanças quotidianas que provocaram uma mudança comportamental para resposta a tarefas práticas, resolução de problemas, nomeadamente financeiros e burocráticos, o que implicou novas aprendizagens.

As vivências encontradas parecem assim coincidir em vários aspectos com o que está descritos nos estudos actuais do luto nos idosos, particularmente na perda de conjugue por parte da mulher idosa, ainda que a maior parte da literatura se insira em revisões de gerontologia e não em cuidados paliativos, (âmbito em que me desejo posicionar na conclusão), reconhecendo assim, a maior limitação do presente trabalho: a revisão teórica em que se baseia a compreensão das essências encontradas e que permitem a presente conclusão, está sempre associada apenas parcialmente à vivência

estudada. Ou seja, ou recorri a estudos de âmbito de cuidados paliativos, nomeadamente na área do luto, ou recorri a evidência da área da gerontologia e geriatria que contextualiza a vivência do idoso, sendo que a vivência da mulher idosa em luto é raramente descrita e menos ainda em cuidados paliativos.

Ainda assim, de forma positiva, sublinho em especial a visão de Hansson & Strobe (2007), até pela confluência de teorias e actualidade, pela leitura do Modelo de Processamento Dual em relação à pessoa idosa no luto, identificando uma questão chave na minha conclusão: a orientação para a perda, a sua capacidade, necessidade e tendência a elaborar, narrar e recordar as vivências.

Por outro lado, também valorizam o suporte social e os recursos emocionais e espirituais dos idosos, algo coincidente com a vivência aqui encontrada.

Além do referido, o fenómeno descrito na presente investigação, também aparece como semelhante ao preconizado por Gameiro, na realidade portuguesa da viuvez, em 1988: novamente, a importância do suporte, da actividade de reminiscência e a espiritualidade, que me parecem coincidir especialmente (e de acordo com Hansson & Stroebe, 2007) com a idiossincrasia da pessoa idosa, nomeadamente feminina.

Sendo na actualidade, ainda que apenas restrita ao fenómeno estudado, os aspectos encontrados semelhantes ao que foram descritos nos anos 80-90, e dadas as mudanças sociais a decorrer em todos os níveis, creio que será de grande interesse, repetir um estudo qualitativo como este dentro de algumas décadas, com intenção de se actualizar a visão da vivência de novas gerações de idosos.

O actual e futuro interesse nesta compreensão, e retomando o interesse específico em cuidados paliativos, diz respeito ao aspecto central de resposta preventiva, efectiva e holística às necessidades desta população, cuidadora e familiar do doente.

Um dos maiores contributos desta investigação para a área, além de evidenciar, como é feita esta vivência e de sublinhar alguns dos recursos e dificuldades desta população específica, é também, o facto de evidenciar que os cuidados prestados pelas equipas têm efectivo impacto na qualidade do processo de luto.

Desta forma, a par de outros estudos que têm vindo a ser realizados nas equipas que trabalham com doentes e famílias, e que sublinham a necessidade de formação,

recursos e medidas organizativas que potenciem a sua resposta, nomeadamente na comunidade e especificamente no domicilio, sublinho, que também neste estudo, com esta amostra especifica, a sua vivência, diz-nos que sentiram o conforto dos bons cuidados quando os tiveram ou o impacto da zanga e indignação, culpa ou remorso, quando estes cuidados não estiveram presentes.

O gosto expresso pela participação, na partilha de sentimentos e elaborada narrativa ao longo das entrevistas também me indicam que acompanhamentos no processo de luto oferecem benefício, principalmente nos casos em que o restante suporte social não está disponível. Sublinho o exemplo dos grupos que tive oportunidade de conhecer em Tres Cantos, na unidade de cuidados paliativos, ou a visita de luto preconizada já actualmente por algumas equipas de cuidados domiciliários.

Retomo assim a ideia de que o luto das mulheres de terceira idade no contexto de Cuidados Paliativos exige uma leitura holística por parte de todos os profissionais de saúde, desde o diagnóstico da doença dos conjugues até depois de este falecer, ao longo do seu luto, conforme as necessidades e recursos detectados. Acredito que o seu acompanhamento, contribuirá não só para prevenir lutos patológicos, como para contribuir para um envelhecimento saudável, foco da Gerontologia e Geriatria, áreas de desejável envolvimento dos Cuidados Paliativos para uma vida e morte cada vez mais digna.

Finalizo, sugerindo para continuidade do estudo do tema, que se prossiga no estudo da população idosa no âmbito de cuidados paliativos. Os estudos, que poderão ser qualitativos ou quantitativos deverão apontar no sentido de responder às necessidades daqueles que são já 20% da população portuguesa e que apresentam, pela vulnerabilidade de envelhecimento, grande probabilidade de necessitarem de cuidados paliativos. Especificamente seria de interesse compreender a vivência, além da zona de Lisboa, considerando por exemplo meio rural e urbano, assim como compreender a vivência masculina do luto conjugal, porque ainda que menor, este existe e terá a sua especificidade.

Outra área excluída deste estudo, apenas porque não foi identificado e reencaminhado nenhum caso por parte das instituições (mas que corresponde a uma

limitação), e que será interessante de estudar, será o da vivência do luto nos idosos que, ao invés de estarem nas suas casas, ou de familiares por livre vontade, são institucionalizados.