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A relevância atribuída aos cuidados das equipas de saúde e instituições ao longo da doença e na morte digna desejada

I. Sofrimento expresso em choro, tristeza, saudade e dor, perda de motivação, de sentido de vida, pessimismo, isolamento e solidão

3. A relevância atribuída aos cuidados das equipas de saúde e instituições ao longo da doença e na morte digna desejada

Esta essência da vivência do luto remete-nos ainda mais concreta e especificamente para a necessidade de zelarmos pelos bons cuidados prestados pelas equipas ao longo de todo o percurso da doença, independentemente de este ser feito pelas equipas de cuidados paliativos especializadas (que me referenciaram os familiares em luto, por exemplo), mas também todas as outras, que os acompanham, quer a nível dos cuidados de saúde primários, como hospitalares ou mesmo residenciais (Carr et al., 2006; Davies & Higginson, 2004a; 2004b; Doyle & Jeffrey, 2000; Fernández-Ballesteros, et

al., 2009; Hansson & Stroebe, 2007; Hudson et al., 2012; Neto, 2010; Petralanda, et. al., 1996; Prigerson & Jacob, 2001; Richardson, 2006; Schulz & Beach, 1999; Sheldon, 1997; Utz, 2006).

As mulheres entrevistadas fazem sempre uma reflexão do que foi a sua experiência enquanto esposas de alguém doente que recebe cuidados, tendo uma percepção da qualidade dos cuidados oferecidos, não só do ponto de vista de competência técnica, na satisfação do controlo de sintomas por exemplo, mas também do ponto de vista de comunicação, atenção e relação, em resposta a outras necessidades que não as físicas e não só às do doente, mas da própria e sua família, tal como preconizado pelos cuidados paliativos. Como revisto pelos vários autores, a percepção de maus cuidados, pouca atenção ou negligência são factores de risco no luto (Barbosa, 2010; Doyle & Jeffrey, 2000; Neto, 2010; Panke & Ferrell, 2010; Sheldon, 1997; Twycross, 2003; Worden, 2010).

Na minha própria experiência, em domicílio e em Unidade de Tres Cantos, recordo as palavras de agradecimento e conforto que os familiares transmitiam pelo apoio sentido nos cuidados e na atenção dada aos próprios. E de forma intuitiva compreendia que o impacto era positivo no momento em que faleciam os doentes.

Das entrevistas são exemplos de sentimentos e pensamentos negativos de zanga e indignação, em relação à experiência (de percepção de algum tipo de negligência) com a equipa de cuidados5:

N3: “ (…) foi para o Hospital da M., que eu não gostei nada, nada… (chora). Eu tive 5 anos o meu marido, e não tinha uma ferida, e o meu marido no Hospital teve lá 1 mês e veio cheio de feridas…”

N7: “ (…) Gritou pelas enfermeiras que elas queimaram-lhe a pele, descuidaram-se (em RT) e por isso é que agora não conseguiu coser…”

N8: “ (…) Ora se eu via que o meu marido estava no fim como é que elas não viam? É porque não estavam a ligar aos doentes! (zangada) Não estavam, não estavam a dar atenção!”

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As equipas de cuidados, não identificadas, foram variadas e não apenas de Cuidados Paliativos. Os doentes e famílias, ao longo da doença estiveram com várias equipas e a experiencia que apresentam é de variados acompanhamentos.

Por outro lado, são também exemplos, sentimentos e pensamentos positivos em relação à experiência com a equipa de cuidados, o que facilmente se reconhece na entrevista como fonte de conforto, gratidão e bem-estar, ou seja, como factor protector do seu luto:

N6: “ (…) Ele gostava muito de estar na clínica, foi lá muito bem tratado, muito muito, muito. E eu também, estava lá com ele, também elas eram tão carinhosas, amigas, amigas, amigas, tão carinhosas, deram tanto apoio ali, trataram-no lá muito bem...”

N7: “ (…) aqui nas I. também tiveram e realmente é mais agradável. E elas foram realmente simpáticas, e pronto, agradeço-lhes imenso…”

N8, que se centra na importância da atenção da médica de família, já descrita pela literatura como especialmente próxima da população idosa (Davies & Higginson, 2004a; Doyle & Jeffrey, 2000; Fernández-Ballesteros, et al., 2009; Hansson & Stroebe, 2007; Hudson et al., 2012; Martín, 2009; Neto, 2010; Petralanda, et. al., 1996) e com possibilidade de apoio no decurso da doença e no processo de luto em continuidade: “ (…) quando o meu marido começou a ficar doente, fui lá e disseram que já tinha médico de família. Tão boa, tão atenciosa! Sempre a dizer que se eu não estiver bem, para ir falar com ela, que me ajuda. (…) é muito importante, quando uma pessoa está assim, sentir que as pessoas se prestam…quando nos vemos sem nada caímos mais depressa.”

E por fim, N9 de forma muito clara: “ (…) Porque a gente quando vê um ente querido nosso a sofrer e que não é bem tratado, custa muito não é? Mas não, o meu marido era bem tratado, graças a Deus era, nem tenho razão de queixa das enfermeiras nem nada, até me deixavam lá estar…às vezes ficava lá até as horas de ter de sair…e elas não me diziam nada.”

Estes aspectos realçam-se no momento de fim de vida e na capacidade que tiveram de assegurar uma morte digna do doente, aspecto desejado pelas esposas, de forma mais ou menos explícita.

N1 expressa na sua entrevista que se sente tranquila, apesar do sofrimento da sua actual vivência por o marido ter aceite a morte antes de falecer (Kubler-Ross, 2008), trabalho realizado num esforço da equipa de preparação para a morte e apoio às necessidades holísticas do doente e família: “ (…) ele tava muito revoltado, uma coisa que eu achei muito bem muito bem foi prepará-lo para aquilo, para a morte, uma coisa que eu

não era capaz, eu não sei, teve umas fases, primeiro teve umas fases, e depois não sei, quem foi que o levou a aceitar a morte, não foi quem foi. Se foi a psicóloga, Dra., S., se foi alguma Irmã, diz que estava lá uma Irmã espiritual e conversava muito com ele (…) Eu só estou assim mais (tranquila) …é ele ter aceitado, porque ele tava muito muito revoltado, mas depois aceitou.”.

Outros dois exemplos, relativos à necessidade de dignidade em fim de vida, um em relação à forma como é vivida a morte do conjugue e outro em relação aos rituais fúnebres, aspectos a considerar de forma mais activa nos cuidados paliativos como Doyle e Jeffrey (2000), Gameiro (1988) e Sheldon (1997) revêem:

N5: “ (…) Não me vou esquecer desta agencia”, que dignidade, que sentimentos, que homenagem, que prestam a uma pessoa…” ou o exemplo de N7: “ (…) Meu Deus que bom que é, sofreu tanto, ao menos agora que morra descansadinho” e foi, ficou muito bem, muito calminho…”.

IV. HISTÓRIA PESSOAL

Reminiscência da infância, historia pessoal e perdas/ lutos anteriores e contemporâneos à perda do conjugue

Nas narrativas das mulheres entrevistadas aparecem de forma intensa, sentimentos e pensamentos que remetem para a importância das experiências precoces (Bowlby, 1998; Parkes, 1998; Worden, 2010), nomeadamente as de perda de pais ou de frágil segurança familiar na infância, algo longínquo da actual experiência de luto.

A morte dos pais também aparece descrita, quando vivida já na idade adulta, mas o aspecto coincidente nestas perdas, é o facto de o relato ser feito com uma intensidade de sofrimento bastante marcada, por vezes superior à que aparece na expressão de sofrimento por morte do marido, tema da entrevista.

Numa abordagem superficial poderia pensar que se tratam de lutos não elaborados, com aspectos muito traumáticos subjacentes (Payás, 2010) e que, com a perda do marido, estão novamente mais presentes na vida emocional da mulher idosa que repetiu novamente uma perda, mas importa-me acima de tudo sublinhar que na historia pessoal desta população, há experiências anteriores de perdas, o que cumulativamente pode ter algum impacto na vivencia saudável deste luto e do seu envelhecimento (Hansson & Stroebe, 2007).

Por outro lado, por se tratarem essencialmente de perdas dos pais, encontramos novamente a questão dos estilos de vinculação, potencialmente dependendentes/ inseguros, cuja relação com o marido serviu de nova vivência emocional dessa segurança/ insegurança, reforçando a questão da interdependência que estes casais idosos têm, pela sua intimidade, apoio e dinâmica duradoura e por vezes exclusiva, como estudado largamente por Bennett, Bonnano, Carr e Parkes, entre outros referidos na revisão teórica.

Juntamente com a referência a perda de pais, na infância, juventude, as idosas remetem naturalmente para outras experiências de sofrimento, como a miséria na sua infância e juventude, relembrando aqui, como breve nota histórica que a sua infância e juventude corresponde social e culturalmente ao início e meio de século XX no nosso país, historicamente marcado pela I e II Grande Guerra (apesar de não ter afectado directamente o território), pela Ditadura de Salazar e por um período de marcado êxodo rural, com sérias dificuldade económicas e sociais para a maior parte da população, que começava apenas a ter acesso a cuidados básicos de saúde e educação.

N7 expressa de forma muito intensa a sua história de vida: “ (…) Sabe que, talvez porque… (chora) fiquei sem o meu pai tinha 5 anos (chora) (…) Desculpe, já estava a espera disso… (chora). O meu pai morreu, deixou 7 filhos, o meu pai morreu com 39 anos, deixou 7 filhos. A minha mãe tinha um bebé de três semanas. O meu pai adoeceu em 6 meses, tuberculose naquela altura dava cabo das pessoas. E nós ficámos todos pequeninos (…) sempre tive o desgosto do meu pai ter morrido porque me lembro de ele com 5 anos, ainda me lembro de ele ter morrido, de tar doente, disso tudo, um desgosto, mas…aceitava…”

N8: “(…) eu é que fui sempre doente…com depressões, porque eu muito nova fiquei com a minha mãe… (isto agora…) fiquei com a minha mãe com Alzheimer e cancro nos intestinos, tinha doze, treze anos, e tive…tive que trabalhar e cuidar dela (suspira) (…) perdi o meu pai com 5 anos, e a partir daí a minha vida nunca foi alegre. A minha mãe perdeu também a vontade de viver e não me dava atenção (…) eu passei, eu passei muita fome, às vezes não tinha 9 tostões para comprar meio pão, passei alguns dias sem comer.

As perdas actuais, simultâneas ou posteriores à morte do marido, não parecem valorizadas de forma muito intensa, mas existindo, representam uma perda acumulada e trazem sofrimento acrescido à experiência de luto do marido (são exemplo N4 e N9 que relatam a perda recente de irmãs).

Curiosamente, por confronto com estas perdas, não parece haver qualquer ansiedade existencial ou medo de morrer (Astudillo et al. 2008a; Barbosa, 2010; Bermejo, 2009; Bermejo & Santamaría, 2011; Martín, 2009; Menéndez, 2006; Wolf & Wortman, 2006; Worden, 1976, cit. Worden, 2010), pelo contrário, como ilustrado no ponto em que exploro a questão do futuro transcendente esperado, de reencontro com o marido, a ideia de morte parece associada a satisfação e tranquilidade, precisamente pela realização transcendente do seu desejo de relação com o ser amado. A vivência destas mulheres (tal como as que já conhecia do acompanhamento em domicilio) parece enquadrar-se perfeitamente na ideia Kubler-Ross & Kessler (2010, p.162) que apresentei na Fundamentação teórica: “Quando somos idosos, tememos menos a morte. Às vezes, uma mistura de ausência de medo e de esperança de reencontrar-se com os seres queridos que se foram, conecta aos que estão em luto e proporciona-lhes consolo”.

V. CONTEXTO SOCIAL

1. A importância das relações na vivência do luto: suporte da