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4. PARA ALÉM DAS COTAS: AS OUTRAS MEDIDAS DE DISCRIMINAÇÃO

4.4. Política de incentivos fiscais

A proposta do presente trabalho não consiste em pormenorizar sobre o tema das políticas fiscais, porém não se pode negar a sua relação com as políticas de ações afirmativas ora discutidas. Isto porque, conforme as referências utilizadas no trabalho, constatou-se que a mera imposição de cotas como obrigatoriedade não viabiliza a inclusão social plena das pessoas com deficiência na sociedade e no mercado de trabalho.

A fim de extirpar qualquer dúvida de embasamento para adoção de políticas afirmativas como incentivo à inclusão social, cumpre registrar que o poder de tributar é corolário dos fundamentos do Estado Democrático de Direito e que, por sua vez, resguarda a tarefa primordial de combater as desigualdades sociais.

Dessa forma, além dos princípios constitucionais tributários da legalidade (art. 150, I), da irretroatividade (art. 150, III, a), da anterioridade (art. 150, III, b), anterioridade nonagesimal (art. 150, III, c), as normas de direito tributário também consentem com a principiologia distributiva que é verificada pelos princípios: da isonomia (art. 150, II), da capacidade contributiva (art. 145, §1º), da não-diferença tributária (art. 152), da vedação à isenção heterônoma (art. 151, III) e da uniformidade (151, I e II). É possível concluir que o próprio sistema constitucional tributário alavanca a tese de que o tributo resguarda uma função social, o que autoriza concretizá-la pela adoção de políticas de ações afirmativas também na esfera fiscal.

Joaquim B. Barbosa Gomes defende que o sistema fiscal não deve ser utilizado como mecanismo de exclusão, como já é tradicional na nossa sociedade, mas sim como meio de promover a erradicação dos efeitos da discriminação.243

Nesse sentido, Maria Nivalda de Carvalho Freitas assinala a dificuldade de implementação do sistema de reserva de cotas de emprego quando dissociado de outras políticas diretamente compensatórias ao empregador:

(...) em um estudo feito em organizações no estado de Minas Gerais a respeito da possibilidade de inserção das pessoas com deficiência nas mesmas, a incorporação de práticas de responsabilidade social tem favorecido a contratação e desenvolvimento das relações inclusivas no mercado de trabalho. Contudo, a imposição de cotas não favorece a inclusão e representa uma resistência à mesma.244

Em relação aos mecanismos de aplicação das ações afirmativas como incentivo fiscal, tanto a legislação como a doutrina indicam os métodos de preferências, o sistema de bônus e incentivos fiscais para adoção de políticas de inclusão social.

Conforme foi abordado no Capítulo 3, a ação afirmativa de sistema de reserva de cotas legais pode ser realizada pela adoção das “cotas-contribuição”. Isso significa que o Estado, juntamente com a sociedade, se responsabiliza pela adoção de medidas destinadas à inclusão social e exige o cumprimento das cotas legais, porém, se isso não for possível, o particular poderá compensar esse descumprimento pelo recolhimento de valores pecuniários aos cofres públicos.

A adoção das referidas “cotas-contribuição” é tratada como uma modalidade de ação afirmativa associada ao sistema fiscal, porém é notória a sua contradição com o intuito de inclusão social.

243 De crucial importância é o uso do poder fiscal, não como mecanismo de aprofundamento da

exclusão, como é da nossa tradição, mas como instrumento de dissuasão da discriminação e de emulação de comportamentos (públicos e privados) voltados à erradicação dos efeitos da discriminação de cunho histórico. GOMES, Joaquim B. Barbosa. O debate constitucional das ações

afirmativas. Disponível em: http://www.mundojuridico.adv.br/sis_artigos/artigos.asp?codigo=33.

Acesso em: 05 de jun. 2012.

244 ALMEIDA, Luciana Alves Drumond. Inserção no mercado formal de trabalho: satisfação e

condições de trabalho sob o olhar das pessoas com deficiência. O trabalho e as pessoas com

A adoção de uma política de ação afirmativa fiscal não envolve a estipulação de outra sanção decorrente do cumprimento da exigência de cotas. Isso reforça o caráter sancionatório da medida e, para nosso sistema, é inviável, pois além da multa pelo descumprimento da cota-legal, a legislação autorizaria outro pagamento para justificar o descumprimento da obrigação. Além de reforçar o caráter sancionatório, conforme já foi enfatizado, abalaria de forma desvantajosa os custos para o empregador e, consequentemente, sua resistência em relação à inclusão social do grupo.

A adoção de ações afirmativas na seara fiscal atende facilmente os interesses de redução de custos da iniciativa privada em contrapartida à concessão de incentivos fiscais, o que pode ser feito pela utilização da função extrafiscal245 do tributo. A adoção dessa espécie de norma, assim, substituiria a sanção punitiva por um prêmio, um estímulo à iniciativa privada e à sociedade como forma de induzir a alteração do comportamento social.

O Supremo Tribunal Federal, em julgamento da ADIN nº 1276 SP246, se posicionou no sentido de que a utilização da função extrafiscal dos tributos pode funcionar como ação afirmativa, sendo compatível com o princípio da isonomia.

A resistência de contratação de pessoas com deficiência pelos empregadores também ocorre em virtude dos elevados custos necessários à manutenção das adaptações necessárias ao local de trabalho, mas, conforme explana Sandro Nahmias Melo, esses custos poderiam ser deduzidos do imposto de renda da empresa ou até mesmo subsidiados pelo Estado.

245 A função extrafiscal do tributo consiste na função voltada a outros fins que não o da captação do

erário, mas sim a ordenação das relações sociais e econômicas com valores constitucionalmente consagrados como a proteção da dignidade da pessoa humana, valor social do trabalho, erradicação das desigualdades sociais.

246 Ementa: Ao instituir incentivos fiscais a empresas que contratam empregados com mais de

quarenta anos, a Assembleia Legislativa Paulista usou o caráter extrafiscal que pode ser conferido aos tributos para estimular conduta por parte do contribuinte, sem violar os princípios da igualdade e da isonomia. Procede a alegação de inconstitucionalidade do item 1 do § 2º do art. 1º, da Lei 9.085, de 17/02/95, do Estado de São Paulo, por violação ao disposto no art. 155, § 2º, XII, g, da Constituição Federal. Em diversas ocasiões, este Supremo Tribunal já se manifestou no sentido de que isenções de ICMS dependem de deliberações dos Estados e do Distrito Federal, não sendo possível a concessão unilateral de benefícios fiscais. Precedentes ADIMC 1.557 (DJ 31/08/01), a ADIMC 2.439 (DJ 14/09/01) e a ADIMC 1.467 (DJ 14/03/97). Ante a declaração de inconstitucionalidade do incentivo dado ao ICMS, o disposto no § 3º do art. 1º desta lei deverá ter sua aplicação restrita ao IPVA. Procedência, em parte, da ação. Processo: ADI 1276 SP Relator(a): ELLEN GRACIE. Julgamento: 28/08/2002. Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Publicação: DJ 29-11- 2002 PP-00017 EMENT VOL-02093-01 PP-00076 Parte(s): GOVERNADOR DO ESTADO DE SÃO PAULO.

José Pastore247 menciona a política de incentivo fiscal adotada pela Alemanha, onde as pessoas com deficiência contribuem somente com 25% das contribuições previdenciárias, sendo que o Estado complementa o restante.

A legislação brasileira se utiliza da função extrafiscal dos tributos com finalidade de promover a acessibilidade, no âmbito federal, pela isenção de Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) para aquisição de automóvel de passageiro por pessoas com deficiência (art. 1º, IV, da Lei nº 8.383/91), bem como a isenção de Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) nas operações de financiamento para aquisição de veículos por pessoas com deficiência (art. 72, IV, da Lei nº 8.383/91). Trata-se de políticas de ações afirmativas para fins de acessibilidade.

A efetividade das medidas de ação afirmativa aumentaria caso fossem expandidas para legislação federal, como por exemplo, possibilitando o abatimento de verbas gastas em determinados investimentos de caráter inclusivo e social no Imposto de Renda. Essa técnica poderia ser utilizada para promover o preenchimento da reserva de vagas obrigatórias na esfera privada, para aquelas empresas que oportunizam vagas para grupos vulneráveis, como pessoas com deficiência, afrodescendentes, mulheres, dentre outros.

Nesse sentido cumpre assinalar o PLANAPIR, Plano Nacional de Igualdade Racial, instituído pelo Decreto nº 6.872/09, que determina no Anexo do Eixo 1 (trabalho e desenvolvimento econômico), item VIII, como objetivo do Plano, propor um sistema de incentivos fiscais para empresas que promovam a igualdade racial.

Sob o mesmo intuito, o Programa Universidade para Todos (ProUni), previsto na Lei nº 11.096/2005, que se destina à concessão de bolsas de estudo para cursos de graduação e sequenciais em instituições privadas de ensino superior, com ou sem fins lucrativos, a estudantes que tenham cursado o ensino médio completo na rede pública de ensino ou em instituições privadas com bolsa integral; aos estudantes portadores de deficiência; e aos professores da rede pública de ensino, para determinados cursos destinados à formação do magistério da educação básica. Tal lei, ainda, prevê que a instituição de ensino superior, ao aderir ao ProUni, adote um termo de adesão onde conste a cláusula da reserva de percentual de

247 PASTORE, José. Oportunidades de trabalho para as pessoas com deficiência. São Paulo: LTr,

bolsas de estudo destinado à implementação de políticas afirmativas de acesso ao ensino superior de portadores de deficiência ou de autodeclarados indígenas e negros.

Além disso, a essa política de ação afirmativa na área educacional se soma a política de incentivo fiscal definida pelo art. 8 da referida lei, que determina que as instituições de ensino que aderirem ao ProUni são isentas de uma série de tributos federais, dentre estes, o imposto de renda da pessoa jurídica, contribuição social sobre o lucro líquido, contribuição social para financiamento da seguridade social e contribuição para o Programa de Integração Social. No caso, a educação inclusiva é premiada mediante a concessão de prêmios vantajosos às instituições de ensino.

A função da extrafiscalidade do tributo, mediante a concessão de incentivo premial, assim, apresenta amparo legal para que seja utilizada como medida de ação afirmativa destinada a induzir o comportamento dos particulares com vistas à materialização da igualdade.

Na esfera trabalhista, o sistema de reserva e preenchimento de cotas obrigatórias para pessoas com deficiência (previsto no art. 93 da Lei nº 8.213/91) não está condicionado a nenhuma espécie de política de incentivo fiscal, o que fortalece a resistência ao cumprimento do comando legal.

Conforme comentado no subitem que trata a respeito do Estatuto das Pessoas com Deficiência, resta claro que, mais do que um estatuto, é imprescindível a fiscalização para exigir o cumprimento da legislação voltada às pessoas com deficiência já em vigência na nossa sociedade, sendo que os mecanismos de incentivos fiscais, ao menos, estimulariam a participação mais ativa da sociedade nesse desiderato da inclusão social do grupo.