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Procura de proximidade, manutenção da relação com o falecido e promoção da sua continuidade para além da sua ausência

I. Sofrimento expresso em choro, tristeza, saudade e dor, perda de motivação, de sentido de vida, pessimismo, isolamento e solidão

3. Procura de proximidade, manutenção da relação com o falecido e promoção da sua continuidade para além da sua ausência

Este aspecto, intimamente ligado à vivência presente da “Essência” anterior (lamento pela perda/ ausência da relação), é apresentado aqui, dela apartado, pela sua independência em termos de simbolismo, sentimentos, pensamentos e comportamentos descritos.

Neste tema encontramos um padrão de procura (em pensamento ou comportamento) de proximidade do falecido de forma maioritariamente simbólica, e teoricamente muito próxima do que autores como Bermejo (2007) ou Neimeyer (2007) apresentaram:

 O recorrer a fotografias para se aproximar do falecido, podendo por exemplo, acarinhá-lo, falar com ele como se estivesse presente, mesmo sabendo que não está: “ (…) De manhã, quando saio daqui a noite, dou-lhe um beijinho (foto), faço uma festinha, com os dedos, quando chego de manha, abro aqui, faço-lhe outra vez. Pronto, sinto-me bem, sinto-me bem a fazer isto, é como se estivesse a cumprimentá-lo (chora)…” (N8). Outro aspecto importante que encontrei em todas as entrevistas, foi o facto de existirem sempre fotografias dispostas pela casa e, em algum momento da partilha, as entrevistadas recorreram a alguma, de alguma forma, “apresentando-me” ao ser querido de quem estavam a falar na entrevista.

 Também foi frequente o relato de não tomarem em conta a morte do marido, julgarem que está presente e responderem a esse estímulo: “ (…) eu as vezes, ainda penso que ele está aqui…e as vezes ouço coisas assim coisas na televisão que eu sei que ele gostava de ouvir, e olha “vou contar ao N.” (…) No princípio enganava-me que ele ainda estava ai a chegar, que estou atrasada para comer...”. (N1)

 Expressão da necessidade de conservar consigo cinzas ou ir ao cemitério: “ (…) foi-me (a nora) levar lá ao cemitério, eu quando vi, ai, mas fiquei tão contente. “Você não queria vir ao pé do seu marido? Ele está aqui”, chorei tanto, tanto, tanto…e fiquei muito contente com ela (…) ele não tá ali, tão lá as cinzas, foi onde eu o vi a última vez, estão lá as cinzas e dele…e não sei, sinto- me bem quando lá vou. Sinto tristeza, mas sinto que estou mais perto dele.” (N8).

 Estar em contacto com os mesmos espaços compartilhados pelo casal: “(…) Não vou abandonar o meu marido, que ele continua aqui (olha para foto) (…) ainda durmo na cama do meu marido, almofada dele e tudo…” (N3), ou “ (…) A nossa casa, o que é que é isto? Mas, é o nosso cantinho, não é? Onde já vivemos com outras pessoas (…)” (N7), relembrando o valor que Doyle & Jeffrey (2000) ilustram em relação ao domicilio das famílias e doentes.

 Conservar o seu lugar em algum espaço da casa: “ (…) Ás vezes pomos lá o lugarzinho dele…(na mesa com a família) (…) Era dele e era dele. E vai ficar sempre dele, o lugarzinho dele ninguém lho tira (Cama). “ (N9)

Todos estes comportamentos parecem assegurar a manutenção e continuação da sua relação como casal, como N1 afirma: “ (…) foi meu companheiro tantos anos…companheiro, marido, que éramos casados…e somos na mesma.” Ou N5: “ (…) eu tive aqui uma amiga e disse, “vocês eram tão apaixonados” e eu disse “Eu continuo apaixonada pelo meu marido” (…) eu continuo e morro apaixonada pelo meu marido… (chora). Ele também está apaixonado por mim.”.

Identifiquei, tal como Gameiro (1988) já descrevia, algumas formas mais ilusórias/ irreais (ainda que conservando o sentido critico em relação ao seu pensamento e sendo estas experiências descritas como mais iniciais): dizem respeito a relatos de momentos em que as mulheres viúvas sentiram efectivamente a presença ou sonharam que o marido estava presente, associando a essa experiência alguma justificação mais transcendente/ espiritual (Astudillo et. al., 2008b; Bennett & Bennett, 2000; Bermejo, 2007; Bermejo & Santamaría, 2011; Kubler-Ross & Kessler, 2010; Lopata, 1996; Menéndez, 2006; Neimeyer, 2007; Parkes, 1998; Worden, 2010).

“ (…) De vez em quando sinto que ele se está a encostar a mim, mas isso é tudo natural, porque foi mais nos 1ºs meses…” (N2).

“ (…) Sonhava que via o meu marido, vestido com o fato que ele levou, a ri-se para mim (…) era um vulto que eu vi, não sei se vi, eu dá-me ideia que vi, era um pesadelo, penso eu, essas coisas não sei…” (N5).

“ (…) Sinto só a presença dele, a falta dele cá em casa. (…) Eu creio no espiritismo e o meu marido está sempre presente. Eu acho que ele está sempre presente…” (N9)

Há também relatos de momentos em que pensaram que pudesse a morte do marido não ser verdade (como na negação ainda em fase de trauma, citando Kubler-Ross & Kessler (2010) ou Payás (2010)) e tiveram a esperança que ele a qualquer momento regressasse, confrontando-se depois de forma racional com evidências da morte (como as cinzas como forma de testagem de realidade, por exemplo). São exemplo:

“ (…) na altura em que a pessoa morre, a gente sente aquela falta porque a pessoa desapareceu, mas não sei porque, há sempre, uma ilusão… aquela coisa…não ta cá porque foi a qualquer lado…ele às vezes ia para a filha…” (N9).

“ (…) É uma chama, uma chama acesa à mesma. É como se ele tivesse ido a qualquer lado e a qualquer momento fosse chegar. E a gente tivesse aquela alegria “Ai e tal que saudades, nunca mais vinhas”…. (…) eu as vezes dá-me a ideia “Ai não, mas as cinzas…” porque parece mentira. Eu assim “Ai meu Deus, parece mentira, parece mentira que o meu marido morreu, mas as cinzas…ai mas eu também não vi”, e assim começam as confusões na cabeça, e o melhor é mudar logo de dar a volta ao assunto senão a coisa começa a ficar estragada. “ (N5)

Por outro lado, existem também comportamentos ou pensamentos de afastamento/ evitamento da evidência da morte do marido e da sua perda (Payás, 2010). São exemplos:

“ (…) não saio muito, e vejo os outros colegas e assim, e não o vejo a ele… é muito triste…” (N1) ou “ (…) Não posso ouvir certas coisas que ele gostava, por exemplo fados, que ele gostava, não consigo….sei lá, é uma coisa muito forte, é mesmo muito forte.” (N9)

Algum deste evitamento está apenas relacionado com o evitar de confronto com o sofrimento vivido na doença, mais do que com a evidência da sua morte e é exemplo, o evitar ir às instituições onde o marido esteve internado, sofreu e faleceu:

“ (…) Eu mesmo que lá quisesse ir, parece que não sinto ainda aquela coisa de entrar… (instituição de internamento/ morte do marido)” (N6) ou “ (…) mas ir lá ao hospital é difícil, custa-me. Fui lá a missa. Mandaram-me um postal a dizer que era lá a missa, e custa-me, olhar para a janela onde ele me dizia adeus…” (N8).

1. Recordação da vivência do sofrimento desde diagnóstico