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3. O SISTEMA DE COTAS: UTOPIA OU POSSIBLILIDADE?

3.2. O direito do trabalho como medida de discriminação positiva

3.2.4. As cotas para inclusão da pessoa com deficiência no mercado de trabalho no

As políticas para a inclusão da pessoa com deficiência no mercado de trabalho também são adotadas pelos ordenamentos jurídicos alienígenas, tal como se depreende do levantamento feito pela Secretaria de Inspeção do Trabalho (SIT)123; tais políticas envolvem providências em âmbito público e privado, dentre essas, reserva obrigatória de vagas, incentivos fiscais e contribuições empresariais em favor de fundos públicos destinados a custeio de programas de formação profissional.

O Estado português assume uma postura proativa porque está respaldado em princípios de igualdade real trazidos pela própria vontade constitucional. O art. 28 da Lei nº 38/04 estabelece cota de até 2% de trabalhadores com deficiência para iniciativa privada124. A legislação espanhola (art. 4º, Decreto Real nº 1.451/1983) também prevê percentual idêntico e, por outro lado, estabelece uma gama de incentivos fiscais às empresas com redução de 50% da cota patronal125.

A lei francesa126 determina percentual obrigatório de 6% de contratação de pessoa com de deficiência em empresas com mais de 20 empregados e ainda estabelecem benefícios que reduzem a cota patronal da previdência para subsídio dos salários, bônus para contratação de pessoas com deficiência na condição de aprendizes, subsídios para entidades filantrópicas ligadas à pessoa com deficiência e salário mínimo assegurado por lei que variam de acordo com a ocupação.

A Constituição italiana assinala a proteção aos direitos das pessoas com deficiência e a legislação estabelece cotas de 7% para as empresas com mais de 50

123 SECRETARIA DE INSPEÇÃO DO TRABALHO, SIT. A Inclusão das Pessoas com Deficiência no

Mercado de Trabalho, Brasília: 2 ed, SIT, 2007. disponível em: http://www.mte.gov.br/fisca_trab/inclusao_pessoas_defi12_07.pdf. Acesso em: 18 de mar. 2012.

124Art.28º. As quotas de emprego. 1-As empresas devem, tendo em conta a sua dimensão, contratar

pessoas com deficiência, mediante contrato de trabalho ou de prestação de serviço, em número até 2% do total de trabalhadores. 2- O disposto no número anterior pode ser aplicável a outras entidades empregadoras nos termos a regulamentar. 3- A Administração Pública deve proceder à contratação de pessoas com deficiência em percentagem igual ou superior a 5%. PORTUGAL. Lei nº 38 de 18 de agosto de 2004. Define as bases gerais do regime jurídico da prevenção, habilitação, reabilitação e participação das pessoas com deficiência. Diário da República, I, série – A, n. 194, p. 5236. Disponível em: http://xiripitu.com.sapo.pt/legis/acessibilidade/Lei_38-2004.pdf. Acesso em: 03 de jun. 2012.

125 FONSECA, opus cit., p. 101-4. 126 Idem, ibidem, p. 105-7.

empregados, duas pessoas com deficiência no caso de empresas com 36 a 50 trabalhadores, e uma, se a empresa possuir entre 15 e 35 trabalhadores.127

Os países do continente americano tais como Argentina, Chile, Colômbia, El Salvador, Honduras, Nicarágua, Panamá, Peru, Uruguai e Venezuela128 também apresentam proteções legais expressas às pessoas com deficiência. Nem todos estão amparados pelo sistema de cotas, tal como ocorre com a Nicarágua129, porém, outros combinam a política de ação afirmativa de cotas com a política de benefícios fiscais, como por exemplo a legislação Argentina.130

A edição do Disability Discrimination Act (DDA) em 1995 pelo Reino Unido veda a discriminação das pessoas com deficiência em relação ao acesso ao emprego, além de estabelecer medidas de ordem organizacional e físicas como dever do empregador131. Assim como no direito estadunidense132, os percentuais de cotas no Reino Unido podem ser definidos pelo Poder Judiciário.

127 Idem, ibidem, p.108-10.

128 INTERNATIONAL DISABILITY RIGHTS MONITOR

– IDRM. Monotoreo Internacional de los Derechos de las Personas con discapacidad. In: Informe regional de las américas. Chicago: Red

Internacional sobre Discapacidad, 2004. Disponível em:

http://www.ideanet.org/cir/uploads/File/IDRM%20Americas_Sp_04.pdf. Acesso em: 12 de jun. 2012.

129 FONSECA, opus cit., p.116.

130 Em relação a legislação argentina, Ricardo Tadeu comenta: “Apesar da tendência flexibilizatória, a

Lei nº 25.687 estabelece um percentual de, no mínimo, 4% para contratação de servidores públicos, ampliando o que vigorava anteriormente por meio da Lei nº 22.431, que fixava o percentual de até 4%. Estenderam-se, ademais, alguns incentivos para que as empresas privadas também contratem pessoas com deficiência, tais como, renúncia fiscal expressa pela dedução de 70% dos impostos sobre lucros e capitais e também redução da contribuição patronal em 50%, por até 12 meses, e de 33% do conjunto das contribuições previdenciárias, em caráter definitivo, dependendo do numero de trabalhadores com deficiência contratados pela empresa por prazo indeterminado. Art. 6, Lei nº 25.877 da Reforma Laboral”. Idem, ibidem, p.100.

131Ricardo Tadeu Marques da Fonseca ressalta que a adoção do modelo inclusivo pelo Reino Unido é

muito recente porque prevaleceu, historicamente, o modelo assistencial, segregativo, consistente em tratamento em hospitais, asilos e oferecimento de pensões pelo Estado. Idem, ibidem, p.121.

132 Em relação à proteção da pessoa com deficiência nos Estados Unidos, Ricardo Tadeu Marques da

Fonseca comenta que, em 1990, foi editada a ADA – The Americans with Disabilities Act, que consiste na lei dos norte-americanos para pessoas com deficiência e que apresenta capítulos que tratam de emprego, barreiras arquitetônicas e de comunicação, de discriminação e disposições gerais. Quanto à possibilidade do Poder Judiciário fixar o percentual de cotas obrigatórias para contratação de pessoa com deficiência, o mesmo autor ressalta que é entendimento da Suprema Corte Norte Americana de que possível fixar cotas para contratação em empresas por via judicial, desde que seja demonstrado por qualquer meio de prova, inclusive estatística que os quadros respectivos não contemplam as minorias, sendo que isso pode ocorrer tanto pela via individual como pela via coletiva. FONSECA, opus cit., p.122-125.

3.2.5. O sistema de cotas sob a perspectiva da Teoria do reconhecimento- distribuição.

Outro aspecto que fundamenta a adoção das medidas de discriminação positiva, mesmo na esfera privada, consiste na principal causa da exclusão social, ou seja, a organização social baseada na exploração da produtividade e lucratividade, assunto tratado pelo Capítulo 2.

Tais medidas tentam atenuar os resultados excludentes gerados pelo sistema econômico. Por isso, Nancy Fraser atribui às medidas de discriminação um dever ético e moral do próprio Estado para ultrapassar o formalismo legal e atingir, conforme mencionado, a transformação social.

Trata-se de aplicação destinada a obter resultados concretos da garantia legal previstas em instrumentos normativos internacionais, constitucionais e legais.133

No âmbito nacional, as ações afirmativas destinadas à inclusão da pessoa com deficiência no mercado de trabalho, prevista como obrigatoriedade de preenchimento do percentual das cotas legais, tem provocado algumas discussões seja em virtude do seu descumprimento pelas empresas seja pela permanência do comportamento resistente da sociedade no sentido de incluir a pessoa com deficiência no mercado de trabalho.134

A resistência da sociedade para aceitar, sob o olhar inclusivo, o atendimento das cotas legais não é um problema único e isolado. Na verdade, o não reconhecimento social é resultado da somatória de diversas falhas que envolvem

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“No que se refere às medidas de antidiscriminação, não convém esquecer que ‘o tipo de sociedade vigente vem organizada na expoliação violenta da mais-valia do trabalho e na exclusão de grande parte da população’. Assim, muitas propostas que visam de alguma maneira atenuar os efeitos do capitalismo e do neoliberalismo trazem o germe da discriminação positiva e podem se concretizar dentro deste cenário, ainda que para isto tenham que superar a visão da comunidade jurídica sobre o assunto e, fundamentalmente, sobre si mesma. Tome-se como exemplo o investimento feito num determinado local em educação pública de qualidade. Enquanto medida geral e abstrata, visando a melhoria dos indicadores regionais, não pode ser considerada antidiscriminatória. Entretanto, a partir do momento que uma pessoa de baixa renda tenha acesso ao programa, ele acaba se convertendo numa medida de discriminação afirmativa. A condição existencial da criança de baixa renda foi considerada pela medida, que lhe proporcionou condições de desviar-se da inexorabilidade do destino que haveria certamente de suportar caso não lograsse obter um ensino de qualidade. Esta superação, no mundo jurídico, pode planificar-se de diferentes modos e em diferentes ocasiões. De qualquer maneira, insiste-se, ela só se revelará possível pela hermenêutica. É através dela que o Direito pode se superar como último refúgio das formas para adquirir o status de principal instrumento de transformação social. E é também através dela que os atores sociais podem realmente compreender o sistema e repudiá-lo vigorosamente naquilo que lhes seja prejudicial”. FERREIRA; FERREIRA, opus cit. Acesso em 18 de mar. 2012.

134 Assunto que será tratado no presente capítulo com maior ênfase, oportunidade em que se

outras políticas estatais, dentre as quais algumas também são medidas de discriminação positiva, que deveriam viabilizar ou, ao menos, incentivar o sistema de cotas legais. 135

Se o reconhecimento dos grupos excluídos não depende somente da adoção de políticas redistributivas, mas também do reconhecimento sociocultural, como meio de afastar o comportamento discriminatório histórico da sociedade, percebe-se - por linha semelhante de pensamento, porém frente a análise do próprio mecanismo de inclusão: medidas de discriminação positiva - que sua aplicação deverá ter como alvo diversas outras esferas da sociedade para que atinja seu objetivo transformador.

Isso significa que as medidas destinadas à inclusão das pessoas com deficiência no mercado de trabalho serão totalmente inócuas, se o próprio Estado não apresentar a mesma postura inclusiva no setor educacional, na questão de incentivos fiscais destinados aos empregadores, no amparo à saúde, a fim de viabilizar a habilitação e reabilitação das pessoas com deficiência. De tal forma que o Estado inclusivo não é inclusivo somente em razão da existência de uma norma jurídica que prevê a obrigatoriedade de contratação de percentuais de pessoa com deficiência, mas sim porque todo o seu sistema constrói uma sociedade inclusiva.

Quanto à necessidade de adoção de um sistema inclusivo mais abrangente, a análise da prática é bastante curiosa.

Foram obtidos dados, em pesquisa realizada em empresa de reflorestamento, no ano de 2007, que revelam os seguintes aspectos: falta de sensibilização136 em virtude de trabalho desenvolvido juntamente com a pessoa com deficiência; ausência de adaptações, práticas de Recursos Humanos discriminatórias. No mesmo trabalho foi constatado que a inserção está amplamente

135 Essas outras políticas estatais consistem na articulação entre a obrigatoriedade de cumprimento

de cotas e incentivos às empresas. Além disso, refere-se também ao amparo que o próprio Estado deve fornecer para a inclusão dos grupos. No caso, o amparo ideal consiste na educação inclusiva, na reabilitação e habilitação dos profissionais como meio de garantir o desenvolvimento. Essas outras medidas que viabilizam a aplicação e eficiência do sistema de cotas serão discutidas no próximo capítulo.

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No que se refere ao quesito “sensibilização”, a pesquisa demonstrou o despreparo da equipe em lidar com a deficiência, no que se refere ao quesito “práticas de RH”, a pesquisa demonstrou que a pessoa com deficiência é desvalorizada de um modo geral porque os cargos que estão disponíveis são cargos de menos valor dentro da empresa e não são cargos de coordenação. COIMBRA, Cristiane Elias Penido; GOULART, Iris Barbosa. Análise da inserção das pessoas com deficiência segundo suas percepções. In: CARVALHO-FREITAS, Maria Nivalda de; MARQUES, Antônio Luiz (Orgs.). O Trabalho da Pessoa com Deficiência. Curitiba: Juruá, 2009. p 106.

voltada ao cumprimento das cotas, embora o foco deveria ser mudado para tentar adaptar as empresas às pessoas com deficiência.

Os resultados da pesquisa foram notoriamente antagônicos às finalidades das medidas de discriminação positiva para inclusão das pessoas com deficiência no mercado de trabalho, porque, embora relevantes, por outro lado, revelam que o seu sucesso depende de políticas de regulamentação do próprio sistema de cotas137, desde medidas para habilitação e reabilitação das pessoas com deficiência, medidas de ação afirmativa de incentivo fiscal até medidas positivas de educação.

A opção do legislador constitucional pela sociedade inclusiva importa na proatividade do próprio Estado no sentido de prover medidas que assegurem o acesso e a possibilidade de participação das pessoas com deficiência na vida coletiva da forma mais independente possível, por isso, a seguir, passa-se a analisar a importância do sistema de cotas, suas falhas e possíveis soluções.