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Reminiscência da relação do casal, lamento pela perda presente e esperança num reencontro futuro transcendente

I. Sofrimento expresso em choro, tristeza, saudade e dor, perda de motivação, de sentido de vida, pessimismo, isolamento e solidão

2. Reminiscência da relação do casal, lamento pela perda presente e esperança num reencontro futuro transcendente

Como já referi, a relação do casal, identificada como sentido de vida das mulheres entrevistadas, é um elemento sempre presente, de forma marcada na sua narrativa, é apresentada e lida por mim, da seguinte forma:

 No tempo passado, em forma de recordação sentida e pensada,  No tempo presente, sentida como perda e ausência,

 No tempo futuro associado ao pensamento e à esperança de um reencontro transcendente, após a sua própria morte.

Grande parte do conteúdo das entrevistas assenta na reminiscência da relação do casal e engloba um número variado de temas, sendo que com frequência é feito um percurso mnésico desde a época em que o falecido e a própria se conheceram, começaram a namorar, seguindo com a descrição do seu casamento, a vida comum com filhos, desafios laborais, económicos e das actividades que partilhavam até à sua reforma e depois aparecimento da doença. N5 por exemplo, utilizou a maior parte do tempo da entrevista realizada para esta recordação, regressando a ela por vários momentos ao longo da abordagem do seu actual processo de luto, até ao final da entrevista e diz-me “Hoje vivo dessas recordações”.

Esta reminiscência aparece como uma actividade mental frequente (pensamentos), fonte de sentimentos saudosistas de bem-estar, valorizadores da própria e da sua vida conjugal, mas também fonte de sofrimento pelo confronto com a morte que impediu a continuidade da vivência partilhada do casamento.

Esta elaboração e narrativa, assemelha-se ao preconizado nas tarefas de luto (Barbosa, 2010; Worden, 2010) pelo processo de recolocação do ser amado na sua vida emocional e preconizado também por Neimeyer que explicava o processo de luto como um processo de reconstrução de significado, feito predominantemente pela narrativa da experiência de perda (Neimeyer, 2006; 2007; Neimeyer, et al., 2006; Worden, 2010).

Neste caso, e de acordo com as minhas expectativas iniciais em relação ao benefício que a investigação poderia oferecer às próprias entrevistadas, as entrevistas eram facilitadoras desta elaboração, tal como me parecem ser outras actividades, revistas na revisão de literatura, como a Terapia da Reminiscência (que já tive oportunidade de realizar no contexto de equipa de apoio domiciliário), com benefícios, não só para o processo de luto, pela elaboração emocional, para também como protectora de capacidades cognitivas, oferecendo benefícios paralelos ao processo de envelhecimento (Bennett & Vidal-Hall, 2000; Bermejo & Santamaría, 2011; Fernandes, 2006; Gonçalves, et al., 2008; Villar & Triadó, 2006b; Worden, 2010) ou os Grupos de Apoio no Luto (Bermejo & Sánchez-Sánchez (n.d.); Gameiro, 1988; Lopata, 1996; Menéndez, 2006; Payás, 2007; Sánchez-Sánchez, 2001;Silverman, 2005).

De forma simplificada, reconheço na partilha destas mulheres a necessidade de toque, de chorar, de ser escutada, valorizada e validada no seu luto, como referido por Bermejo (2003; 2007), Payás (2010) ou Worden (2010) nos seus trabalhos, assim como já descrito para a realidade portuguesa por Gameiro (1988).

Outro dos aspectos recordados em relação ao Casamento são os aspectos românticos e afectuosos do casal, características de dependência, apoio e segurança que o casal se oferecia mutuamente, expressando como as necessidades de ambos eram respondidas no seio da relação (Bermejo, 2009; Gameiro, 1988; Parkes,1998; Sheldon, 1997; Stroebe, et al., 2005).

Reconhecemos pela revisão realizada em relação aos aspectos do envelhecimento e da idiossincrasia dos casais de terceira idade (Hansson & Stroebe, 2007), o impacto que estas podem ter na vivência da mulher idosa em luto pelo seu conjugue:

No caso de N8, por exemplo, o marido foi apresentado como fonte de ajuda instrumental na doença da esposa: “Faz-me muita falta. Ele ajudava-me muito porque eu é que fui sempre doente (…) A quase sempre choro…porque ele ajudava-me muito…ele aspirava-me a casa…porque eu tenho fibromialgia também…”. Esta perda de apoio, é descrita como uma dificuldade acrescida com que as mulheres idosas viúvas têm de lidar no seu processo.

Este marido, representava simultaneamente companhia praticamente exclusiva (“ (…) a gente andava sempre os dois para todo o lado”), mas também fonte de apoio e segurança (“Eu sempre tive pouca gente que se preocupasse comigo. O meu marido preocupava-se. Preocupava-se muito.”) e de afecto e contacto físico: “ (…) aconchegava- me a roupa, dava-me um beijinho e fazia-me assim (festinha no rosto). E ia-se deitar para

o outro lado. Agora sinto essa falta. Às vezes estou deitada (chora) …porque a gente queremos sempre carinho, não são só as crianças. Toda a gente sente falta de carinho…”.

Seguindo a linha de Bowlby e demais autores que reflectem na questão do estilo de vinculação nas relações da vida adulta, assim como na questão das perdas secundárias e incrementais como referem Cook, Oltjenbrun (1989, 1998, cit. Barbosa, 2010), Bermejo (2009), Gameiro (1988) e Payás (2010), em que se identificam as necessidades de amor e pertença como fundamentais, conseguimos compreender o como é que a relação do casal é associada ao sentido de vida das mulheres viúvas e o porquê de poder haver perda deste sentido na morte do marido.

No momento presente não só se lamenta e se sofre pela ausência em si, por já não ser possível estar fisicamente com o falecido, mas também e por vezes essencialmente, porque na sua perda, se perdeu a resposta a necessidades da mulher: a segurança financeira, possibilidade de relacionamento, companhia e actividades sociais, afecto, segurança e atenção (dificilmente substituível). Encontramos esta mesma preocupação em Gameiro (1988) e na revisão de variados autores: Lopata, 1996; Martín, 2009; Menéndez, 2006; Montorio et al., 2006; Pinazo, 2006; Sheldon, 1998; Utz, 2006; Wolf & Wortman, 2006; Worden, 2010.

N6 diz-me: “Sempre juntos…não hei-de ter saudades!” e N8: “(…) As únicas que eu tenho é os momentos que eu tenho com o meu marido.”.

Recordo também N9: “(…) foi uma falta muito grande…foi o estar aqui habituada a uma pessoa, toda a vida, não é? Porque são 47 anos de casamento, é muito. Eu casei uma menina, ele não, já era um homem feito, tinha 25 anos, eu tinha 16, quando casámos. De maneira que nunca conheci outro homem na minha vida, foi o meu marido, e toda a vida aqui vivemos os dois. E agora cada vez estávamos mais…mais os dois, não é?”, em que encontro outra referência recorrente nas narrativas: o número (largo) de anos de casamento. Aparece assim ilustrada a questão da duração das relações, características dos casais idosos e novamente justificativa do elo forte do casal e do quanto idiossincrática poderá ser a sua relação, agora interrompida pela morte do conjugue (Bennett & Bennett, 2000; 2001; Bermejo, 2007; 2009; Bonnano et. Al., 2005b; Carr, et al., 2000; Gameiro, 1988; Hansson & Stroebe, 2007; Martín, 2009; Menéndez, 2006; Worden, 2010).

Neste seguimento, aparece junto do lamento pela perda, a referência a um “futuro imaginado” que não chegou a ser vivido pelo casal: “Nós íamos para a rua, nós éramos assim, “Ai Z. quando nós fomos velhinhos os dois, cada um com a bengalinha” (…) O que a gente adorava chegar assim a muito velhinhos, muito velhinhos…”. (N5). Relembrei com este exemplo algumas das expressões de angústia, partilhadas por outras idosas viúvas, que anteriormente tinha acompanhado em domicílio e senti reconheço nas suas expressões a vontade de seguir o futuro como casal, com os seus desejos e projectos, presentes, contra qualquer preconceito, na terceira idade.

Nesta linha de ideias, compreende-se que a continuação da sua existência faça sentido, perspectivando a relação do casal no seu futuro. Como já tinha antecipado, esse futuro é frequentemente o único no pensamento das mulheres idosas viúvas entrevistadas.

Dado que o marido faleceu e a sua relação de casal foi desta forma interrompida/ alterada, a sua esperança na vida está ligada de forma íntima com os seus recursos espirituais e religiosos (mais adiante apresentados) e assenta na crença de reencontro pós morte do casal, tal como por exemplo, Kubler-Ross & Kessler (2010) reviram.

N4 expressa esta ideia de uma forma muito clara e completa: “ (…) Nós (crentes) acreditamos que vai haver uma ressurreição, e que não vamos deixar de ver a pessoa para sempre (…) e essa certeza que nós temos, dá-nos um ânimo que se calhar os outros não têm (…) dá-me garra, para me agarrar à vida. Não sei para quando, mas sei que um dia nos iremos ver…”

N8 também expressa esta esperança: “ (…) e é agora passar os meus dias até que Deus se lembre de mim… (chora) para ir para o pé dele. (…) Eu mesmo assim tenho-me aguentado. Triste. Sete meses, fez dia 12, sete meses. Já há muito tempo que não vejo o meu marido, agora não sei quando o vou ver outra vez. Só Deus é que sabe. Eu estou convencida que o vou ver.”.

Como todas as mulheres idosas viúvas entrevistadas, sublinho neste exemplo o facto de N8 referir minuciosamente a data de morte e o tempo que passou. Foi comum referirem em detalhe estes marcos temporais (principalmente a data de 1º aniversário), e este aspecto reforça a importância que o suporte social, formal e informal lhe deverá dar nos acompanhamentos realizados, como previsto por vários autores (Barbosa, 2010; Bermejo, 2007; Ferreira, 2009; Gameiro, 1988; Kubler-Ross & Kessler, 2010; Parkes, 1998; Worden, 2010).

3. Procura de proximidade, manutenção da relação com o