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A importância das relações na vivência do luto: suporte da familiar e não familiar

I. Sofrimento expresso em choro, tristeza, saudade e dor, perda de motivação, de sentido de vida, pessimismo, isolamento e solidão

1. A importância das relações na vivência do luto: suporte da familiar e não familiar

Esta essência, largamente explorada na Fundamentação teórica e muito valorizada por Gameiro (1988), como essencial para uma boa vivência do processo de luto, no caso especifico das mulheres idosas viúvas (Benkel, et al., 2009; Brown, et al., 2006; Capraga, 2009; Fontaine, 2000; Hansson & Stroebe, 2007; Lopata, 1996; Lopéz Bravo, 2009; Menéndez, 2006; Montorio, et al., 2006; Pinazo, 2006; Villar & Triadó, 2006b; Wolf & Wortman, 2006), apresenta três faces relevantes no caso das entrevistadas:

 O suporte familiar (ou insuficiência/ ausência dele)

 O suporte dado por outros elementos que não família (vizinhos, amigos, comunidade próxima, como revisto especificamente por Benkel, et al., 2009 ou Subramanian et al. 2008).

 O impacto que os outros, de forma geral, no seu contexto cultural e social, têm nos sentimentos, comportamentos e pensamentos

O suporte familiar (especialmente filhos e netos, mas há exemplos de apoio de família mais alargada) é especialmente valorizado na partilha do sofrimento vivido ao longo da doença e na morte do conjugue e este parece ser especialmente sentido pela mulher

idosa como relevante na valorização que conjuntamente fazem do falecido, como forma de o valorizar e dignificar, como se símbolo da sua continuidade, como descrito por Chochinov (2002; 2006) ou McClement et al. (2007).

N9 ilustra-o com a sua experiência: (…) E o meu marido doeu muito. Doeu muito em todos, nas filhas, até no genro. Tanto nas filhas, como no genro como nos netos. Como em mim. Ele doeu. Fez doer muito. Muito mesmo. É uma falta muito grande que a gente tem. Então a gente só se sente bem a falar nele. Se estamos todos reunidos, vem sempre o avô à baila (…) A gente lembra-se sempre dele constantemente. Porque ele foi uma parte muito importante da nossa vida. E continua a ser, que a gente não o vai esquecer.”.

A família tem também uma função reconhecida de apoio da idosa, sendo considerada fonte de afecto, distracção/ ânimo:

N5 conta-me que o seu neto lhe ofereceu um aquário com um peixe para ela cuidar: “ (…) o meu neto que me comprou para me distrair. E eu gosto de animais (…) De resto não saio, também não posso deixar os bichos com ninguém…mas ajudam-me, o meu neto disse-me “enquanto tu estiveres preocupada com eles, já não te preocupas com aquilo que já não tem remédio”… (sorri).”

E N9 aponta o quanto protectora e afectuosa tem sido a família no seu processo de luto, após perda do marido, que fonte de afecto, segurança e apoio: “ (…) Mas tenho algo que me agarra aqui (vida) também, que é os meus netos e o meu filho…(…) Toda a gente sente falta de carinho. O meu filho dá-me. Abraça-me, dá-me beijos, aperta-me e eu sinto- me bem.”

A família também dá resposta a necessidades de suporte instrumental (essência explorada mais adiante de forma separada) em tarefas novas da vida quotidiana que se impuseram pós morte do marido: “ (…) tive de passar a fazer essas coisas todas, eu até dava em maluca no primeiro mês, o que me valeu foi a minha filha…” (N2), actividades descritas por Hansson & Stroebe (2007), a partir do Modelo de Processamento Dual como de maior dificuldade para a população idosa, evitante de tarefas de restauração e portanto, com grande necessidade de suporte social.

Por outro lado, e na relembrando quer a maior tendência para Orientação para a perda na terceira idade (Hansson & Strobe, 2007), como a necessidade de escuta, de recordar, de sentir e de narrar e elaborar a sua experiência para reencontro de significados

e sentido de vida (Bennett & Vidal-Hall, 2000; Bermejo, 2007; Gameiro, 1988; Neimeyer, 2006; 2007; Neimeyer, et al., 2006; Villar & Triadó, 2006b; Worden, 2010), a família, de forma curiosa, é percepcionada e aparece descrita como insuficiente ou emocionalmente indisponível ou incapaz (podendo estar a vivenciar o seu luto de forma evitativa por exemplo (Payás, 2010)).

Algumas das entrevistadas chegam a referir que os familiares, apesar de terem apoiado a iniciativa de participar na investigação, com a realização da entrevista, não seriam capazes de escutar a partilha. Este aspecto reforça a minha ideia inicial de projecto: as idosas viúvas na vivência do luto, têm raras oportunidades de escuta e é dada pouca atenção ao acompanhamento do seu luto, em qualquer nível de cuidados. As próprias reforçaram o gosto na participação, essencialmente pela oportunidade de falar sobre o tema, o que vai ao encontro dos princípios de Kubler-Ross (2008); Neimeyer (2006; 2007), Bermejo (2003; 2007; 2009), entre outros.

Por oposição a esta necessidade, a idosa aponta que a família tendo por vezes a investir na sua distracção, o que chega a ser percepcionado como efeito nefasto por impedir a vivência do luto como a própria deseja:

N2 identifica de forma clara: “ (…) a minha filha ainda hoje me ligou se eu queria ir ao ZOO e eu disse “Não filha, não vou” e muitas vezes vou…e não me deixaram fazer luto também. (…) tiraram-me logo de casa, para ali para aqui e para acolá e eu não cheguei, não…acho que ainda não fiz o meu luto, o meu luto como deve ser…”

N5 de forma semelhante: (…) o meu filho está sempre a dizer “ (…) Ó mãe tu és uma pessoa que tem tanta facilidade em ir” (…) mas é difícil, eu sei que eles é no bom sentido que me querem mandar ir, para me distrair…”.

Encontro também o fenómeno de sobrecarga do núcleo familiar de suporte (com quem podem inclusive coabitar) na vida da própria mulher idosa: esta pode desempenhar uma função de suporte financeiro à família, sendo a avaliação que fazem dessa contribuição variante.

N7 compartilha que a sua vivência do luto está desde inicio comprometida pelo facto de o seu filho e netos terem vindo viver com ela logo após a morte do marido, não para a apoiarem, mas para ela os apoiar porque a mãe dos netos se ausentou e existia conflito familiar: “ (…) Eu desde a morte do meu marido que fiquei com o meu filho e com os meus dois netos cá em casa (…) De maneira que são a minha companhia, mas claro…um

bocadinho pesado (…) Eu não tenho ódio a ninguém, nem raiva a ninguém, mas que ela (ex-nora) me pôs uma grande cruz nas costas pôs. (…) Chega para viver (a reforma), para ajudar o meu filho, que ele também precisa e os meus netos.”

No mesmo, ou além desse núcleo familiar, há também pensamentos em que expõe a sua percepção de falta de apoio por ausência (intencional ou não) de outros elementos, o que promove alguns sentimentos de incómodo e agrava a solidão (Astudillo et. al., 2008a; 2008b; Bermejo & Santamaría, 2011; Brown,et al., 2006; Capraga, 2009; Fontaine, 2000; Kissane & Zaider, 2010; Lopata, 1996; Lopéz Bravo, 2009; Martín, 2009; Menéndez, 2006; Paúl, 1997; Pinazo, 2006; Worden, 2010) à mulher idosa, fenómeno largamente descrito como comum na viuvez feminina da terceira idade, não só por perda do conjugue, mas por falta de outras relações:

N2 identifica a falta de tempo dos filhos: “ (…) os filhos também não têm tempo para nós. Os filhos hoje não têm tempo.”, assim como N7: (…) eu tenho dois filhos maravilhosos, mas a minha filha mora na P., mora longe e é professora, e tem um filho, com 12 anos…e é difícil, é difícil claro…”.

Apesar de identificar esta essência do fenómeno, creio que a solidão nas mulheres idosas viúvas está mais conectada com a perda da relação com o conjugue e suas funções do que com a ausência deste suporte, remetendo para a noção de solidão emocional de Weiss (1973, cit. Lopata, 1996).

Remetendo-nos agora para o 2º ponto de suporte, os sentimentos anteriormente referidos, são por vezes atenuados pelo apoio e companhia de outros elementos da família mais alargada, amigos e vizinhos. Estes recursos, apresentados mais adiante, são também promotores de comportamentos salutares no processo de luto, compartindo por exemplo, actividades de prazer e distracção voluntários com a idosa, como revisto por diversos autores (Benkel, et. al., 2009; Bennett & Bennett, 2001; Capraga, 2009; Doyle & Jeffrey, 2000; Elwert & Christakis, 2008; Gameiro, 1988; Kissane & Zaider, 2010; Lopata, 1996;

Martín, 2009; Montorio, et al., 2006; Panke & Ferrel, 2010; Paúl, 1997; Petralanda, et. al.,

N6 valoriza o apoio dos vizinhos: “ (…) vizinhas também têm sido muito amigas, têm dado muitos apoios (…) as vizinhas, são muito boas, vêem sempre aqui ver-me, tem-me ajudado a passar isto (…) às vezes tou aqui triste e tocam a campainha, são as vizinhas, ou assim, já conversam comigo….

E N8 refere o impacto positivo que a amizade tem no seu actual bem-estar: “ (…) tenho uma amiga que mora também ali por cima, às vezes telefona, “queres ir comigo a Lisboa?”, ainda ontem fui (…) O que me vale é isto (amiga E.) porque ela também é viúva, mas é uma pessoa com uma vida, com uma alegria de viver, que fala com toda a gente (…) esta minha amiga levanta-me a moral, tá sempre a rir (…) enquanto estou ao pé dela estou animada…”

Por fim, o terceiro ponto, envolve o facto de encontrar subjacente a variadas afirmações, a comparação social, neste caso, em forma de pensamento que é feito pela idosa quer em relação à avaliação que fazem do seu sofrimento quer em relação à sua vivência do luto.

Esta forma de comparação pode promover a relativização do seu sofrimento, por comparação com casos que a própria idosa considera piores, como faz N8: “ (…) Ponho-me a pensar “Ela está pior que eu, perdeu um marido, mas também perdeu um filho”, que os filhos então é…nem quero, não quero que me ponham a prova…”. Ou como no caso de N6, pode considerar que tem uma forma de vivência do luto mais sofrida: “ (…) porque há pessoas que levam isto mais…passa mais, mas a mim tem-me custado muito…Há pessoas fortes. Também devem sofrer, ter a dor delas, não digo que não, mas parece que passa ao fim de uns meses. Eu não…já com a minha mãe foi assim…”.

A visão dos outros como entidade cultural e social no seu sistema de regras e crenças comuns apresenta-se neste fenómeno relacionado com os rituais e com os comportamentos típicos de quem está a viver um processo de luto pelo conjugue, nomeadamente o vestir de “luto”/ negro ou não (aspectos do “mourning” na literatura inglesa, referidos por Barbosa, 2010). São exemplo as seguintes afirmações:

N2: “ (…) vejo pessoas andar todas de preto e as vezes Deus sabe como elas se portam…”

N4: “(…) Não sou uma pessoa que vou para a campa, arranjei o mais simples possível para que as pessoas não dissessem que eu não lhe ligava, porque eu já não é a ele que eu lhe fiz aquilo, é para os olhos dos outros…”

N9: “ (…) Já não faz nada. É uma maneira de dizer aos outros que nos faltou alguém, mas eu acho que é que quando nasci já cá encontrei isto, a minha família é toda de luto…”

2. Alteração de vida quotidiana: preocupação com questões