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3 COMUNIDADE POLÍTICA E BEM COMUM NA CHRONICA CIVITATIS

3.1 Comunidade Política na Chronica de Iacopo de Varazze

3.1.1 Communitas

3.1.1.2 Communitas e a Origem Comum

A partir do recurso aos Sermones Quadragesimales, o segundo significado de

communitas identificado aponta para uma origem comum a todos os membros de uma

comunidade.290 Na ocasião, no entanto, o termo teve um emprego que não implicava em uma significância de cunho político, pois tratava apenas de um grupo muito restrito, de Jesus e seus apóstolos. Mas será possível que essa mesma valoração atrelada à palavra tenha sido utilizada de modo a acarretar esse tipo de significado? Após essa incursão à obra sermonária do frade dominicano, retornamos à produção historiográfica do arcebispo e nela foi possível verificar que Iacopo reservou as três primeiras partes da obra para tratar da origem e dos fundadores de Gênova. Isso, pois, indica que a suposição há pouco levantada se revela verdadeira. Porém, antes de discutirmos o modo como a origem dessa cidade foi narrada pelo arcebispo, é conveniente que consideremos o importante papel desempenhado, ainda no século XIII, por uma concepção largamente difundida nos meios letrados sobre a ação de

fundação de cidades.

Essa elaboração tinha suas raízes na antiguidade romana e no conceito de autoridade desenvolvido por esse povo. Segundo o entendimento que os homens dessa época produziram sobre essa matéria, a fonte de toda ela encontrar-se-ia unicamente no passado, mais especificamente na fundação de Roma e na grandeza de seus antepassados.291 Os homens dotados de autoridade no presente (dos romanos antigos), portanto, seriam os anciãos ou os

patres que compunham o Senado, os quais haviam obtido por descendência e transmissão292 a autoridade dos que fundaram todas as coisas futuras, ou seja, os antepassados chamados pelos romanos antigos de maiores.293 Segundo aponta Hannah Arendt, no interior dessa concepção

“a autoridade dos vivos era sempre derivativa, dependendo (…) da autoridade dos fundadores que não mais se contavam no número dos vivos”.294 Quanto à etimologia da palavra auctoritas, essa se encontra no verbo augere, que tem o significado de aumentar. Assim, o que esses homens considerados patres faziam no presente – e por serem eles os

290Cf. p. 98-99, 101.

291ARENDT, Hannah. Entre o passado e o futuro. 7. ed. São Paulo: Perspectiva, 2011. p. 136. 292

Transmissão por tradição que, em latim, é dito traditio e que, por sua vez, tem sua origem no verbo trado, que possui o significado de 'entregar, ceder, fazer passar a'.

293Os homens mais velhos, anciões, portanto, possuiriam a autoridade por estarem mais próximos, terem nascido

em um tempo que se encontrava mais perto daquele dos antigos fundadores.

112 senadores faziam isso precisamente no âmbito da política – era aumentar a fundação da própria Roma feita pelos maiores em tempos de outrora:

No âmago da política romana, desde o início da República até virtualmente o fim da era imperial, encontra-se a convicção do caráter sagrado da fundação, no sentido de que, uma vez alguma coisa tenha sido fundada, ela permanece obrigatoriamente para todas as gerações futuras. Participar na política significa, antes de mais nada, preservar a fundação da cidade de Roma. Eis a razão por que os romanos foram incapazes de repetir a fundação de sua primeira polis na instalação de colônias, mas conseguiram ampliar a fundação original até que toda a Itália e, por fim, todo o mundo ocidental estivesse unido e administrado por Roma, como se o mundo inteiro não passasse de um quintal romano.295

Além de ter constituído o fundamento da política nessa época, a fundação e a santidade da casa (Roma) formavam também o conteúdo político da religião romana que, segundo Cícero, possuía seu preciso sentido derivado do verbo latino religo296 (religare): ou seja, colocar o presente em contato com o passado, ligar o presente ao esforço de fundação.

“Ser religioso significava ligar-se ao passado (…) a religião e a atividade política podiam assim ser consideradas como praticamente idênticas”.297 A partir da constatação da existência de uma simbiose entre política e religião e da importância daquele ato que deu origem àquela comunidade, percebe-se que ambas estavam diretamente ligadas à força da

autoridade: a política na medida em que os senadores estabeleciam essa ligação com o

passado fundacional; e a religião visto que os deuses possuíam autoridade entre os homens, pois eles aumentavam e confirmavam as ações humanas (mas não as guiavam).298

Em linhas gerais, portanto, conforme esse pensamento romano antigo, toda a

autoridade derivava precisamente do ato de fundação de Roma por seus antepassados. Em

uma sociedade como essa em que os atos dos grandes homens de outrora representavam o modelo de grandeza a ser seguida pelos descendentes, a autoridade adquiriu caráter educacional.299 Isso formava uma tradição (traditio) que santificava o passado; que preservava e levava aos homens do presente a memória dos ancestrais e da fundação.

295Ibid., p. 162. Grifo nosso.

296Em português: Fixar, atar. Ancorar, atracar. Prender. Segundo Hannah Arendt, nesse contexto, religo

significaria “ser atado, obrigado, ao enorme, quase super-humano e, assim, sempre legendário esforço para

lançar as fundações, construir a perda-angular, fundar para a eternidade”. ARENDT, p. 163.

297Ibid., p. 163. 298

Ibid., p. 165.

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“Enquanto a tradição fosse ininterrupta, a autoridade estaria intacta”.300

Seguir o exemplo dos ancestrais seria, assim, preservação e manifestação de autoridade no presente.

Posto isso, ainda assim cabe o questionamento: o que era de fato a autoridade segundo essa concepção romana antiga? Segundo o estudo de Arendt, a autoridade foi um elemento constituidor da política do Ocidente até o surgimento do mundo moderno e, tendo ela perdido esse posto, é necessário que alguns esclarecimentos sejam feitos para que a compreendamos mais acertadamente. Segundo a filósofa, é importante que se faça duas distinções primordiais a respeito da autoridade: ela não pode ser confundida com poder ou violência; e ela não atua como uma ação de convencimento. Quanto à primeira distinção, a confusão entre os conceitos talvez seja recorrente pelo fato de a autoridade pressupor obediência, porém, “a autoridade

exclui a utilização de meios externos de coerção; onde a força é usada, a autoridade em si mesmo fracassou”.301

Por sua vez, a diferenciação entre autoridade e poder, é Cícero quem no-la ofereceu ao afirmar no De legibus que “enquanto o poder reside no povo, a autoridade

repousa no Senado”.302 Sendo assim, a autoridade na verdade se mostraria como sendo uma espécie de conselho que se faz ouvir e acatar sem a necessidade de se recorrer à forma da ordem ou à coerção externa.303 Por fim, Arendt atesta que a autoridade “é incompatível com a

persuasão, a qual pressupõe igualdade e opera mediante um processo de argumentação. Onde se utilizam argumentos, a autoridade é colocada em suspenso”. A partir dessas

colocações, percebe-se que autoridade pressupõe obediência, uma hierarquia - portanto uma desigualdade304 - e deve ser definida em contraposição à coerção por meio da força e à persuasão por meio de argumentos.305 Ou seja, a autoridade não é poder, mas é algo que se impõe sem violência e sem a necessidade de um convencimento: é aquilo que é aceito.

Esclarecido então o que é autoridade segundo o entendimento romano antigo; o seu caráter e papel em relação à fundação; e a importância desse ato instituidor da sociedade;

300

Ibid., p. 166.

301Ibid., p. 165.

302CICERO. De legibus. Berolini: Franciscum Vahlenum. 1883. III 28. “Cum potestas in populo auctoritas in senatu sit”. Fazer notar-se que os que compunham o Senado eram os chamados patres, que aumentavam a

fundação no presente por estarem mais próximos dos maiores, os antepassados. Além disso, recorda-se aqui o uso dos termos auctoritas e potestas foi por Iacopo de Varazze e Vincente de Beauvais ao compararem as dignidades espiritual (papa) e imperial e estabelecerem a preeminência da primeira sobre a segunda. Para isso, cf. nota 279.

303ARENDT, op. cit., p. 165. 304

Sobre isso, Arendt afirma: “a relação autoritária entre o que manda e o que obedece não se assenta nem na

razão comum nem no poder do que manda; o que eles possuem em comum é a própria hierarquia, cujo direito e legitimidade ambos reconhecem e na qual ambos têm seu lugar estável predeterminado”. Ibid., p.

129.

114 retornemos agora à Chronica de Iacopo de Varazze para verificarmos como a origem de Gênova foi narrada. Como já exposto, essa matéria foi elaborada nas três primeiras partes da obra. Na primeira, composta por quatro capítulos e que versa em grande medida sobre sua fundação e edificação306, o arcebispo afirma que todas as cidades possuem dois construtores: o principal, que é o próprio Deus, e um secundário, um ser humano qualquer.307 Sendo assim, e alinhado à concepção romana antiga308, são duas as autoridades às quais os homens do presente devem se ligar. Cabe, então, o questionamento: se todas as cidades provêm de Deus, o conjunto delas poderia formar uma única e grande comunidade política de acordo com princípios fornecidos pela Chronica de Iacopo? Gênova, Pisa e Veneza (suas principais rivais no século XIII) formariam uma mesma communitas em sentido político? Caso tomemos

apenas à ligação estabelecida com Deus na condição de fundador de cidades, a resposta seria

afirmativa. Essa comunidade formada por inúmeras cidades que partilham a mesma religião (portanto a mesma ligação com um mesmo passado) seria o corpus christianorum - no qual os seus membros gozam da comum cidadania no âmbito do pertencimento à res publica

306

Em grande medida, pois o primeiro capítulo trata da fundação de cidades em geral e a partir do relato bíblico sobre a fundação da primeira delas por Caim.

307Chronica, p. 341. “Habet igitur civitas qualibet duplicem constructore: unum principalem, scilicet ipsum

Deum; alium secundarium, scilicet aliquem hominem terrenum”. [“De fato, toda cidades tem dois

construtores: um principal, que é certamente Deus, e outro secundário, isto é, o ser humano”].

308A comunhão com todas as ideias que gravitavam em torno ao conceito de autoridade conforme o pensamento

romano antigo para ser indicado por uma passagem precisa do final do capítulo III da primeira parte da

Chronica ao afirmar que “isso que dissemos desse Janus, cidadão troiano, sabemos somente pela fama pública e antiga. Pois nós, os filhos, aprendemos essas coisas dos nossos pais e, do mesmo modo, os nossos

pais aprenderam essas coisas dos seus pais; assim toda notícia foi transmitida de geração em geração, de nação em nação, de modo que podemos afirmar com o Profeta: ‘Os fatos que o Senhor ordenou aos nossos pais de revelar aos seus filhos, para que a geração seguinte os conheça, os filhos que nasceram e cresceram o recontaram aos seus filhos’. Moisés assim disse: ‘Interrogue o seu pai e lhe anunciará; aos seus maiores e lhe dirão’. Pois esses fatos, apesar de não se encontrarem em alguma história antiga, são reconhecidos como verdadeiros pela fama pública e antiga. Onde falta a auctoritas, a célebre fama supre. A fama, que não nasce de coisas modestas, mas de importantes; que não é particular, mas geral; que não é nova, mas antiga; a fama enquanto tal não somente induz à presunção, não somente cria a probabilidade, mas também induz e cria a prova” [“Istud autem quod diximus de isto Iano, cive Troie, scimus tantum per famam publicam et

antiquam. Nos enim filii didicimus a patribus nostris, et patres nostri a suis patribus ista similiter didicerunt;

et sic generatio hec omnia nota fecit generationi et natio nationi, ut possimus dicere cum Propheta: "Quanta mandavit [Dominus] patribus nostris nota facere ea filiis suis, ut cognoscat generatio altera; filii, qui nascentur, exurgent et narrabunt filiis suis". Moyses etiam dicit: "Interroga patrem tuum, et annuntiabit tibi;

maiores tuos, et dicent tibi". Ista igitur, etsi non inveniantur in aliqua antiqua ystoria, inveniuntur vera esse

ex fama publica et antiqua. Ubi deest auctoritas, suplet fame celebritas; fama, que non [habet] ortum a levibus, sed a gravibus, que non est particularis sed generalis, que non est nova sed antiqua, talis in quantum fama non solum inducit presumptionem, non solum facit probabilitatem, sed etiam inducit et facit probationem ”]. Nota-se que no trecho citado a palavra maiores foi empregada de modo idêntico ao feito

pelos romanos antigos, ou seja, para designar as auctoritates do passado. Portanto, na ausência desses homens no tempo presente, alcançar-se-ia o passado e a força da fundação (pois a história contada anteriormente é sobre o segundo Janus, o segundo fundador) por meio da fama publicam et antiquam. Além disso, percebe-se que o uso feito da expressão agrega a ela o mesmo valor que há pouco apontamos para o termo latino traditio. O arcebispo, assim, expressa de maneira muito próxima (se não idêntica) toda a concepção de autoridade cunhada pela cultura romana antiga. Cf. Chronica, p. 348. Tradução e grifos nossos.

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christianorum (que coincide com a Ecclesia) sob o comando dos líderes in spiritualibus e in temporalibus.309 Em adição a isso, se tomarmos o primeiro significado de communitas que acabamos de delinear a partir de passagens da Chronica, a resposta poderia ser afirmativa, caso nenhuma cidade impusesse seu poder sobre outra, pois, assim, a subjugada deixaria de sustentar esse status.

No entanto, sabemos bem – e pensamos que é seguro afirmar que nosso arcebispo também possuía plena consciência disso - que a configuração política da Península Itálica no século XIII se mostrava muito distante desse quadro hipotético de união harmônica entre todas as comunas. Além disso, o postulado que afirma Deus como fundador de cidades tem apenas uma única expressão em toda a crônica, enquanto a fundação delas por homens é apresentada diversas vezes, de modo que essa força formatadora de sociedades no século não pode ter sua influência e importância descartada e/ou diminuída. Na narração empreendida pelo arcebispo, a parte humana da fundação da cidade - ou seja, o que para nós seria a sua origem de fato – desempenha uma função basilar no que diz respeito à formação de uma

communitas, pois ela também garantiria uma origem comum a todos aqueles que tomam parte

de sua composição e, além disso, daria o caráter permanente de uma determinada sociedade. No que diz respeito a uma comunidade enquanto entidade de cunho político, a sua fundação humana seria, portanto, um dos fatores que a caracterizariam e aquele que a diferenciaria das demais. Gênova e outras cidades não formariam uma mesma communitas devido ao fato de possuírem origens humanas diversas, o que era expresso em seus próprios nomes:

De fato, alguns dizem que o próprio Ianus, que a fundou, lhe deu esse nome (...) isto é, foi chamada de Ianua [nome latino de Gênova] ou Ianicula a partir de Ianus (...) Os antigos, em verdade, tinham o costume de chamarem com seu próprio nome a cidade que fundavam. Assim, Nino que fundou Ninive, Cres que fundou Creta, Rômulo que fundou Roma e a rainha Manto que fundou Mântua as denominaram com os seus próprios nomes.310

309

CARDINI, Iacopo, la pace e la guerra. In: GUIDETTI, Stefania Bertini (org). Il Paradiso e la terra: Iacopo da Varazze e il suo tempo, Atti del Convegno Intern. di Studio, Varazze 24-26 sett. 1998, Firenze: Sismel Edizione del Galluzzo. 2001. pp. 71-82. p. 101. No entanto, conforme o próprio autor esclarece, era corrente na época de Iacopo a discussão sobre qual dos dois era a real fons iuris. Essa questão já foi aludida em nosso texto. Cf. página 105, nota 279.

310Chronica, p. 355. “Quidam enim dixerunt quod istud nomen sibi imposuit Ianus, qui eam construxit (...)

scilicet dicta sit Ianua sive Ianicula a Iano (...) Solebant enim antiqui civitates, quas edificabant, a suo nomine appellare. sicut Ninus, qui edificavit Ninivem, et Cres, qui edificavit Cretam, et Romulus, qui Romam edificavit, et Mathys regina, que Mantuam edificavit, eas a suis nominibus vocaverunt”. A importância que

etimologia como forma de pensamento desempenhou na cultura cristã ocidental como um todo (desde, no

mínimo, Isidoro de Sevilha e seu Etymologiarium até pelo menos a Iacopo de Varazze, que nutria grande

afeição por ela) se dava no sentido de “desvelar o sentido autêntico das palavras”, conforme aponta Senellart. Segundo esse historiador, o recurso a essa parte da gramática era empregado para revelar verdades que subjaziam a um complexo conjunto de lexemas. Ela “restitui aos vocábulos gastos pelo uso sua força

116 A origem que remontava à Janus (Ianus no original latino) seria então o que distinguiria Gênova de outras cidades. Quanto a essa filiação, é importante destacar que Iacopo a atribui não apenas a um único Janus, mas a dois311 que respectivamente, em épocas diferentes, fundaram e ampliaram sua cidade.312 Dessa construção narrativa que nos oferece uma extraordinária coincidência, depreende-se que essa cidade, em verdade, não possuía apenas uma única origem comum, mas duas - que eram diversas ao mesmo tempo em que eram una em decorrência do nome do fundador.313 Isso, pois, multiplicaria pelo mesmo número o caráter que percorre permanentemente a história da cidade ao ser aumentado por seus cidadãos que se ligam às autoridades do passado e ao ato de fundação de suas comunidades conforme os preceitos da cultura romana antiga há pouco discutidos. Segundo o historiador Franco Cardini, “nas ‘origines civitatis’, segundo a norma taxonômica das

legendas medievais de fundação de cidade e nas crônicas através das quais as conhecemos, é reunido o núcleo próprio de fato de cada cidade”.314

(vis) primitiva. Ela reajusta linguagem à ordem das coisas”. Ao realizar um trabalho etimológico com o

nome de sua cidade, nosso cronista, então, oferece ao seu público um via de acesso à ordem das coisas que deram origem a aquela cidade. Cf. SENELLART, op. cit., p. 70.

311Iacopo ainda acrescenta mais um Janus em sua crônica, mas esse terceiro não foi fundador ou ampliador de

Gênova - mas a ele foi dedicado o último capítulo da primeira parte da Chronica. Discorremos sobre essa razão logo mais no corpo do texto nas páginas 119-120.

312

Chronica, p. 338, 342. “A primeira parte trata da fundação e edificação de Gênova e essa parte possui quatro

capítulos (...) No segundo capítulo se fala de Janus, o primeiro rei da Itália, que construiu e edificou Gênova. No terceiro capítulo é narrado que Janus, cidadão de Tróia, ampliou e melhorou-a. No quatro capítulo se fala de Janus, que era deus e imagem sacra dos Romanos, antigamente venerado em Gênova” [“Prima pars

continet a quo civitas Ianue fuit hedificata et constructa, et ista pars habet .IIIIor. capitula (...) In secundo capitulo dicitur quod Ianus, primus rex Ytalie, Ianuam construxit et hedificavit. In tertio capitulo dicitur quod Ianus, civis Troie, ipsam iam hedificatam ampliavit et melioravit. In .IIIIo. capitulo dicitur quod Ianus, qui erat deus et simulacrum Romanorum, olim in Ianua colebatur”]. “Com o passar do tempo, depois que

Babilônia foi construída, muitos outros construíram cidade, como Nino, que fez construir Ninive, e muito outros depois dele. Muitos desses, dentre os quais estava Janus, chegaram à Itália, onde fundaram muitíssimas cidades. Mas é de se notar que os Janus foram três. O primeiro é Janus que veio do Oriente para a Itália e quem em um primeiro tempo reinou. O segundo é um príncipe que foi cidadão de Tróia e que depois da destruição da cidade veio à Itália. O terceiro é o rei dos Epirotes, que veio a Roma e que, depois de sua morte, os Romanos elevaram-no a deus e assim veneraram-no” [“Per processum autem temporis, hedificata

Babilonia, plures alii civitates construxerunt, sicut Ninus, qui construxit Ninivem, et plures alii post ipsum. Plures tamen de ipsis ad Ytaliam navigando venerunt et ibi civitates quam plurimas construxerunt, de quorum numero fuit Ianus. Sed notandum est quod tres fuisse Iani dicuntur. Primus est Ianus, qui de partibus Orientis in Ytaliam venit et ibi primo regnavit. Secundus est quidam princeps, qui fuit civis Troie, qui post destrutionem Troie ad Ytaliam venit. tertius est rex Epyrotarum, qui Romam venit et post mortem suam Romani ipsum deificaverunt et tanquam deum coluerunt”]. Tradução e grifo nosso.

313Cf. nota 310 para a importância da etimologia. 314

CARDINI, op. cit., p. 99. O historiador continua: “Florença é filha de Roma e em perpetuo consagrada ao

deus Marte: que, deposto por João Batista, vinga-se inoculando nos ferozes e sediciosos florentinos a semente da guerra entre associações e facções”. Do momento que se referência a Florença, acrescentamos

que a importância do momento e do caráter da fundação de uma cidade e a função cívica atrelada à historiografia, ou seja, o caráter público do monumento literário, permaneceu presente no seio das produções

117 Ao tratar do primeiro fundador, o cronista afirma que ele “chegou à Itália no tempo de

Moisés” e que “Janus, rei da Itália, existiu mais de seiscentos anos antes que Roma fosse