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4. PARA ALÉM DAS COTAS: AS OUTRAS MEDIDAS DE DISCRIMINAÇÃO

4.2. Acessibilidade: do local ao espaço

A Constituição da República garante a acessibilidade no art. 5º, XV, que assegura o direito de ir e vir do cidadão; no art. 227, que confere acessibilidade nos edifícios públicos e veículos de transporte coletivos e também no art. 244210, que dispõe sobre adaptações de logradouros, edifícios de uso público e veículos de transporte coletivo.

Defende-se que a acessibilidade consiste em oportunizar condições para acesso à informação, documentação, comunicação e a “qualquer lugar”. Essa concepção é corroborada pelo conceito trazido pelo art. 8º, inciso I, do Decreto nº 5.296/2004.211

O conceito de acessibilidade é muito abrangente e, para sua garantia, não basta entendê-la somente como acesso a um lugar físico ou a uma vaga, pois também compreende a possibilidade de criação de um espaço.212

http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/ADPF186MMA.pdf. Acesso em: 04 de jun. 2012.

210 Art. 244, da Constituição da República, detalha que as adaptações de edifícios de uso público e de

veículos de transporte coletivos devem atingir os já existentes, deixando claro que todas as regras serão aplicadas tanto às novas construções ou meios de transportes coletivos como também em relação àquelas que já estavam construídas ou em funcionamento.

211 Nesse mesmo sentido é importante anotar o seguinte esclarecimento: entendemos a

acessibilidade como condição de acesso à informação, documentação, comunicação e a “qualquer lugar”. Essa concepção ganha envergadura com o Decreto nº 5.296, de 02.12.2004, que estabelece normas gerais e critérios básicos para promoção da acessibilidade das pessoas com deficiência ou com mobilidade reduzida. A garantia de direitos como saúde, educação, trabalho, depende do direito de ir e vir e do acesso à cidade.

212

Importante anotar a diferenciação existente entre lugar e espaço. Nesse sentido: “Lugar é uma configuração instantânea de posições, implica uma indicação de estabilidade. Por sua vez, o espaço é um lugar praticado, atravessado por operações que o orienta, o circunstancia, o temporaliza e

Por conta disso, a acessibilidade se desdobra em diversas outras dimensões, dentre estas: acessibilidade arquitetônica, acessibilidade comunicacional, acessibilidade metodológica, acessibilidade instrumental, acessibilidade programática, acessibilidade atitudinal.213

Importante reparar que o art. 227 da Constituição da República foi regulamentado pela Lei nº 10.048/2000 e pela Lei nº 10.098/2000, ambas regulamentadas pelo referido Decreto nº 5.296/2004.

A Lei nº 10.048/2000 deu prioridade ao atendimento prestado às pessoas com deficiência e idosos com idade igual ou superior a sessenta e cinco anos, às gestantes, lactantes e pessoas acompanhadas de crianças de colo. Também, para assegurar a acessibilidade, o art. 3º desta mesma lei previu a obrigatoriedade às empresas públicas e concessionárias de transporte coletivos de reservar assentos, devidamente identificados, aos idosos, gestantes, lactantes, pessoas com deficiência e pessoas acompanhadas de crianças de colo.

consequentemente torna possível que os conflitos venham à tona. Exemplifica, da seguinte forma: a rua é geometricamente definida por um urbanismo e é transformada em espaço pelos pedestres, ou seja, o andar transforma a rua em espaço. Portanto, entendemos a acessibilidade não somente por acesso a um lugar, mas também compreende o acesso à possibilidade de criação e recriação de um espaço”. VAZ, Cláudia Freire; LIMA, Gabriela Silva de; BEZERRA, Priscila Silva; BRAGA, Maudeth Py. Acessibilidade: da obtenção de um lugar à construção de um espaço. In: CARVALHO-FREITAS, Maria Nivalda; MARQUES, Antonio Luiz (Orgs.). O Trabalho da Pessoa com Deficiência. Curitiba: Juruá, 2009. p. 174-175.

213 Acessibilidade arquitetônica: sem barreiras ambientais físicas em todos os recintos internos e

externos da escola e nos transportes coletivos. Acessibilidade comunicacional: sem barreiras na comunicação interpessoal (face-a-face, língua de sinais, linguagem corporal, linguagem gestual etc.), na comunicação escrita (jornal, revista, livro, carta, apostila etc., incluindo textos em braile, textos com letras ampliadas para quem tem baixa visão, notebook e outras tecnologias assistivas para comunicar) e na comunicação virtual (acessibilidade digital). Acessibilidade metodológica: sem barreiras nos métodos e técnicas de estudo (adaptações curriculares, aulas baseadas nas inteligências múltiplas, uso de todos os estilos de aprendizagem, participação do todo de cada aluno, novo conceito de avaliação de aprendizagem, novo conceito de educação, novo conceito de logística didática etc.), de ação comunitária (metodologia social, cultural, artística etc. baseada em participação ativa) e de educação dos filhos (novos métodos e técnicas nas relações familiares etc.). Acessibilidade instrumental: sem barreiras nos instrumentos e utensílios de estudo (lápis, caneta, transferidor, régua, teclado de computador, materiais pedagógicos), de atividades da vida diária (tecnologia assistiva para comunicar, fazer a higiene pessoal, vestir, comer, andar, tomar banho etc.) e de lazer, esporte e recreação (dispositivos que atendam às limitações sensoriais, físicas e mentais etc.). Acessibilidade programática: sem barreiras invisíveis embutidas em políticas públicas (leis, decretos, portarias, resoluções, medidas provisórias etc.), em regulamentos (institucionais, escolares, empresariais, comunitários etc.) e em normas de um modo geral. Acessibilidade atitudinal: através de programas e práticas de sensibilização e de conscientização das pessoas em geral e da convivência na diversidade humana resultando em quebra de preconceitos, estigmas, estereótipos e discriminações. Inclusão: o paradigma do século 21. Inclusão: Revista da Educação Especial, out. 2005, p. 19-23. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/pdf/revistainclusao1.pdf. Acesso em: 22 de maio 2012.

A Lei nº 10.098/2000 estabeleceu normas e critérios gerais para promoção da acessibilidade das pessoas com deficiência ou com mobilidade reduzida, mediante supressão das barreiras e de obstáculos de vias e espaços públicos, no mobiliário urbano, na construção e reforma de edifícios e nos meios de transporte e comunicação.

O Decreto nº 5.296/2004 estabeleceu detalhadamente regras a respeito: implementação da acessibilidade arquitetônica, acesso à informação e à comunicação, ajudas técnicas e o Programa Nacional de Estabilidade.

O art. 19, §§ 1º e 2º, o art. 23, § 8º e o art. 24, § 2º estabeleceram o prazo de trinta a quarenta e oito meses para o cumprimento das normas de acessibilidade, sobre este aspecto concorda-se com a crítica de Luiz Alberto David Araújo, que denuncia o notório descaso para cumprir o art. 227, § 2º da Constituição da República. Nesse sentido, é possível perceber que se passaram 12 anos para elaboração das leis ordinárias, mais 4 anos para edição do decreto regulamentador, perfazendo, assim, 16 anos. Como se não bastasse, em 2008, quando ultrapassados todos os prazos, tem-se a tramitação no Congresso Nacional do projeto de lei para elaboração do Estatuto da Pessoa com Deficiência, que estabelece nova reabertura de prazo para adaptação.214

Ricardo Tadeu Maques da Fonseca215 ressalta que a tradição arquitetônica das cidades valoriza escadarias, soleiras altas e o transporte público atende muito mal a todos, de tal modo que isso, até pela lei da “oferta e da procura”, leva à redução do número de ônibus, sempre lotados, e ao congestionamento das vias públicas. Conclui o autor que isso torna a implantação de rampas, de elevadores ou

214“12 anos para elaboração da lei ordinária, mais 4 anos para elaboração do decreto regulamentar,

tarefa singela do Poder Executivo. Portanto, 16 anos! E para cumprimento, mais 48 meses, ou seja, 20 anos. Estamos, finalmente, em 2008, ultrapassando o último prazo fixado. Finalmente, teremos (ao menos no plano teórico), um país acessível! No entanto, para surpresa de todos, tramita no Congresso Nacional projeto de lei que cria o Estatuto da Pessoa com Deficiência. E os prazos serão reabertos para adaptação dos equipamentos urbanos. Se o projeto do estatuto pudesse representar uma sistematização dos direitos das pessoas com deficiência, apenas esse retrocesso (aliás, proibido pelo sistema) já seria suficiente para que fosse aguardada a sua rejeição. Há inconstitucionalidade clara, por cláusula de retrocesso no projeto mencionado”. ARAUJO, Luiz Alberto David. A proteção constitucional das pessoas com deficiência e o cumprimento do princípio da dignidade da pessoa humana. In: MIRANDA, Jorge; SILVA, Marco Antonio Marques da. Tratado Luso-Brasileiro da

Dignidade Humana. São Paulo: Quartier Latin, 2008, p. 203-211.

215 DA FONSECA, Ricardo Tadeu Marques da. O trabalho da pessoa com deficiência e a lapidação

de calçadas sem buracos ou degraus, de edifícios privados e públicos uma tarefa muito onerosa, lenta e que é alvo de resistência.

O art. 227 da Lei Orgânica de São Paulo, na tentativa de implementar a acessibilidade municipal, garante o acesso das pessoas com deficiência, por meio da eliminação das barreiras arquitetônicas de logradouros e edifícios públicos e particulares, garantindo-lhes a livre circulação, bem como adoção de medidas semelhantes quando da aprovação de novas plantas de construção e também adaptação ou eliminação dessas barreiras em veículos coletivos.

Nesse sentido, cumpre anotar, a título de esclarecimento conceitual, que a Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) também definiu alguns conceitos, critérios e normas para assegurar a acessibilidade.

Dentro desse enfoque a Norma Brasileira Regulamentadora, NBR 9050:2004 merece atenção, pois dispõe sobre acessibilidade a edificações, mobiliários, espaços e equipamentos urbanos e apresenta importantes conceitos elementares para solidificar a acessibilidade, senão vejamos:

1 – Acessibilidade216: possiblidade e condição de alcance, percepção e entendimento para utilização com segurança e autonomia de edificações, espaço, mobiliário e equipamentos.

2- Acessível217: espaço, edificação, mobiliário, equipamento urbano e elemento que possa ser alcançado, acionado, utilizado e vivenciado para qualquer pessoa, inclusive aquelas com mobilidade reduzida. O termo acessível implica tanto na acessibilidade física como na de comunicação.

216 ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 9050: acessibilidade a edificações,

mobiliário, espaços e equipamentos urbanos. Rio de Janeiro, 2004. Item 3.1, p. 02. Disponível em: http://www.mpdft.gov.br/sicorde/NBR9050-31052004.pdf. Acesso em : 22 de abr. 2012.

217 ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 9050: acessibilidade a edificações,

mobiliário, espaços e equipamentos urbanos. Rio de Janeiro, 2004. Item 3.2, p. 02. Disponível em: http://www.mpdft.gov.br/sicorde/NBR9050-31052004.pdf. Acesso em : 22 de abr. 2012.

3- Barreira arquitetônica, urbanística ou ambiental218: qualquer elemento natural instalado ou edificado que implica a aproximação, transferência ou circulação no espaço, no mobiliário ou no equipamento urbano.

4- Deficiência219: redução, limitação ou inexistência das condições de percepção das características do ambiente ou de mobilidade e de utilização de edificações, espaço, mobiliário, equipamento urbano e elementos, em caráter temporário ou permanente. 5- Desenho universal220: aquele que visa atender a maior gama de variações possíveis das características antropométricas e sensoriais da população.

6- Linha guia: qualquer elemento natural ou edificado que possa ser utilizado como guia de balizamento para que as pessoas com deficiência visual utilizem a bengala de rastreamento.

7- Mobiliário urbano221: todos objetos, elementos e pequenas construções integrantes da paisagem urbana de natureza utilitária ou não implantados, mediante autorização do poder público em espaços públicos ou privados.

8- Pessoa com mobilidade reduzida222: aquela que temporariamente ou permanentemente tem limitada sua capacidade de relacionar-se com o meio e de utilizá-lo. Entende-se como pessoa com mobilidade reduzida a pessoa com deficiência, idosa, obesa ou gestante.

218 ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 9050: acessibilidade a edificações,

mobiliário, espaços e equipamentos urbanos. Rio de Janeiro, 2004. Item 3.10, p. 03. Disponível em: http://www.mpdft.gov.br/sicorde/NBR9050-31052004.pdf. Acesso em : 22 de abr. 2012.

219 ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 9050: acessibilidade a edificações,

mobiliário, espaços e equipamentos urbanos. Rio de Janeiro, 2004. Item 3.14, p. 03. Disponível em: http://www.mpdft.gov.br/sicorde/NBR9050-31052004.pdf. Acesso em : 22 de abr. 2012.

220 ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 9050: acessibilidade a edificações,

mobiliário, espaços e equipamentos urbanos. Rio de Janeiro, 2004. Item 3.15, p. 03. Disponível em: http://www.mpdft.gov.br/sicorde/NBR9050-31052004.pdf. Acesso em : 22 de abr. 2012.

221 ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 9050: acessibilidade a edificações,

mobiliário, espaços e equipamentos urbanos. Rio de Janeiro, 2004. Item 3.28, p. 03. Disponível em: http://www.mpdft.gov.br/sicorde/NBR9050-31052004.pdf. Acesso em : 22 de abr. 2012.

222 ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 9050: acessibilidade a edificações,

mobiliário, espaços e equipamentos urbanos. Rio de Janeiro, 2004. Item 3.32, p. 04. Disponível em: http://www.mpdft.gov.br/sicorde/NBR9050-31052004.pdf. Acesso em : 22 de abr. 2012.

Do mesmo modo, o art. 1º da Lei nº 8.899/94223 garante o passe livre às pessoas com deficiência, comprovadamente carentes, no sistema de transporte coletivo interestadual. Essa lei foi regulamentada pelo Decreto nº 3.691/00.

O art. 1º da Portaria nº 1 de 09 de janeiro de 2001, do Ministério do Transporte, corrobora a previsão legal comentada acima e concede passe livre às pessoas com deficiência, comprovadamente carentes, observada a sistemática tanto do Decreto nº 3.691/00 como também da lei que regulamenta, ou seja, a Lei nº 8.899/94.

Contudo, é importante alertar quanto à ausência de previsão legal sobre concessão de passes livres nos transportes aéreos e náuticos, o que, por vezes, prejudica o atendimento médico de pessoas com deficiência carentes e moradoras de cidades desprovidas de hospitais mais desenvolvidos que, normalmente, estão situados nas grandes cidades. É por isso que as políticas públicas voltadas à implementação da acessibilidade devem atentar para a dimensão continental do país, principalmente para o fato de que a realidade dos grandes centros urbanos não é a mesma apresentada em todo território nacional. Cabe, assim, enfatizar a necessidade de se incluir o transporte aéreo e náutico na relação de passes livres para as pessoas com deficiência consideradas carentes.

Por fim, o Código de Trânsito Brasileiro, Lei nº 9.503/97, no art. 147, § 4º e também a Lei nº 9.602/98, que dispõe sobre a legislação de trânsito, no art. 2º,§ 4º, preveem o direito da pessoa com deficiência física, mental ou de progressividade de doença possível de reduzir a capacidade para conduzir o veículo, de conseguir habilitação para conduzir automóvel.

A legislação condiciona a concessão da habilitação224 à realização de exame de aptidão física e mental e, no caso de o condutor exercer atividade remunerada

223 Essa lei foi regulamentada pelo Decreto nº 3691/00 que prevê no art. 1º que as empresas

permissionárias e autorizadas de transporte interestadual de passageiros reservarão dois assentos de cada veículo para as pessoas beneficiadas no art. 1º da Lei nº 8899/94.

224 A habilitação concedida após exame de aptidão física e mental é renovável a cada 5 anos ou a

cada 3 anos para condutores com mais de 65 anos de idade, podendo a renovação ser diminuída por proposta do perito examinador.

com o veículo, será submetido a uma avaliação psicológica preliminar e complementar.225

Por fim, a Lei nº 11.126/05, regulamentada pelo Decreto nº 5.904/05226, prevê o direito das pessoas com deficiência visual de ingressar e permanecer com animal nos veículos e nos estabelecimentos públicos e privados de uso coletivo, observadas determinadas condições. Trata-se de uma conquista legal para as pessoas com deficiência visual que também solidifica caminhos inclusivos pela acessibilidade.

A acessibilidade e a inclusão da pessoa com deficiência no mercado de trabalho foram objeto de pesquisa, decorrente de experiência de estágio em Psicologia na Universidade Federal Fluminense (UFF) em que se discutiu: acessibilidade e trabalho nas Instituições Públicas.

As conclusões da pesquisa podem servir de parâmetro para verificar que a inclusão no mercado de trabalho está condicionada à acessibilidade e esta, por sua vez, ainda se mantém empatada em razão da prevalência dos conceitos sociais normalizadores.

De acordo com os relatos da pesquisa, os trabalhos foram realizados com serventuários do Tribunal de Justiça, durante o segundo semestre do ano de 2006 e, posteriormente, com técnicos administrativos da Universidade Federal Fluminense.227

Durante o período das entrevistas, ocorria uma reorganização do ambiente de trabalho do Tribunal de Justiça, em razão da mudança do corregedor, que propunha a realocação de alguns serventuários. No entanto, a realização da

225 Previsão contida no art. 147, §3º da Lei nº 9.503/97 e no art. 2º da Lei nº 9.602/98. 226

O art. 2º, I, do Decreto nº 5.904/05 conceitua deficiência visual: “cegueira na qual a acuidade visual é igual ou menor que 0.05 no melhor olho, com a melhor correção óptica, a baixa visão que significa acuidade visual entre 0.3º e 0,05º”.

227 VAZ, Claudia Freire; LIMA, Gabriela Silva de; BEZERRA, Priscila Silva; BRAGA, Mauteh Py.

Acessibilidade: Da obtenção de um lugar à construção de um espaço. In: CARVALHO-FREITAS, Maria Nivalda; MARQUES, Antonio Luiz (Orgs.). O Trabalho da Pessoa com Deficiência. Curitiba: Juruá, 2009. p. 173-185.

pesquisa mais detalhada foi inviabilizada, em razão das exigências burocráticas feitas pelo Tribunal de Justiça à equipe de entrevistadores.228

Em relação ao espaço de trabalho no Tribunal de Justiça foi notada a criação de diversas táticas para criar um espaço de trabalho para pessoas com deficiência. A tática229, por sua vez, tem a finalidade de improviso, adequações dependentes da ocasião vivenciada.

De acordo com os relatos:230

Serventuária do Tribunal de Justiça relata que o Juiz de sua comarca não autorizou que ela utilizasse a vaga no estacionamento destinada aos usuários portadores de deficiência. Segundo a serventuária, a permissão não foi obtida, mesmo entrando com recurso. A alternativa encontrada foi que o manobrista se dispôs a reservar uma vaga perto dos elevadores.

Funcionário cadeirante que pedia aos colegas que pegassem os processos que ficavam guardados nas prateleiras mais altas.

Da mesma forma na Universidade Federal Fluminense:

Funcionária da UFF comenta que a escolha de sua lotação foi em função de uma sugestão dada por uma ex-professora, também funcionária da Universidade, que indicou um local que melhor se adequasse as suas limitações físicas.

O despreparo dos espaços sociais e a deficiência dos ambientes sociais – não somente a do ambiente de trabalho – foram detectadas pela pesquisa, fatores

228

“(...) é possível a interpretação de que o Tribunal de Justiça utilizou-se do dispositivo da burocracia para impedir a atuação da equipe de estágio; porém, ao inverter a disposição das palavras, a burocracia serve como dispositivo para pensar a lógica de funcionamento do Tribunal de Justiça”. VAZ, Claudia Freire; LIMA, Gabriela Silva de; BEZERRA, Priscila Silva; BRAGA, Mauteh Py, op. cit., p. 178.

229 Importante enfatizar a diferenciação entre a adoção da tática e da estratégia. A tática é baseada

na adequação imediata, de improviso, motivada pela ocasião. Em contraposição à tática, tem-se a estratégia que consiste em cálculo objetivo, um conjunto de práticas que articulam espaço e poder, alocados em lugares próprios e instituídos. Pela estratégia, cria-se uma visão totalizante e própria. VAZ, Claudia Freire; LIMA, Gabriela Silva de; BEZERRA, Priscila Silva; BRAGA, Mauteh Py, op. cit., p. 176.

230 VAZ, Claudia Freire; LIMA, Gabriela Silva de; BEZERRA, Priscila Silva; BRAGA, Mauteh Py, op.

que intensificam a dificuldade para inclusão da pessoa com deficiência, já que as providências de acessibilidade pautam-se na ótica da integração.

A reserva de vagas cria o lugar, entretanto, consideramos que a lei não é o único instrumento de inclusão. Esta não se caracteriza apenas pela presença de pessoas com ou sem deficiência em um mesmo ambiente de trabalho, mas pela possibilidade de criar e recriar espaços.231

Em relação à questão da hierarquia, a pesquisa conclui pela presença de uma lógica de vigilância que constantemente obstaculiza a construção de um espaço, sob argumentos burocráticos.

Isso foi constatado principalmente em razão daqueles serventuários que estavam sob estágio probatório e que sequer se posicionavam contrários à falta de adequação do ambiente de trabalho, sob receio de serem eliminados do processo.

Citamos o caso da serventuária do TJ que utilizava uma prótese na perna direita, que devido à sobrecarga de trabalho estava machucando-a. Quando questionada do porquê de não pedir uma licença médica, respondeu que não poderia por estar em estágio probatório e tinha receio de que o afastamento do trabalho pudesse prejudicá-la em sua avaliação.232

A hierarquia estratificada e burocratizada do Tribunal de Justiça se mostra como meio de monitoramento da pessoa com deficiência ocupante da cota legal, de tal modo que sua ineficiência é punida por uma avaliação negativa, o que acentua o critério excludente adotado pela instituição que sequer se demonstra preocupada em adaptar as condições de trabalho da serventuária.

Entende-se, assim, que a reserva de vagas integra a pessoa com deficiência sem considerar sua multiplicidade, já que fundada na normalidade que fixa o sujeito em determinados padrões. A inclusão exige transformação e, para isso, é

231 VAZ, Claudia Freire; LIMA, Gabriela Silva de; BEZERRA, Priscila Silva; BRAGA, Mauteh Py, op.

cit., p. 184.

232 VAZ, Claudia Freire; LIMA, Gabriela Silva de; BEZERRA, Priscila Silva; BRAGA, Mauteh Py, op.

necessário conhecer as características específicas de cada pessoa e, só assim, reconfigurar os espaços para além de uma visão adaptativa, mas tendo em vista uma estratégia com o foco de atender toda a sociedade e sua diversidade.

Outro estudo, relacionado à educação de pessoas cegas, revelou que a locomoção independente estimula a autonomia dos sujeitos, pois aqueles que se locomoviam sem acompanhantes estavam incluídos no mercado de trabalho.233

Ficou constatado que a locomoção independente estimula a autonomia dos sujeitos, e aqueles que se locomoviam sem acompanhantes estavam inseridos no mercado de trabalho. Aqueles que eram levados à universidade pela família ou por acompanhantes