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3 COMUNIDADE POLÍTICA E BEM COMUM NA CHRONICA CIVITATIS

4.2 Acerca do Método

Quanto ao método próprio empregado no terceiro capítulo desse trabalho, esse nos pareceu conveniente, pois, primeiramente, permitiu uma avaliação da inserção da Chronica no universo do vocabulário político empregado na segunda metade do século XIII para designar as ideias de comunidade política e bem comum. Sobre esse primeiro tema, como foi visto na referida parte, Iacopo restringiu sua gama de expressões a um número bastante reduzido: o termo universitas não foi utilizado em momento algum e communitas teve apenas uma única manifestação em toda a obra. De modo geral, o arcebispo se referiu às comunas

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Chronica, p. 392. “Sacra Scriptura est omnium scientiarum regina (…) est etiam omnium regum, principum et rectorum magistra, dans omnibus certas regulas, per qua ad sua officia dirigantur”

156 italianas (as sociedades mais presentes na composição) apenas pelo emprego das palavras

civitas ou commune - geralmente como complemento nominal (adjunto adnominal) de um

termo (nome) flexionado no caso genitivo - em univocidade de maneira a indicar a mesma ideia que foi expressa pela única aparição do termo communitas na crônica, isto é, organização política ou conjunto de cidadãos que se autogoverna.438 O uso contínuo desses termos que não designam uma específica distribuição do poder no interior das sociedades referidas pode apontar para um exíguo interesse por parte do autor quanto ao que se refere a essa questão – palavras como monarquia, aristocracia e democracia, próprias da teoria política aristotélica reintroduzida na cultura letrada a partir das traduções da Ética e da

Política, não constam no interior do léxico político de Iacopo de Varazze. Como visto, o autor

também não estabeleceu nenhuma forma de hierarquização de regimes políticos em vista de suas características estruturais (apenas a partir da observância do bem comum de forma mais eficiente). A restrição do vocabulário político de Iacopo às pessoas que tomam a frente do regime439 e a ausência de um léxico aristotélico que se refira às instituições políticas se faz notar de modo muito claro quando o cronista escreve sobre os regimes que existiram em Gênova: para tanto, ele se reporta a eles como o regime dos cônsules, dos podestà, dos

capitães do povo e dos abades.440 No entanto, mais do que ter possibilitado a avaliação da abrangência da gama de expressões utilizadas, o método abriu caminho para um maior esclarecimento quanto ao que Iacopo entendia por cidade e comuna a partir do momento em que proporcionou a possível identificação existente entre as duas terminologias mais empregadas (civitas e commune) e a palavra communitas (mesmo diante de sua única aparição).

No referente ao tema do bem comum, o método também tornou possível, assim como no caso da comunidade política, a percepção do quão restrito foi o vocabulário empregado para expressar essa ideia e concepções adjacentes (como a de bem individual e/ou particular). As expressões empregadas foram, por um lado, bonum commune, bona comunia, utilitas

communis e respublica; por outro, bona propria e utilitas propria. Ou seja, apenas seis

438Cf. p. 98.

439A partir disso resulta o estabelecimento do foco de sua reflexão política em virtudes e vícios dos homens

políticos ao propor seus modelos de governante e cidadão.

440Chronica, p. 385. “Mas ignoramos se um ou outro regime deve ser mudado; todavia, rogamos a Deus para

que, se em algum momento tiver que ser mudado, que se permute sempre para melhor. Nada se opõe a ser governado por cônsules, podestà ou capitães ou abades, desde que a república seja bem governada” [“Utrum

autem regimen ipsum mutandum sit ignoramus; rogamus tamen Deum ut, si aliquando mutari debuerit, semper in melius permutetur. Sed nichil obest regi per consules vel per potestates vel capitaneos vel abbates, dummodo res publica bene regatur”].

157 locuções de uma lista que, conforme exemplos fornecidos por Kempshall, somava mais de trinta expressões.441 Dentre todas, bonum commune teve apenas uma figuração na Chronica e, nesse caso, o recurso aos sermões não foi de grande ajuda uma vez que não foi encontrada nenhuma manifestação da expressão. O mesmo ocorreu com bona comunia e bona propria tanto na frequência do uso dos termos quanto no recurso às coleções sermonárias. Assim, a locução mais recorrente na Chronica foi utilitas communis que, contudo, foi poucas vezes contrastada com utilitas propria.

Em segundo lugar e de modo geral, o método adotado também nos permitiu permanecer mais próximos às concepções estabelecidas ou reproduzidas pelo autor. Conforme orientação de Skinner, para entendermos como os homens do passado compreendiam seu mundo é preciso ir além da identificação do vocabulário por eles empregado e buscar os conceitos que eles possuíam.442 Tendo isso sempre em mente, uma vez que as significâncias na crônica não estavam presentes ou o termo não permitia entrevê-las de modo mais aprofundado, as mesmas foram buscadas em obras precedentes de Iacopo e posteriormente identificadas na Chronica onde o vocábulo tomado como ponto de partida não figurava. No fim, o método almejou alcançar os conceitos, sendo o léxico apenas o meio utilizado para isso. Ao realizarmos a análise documental dessa forma pudemos apontar para uma continuidade de ideias e argumentos em seus escritos ao longo dos anos, o que, então, certamente contribui parcialmente (mas também significativamente) para a formação de um entendimento mais completo a respeito da totalidade de sua produção letrada e de seu próprio autor.

Como foi esclarecido no início do terceiro capítulo, o método não foi empregado nos sermões do mesmo modo que foi feito na Chronica, pois o recurso a eles, em verdade, consistia apenas em uma parte do todo da metodologia. Nas antologias foram analisados somente os trechos onde apareceram os termos, de modo que as significâncias que se buscava e as encontradas poderiam se fazer presente em outras partes desses textos onde os vocábulos não foram empregados. Não realizar a busca e o exame desses fragmentos textuais se justifica pelo recorte documental da pesquisa: caso fizéssemos de maneira diversa, teríamos que oficialmente estender a pesquisa aos sermões, que não foi de nosso intento.

Por fim, se em algum momento o método não trouxe resultados, isso parece ter tido sua razão mais nas margens interpretativas estabelecidas pela fonte à qual ele foi aplicado do

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KEMPSHALL, op. cit., p. 10.

158 que nele mesmo – como foi o caso do termo universitas. De modo geral ele possibilitou mais esclarecimentos do que suscitou adversidades à análise.