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Em primeiro lugar, é importante frisar que a deficiência, diferentemente da situação vivenciada por outras minorias, como mulheres e negros, gênero e raça, pode ocorrer com qualquer pessoa, em qualquer momento da vida. Todavia, mesmo que deficiência seja uma parte da condição humana, ainda é vista como anormalidade.

O apanhado feito dos diversos diplomas normativos legais permitiu observar o reconhecimento jurídico das pessoas com deficiência, especialmente após a Segunda Guerra Mundial, com o objetivo de promover a igualdade e a participação plena da minoria na sociedade.

Contudo, não é suficiente somente a previsão legal, tendo em vista que são necessários outros mecanismos incentivadores do convívio com a diversidade para que haja superação da opressão histórica, cultural e social vivenciada pelas pessoas com deficiência.

As medidas de discriminação positiva ou ações afirmativas consistem em previsões expressas, nas normas internacionais e no ordenamento jurídico interno, destinadas a solucionar a inclusão da minoria. Os diplomas normativos estabelecem a obrigatoriedade do Estado em promover medidas de discriminação positiva, temporárias, até que ocorra a efetiva transformação do comportamento discriminatório na sociedade.

Dentre as ações afirmativas destinadas a promover a inclusão da pessoa com deficiência no mercado de trabalho, o sistema de reserva legal de cotas, na esfera pública e privada, merece ser destacado, já que implementado no Brasil, sob o fundamento da Lei nº 8.112/90 e da Lei nº 8.213/91.

O mecanismo de reserva legal de cotas é legitimado pelos princípios consagrados nos diplomas internacionais, especialmente, a Convenção sobre Direito das Pessoas com Deficiência, estando em consonância com os princípios e dispositivos constitucionais.

Ademais, em que pesem as reiteradas críticas à reserva legal de cotas, essa garantia assume relevante papel para participação das pessoas com deficiência, o que torna frágil a argumentação sobre a possibilidade de flexibilização das cotas,

uma vez que isso representaria um retrocesso em relação às conquistas antidiscriminitórias das pessoas com deficiência.

Outrossim, a possibilidade de estratégias voltadas ao mapeamento de função deve ser analisada com vagar, sob o risco de incorrer em discriminação indireta. O mapeamento funcional só teria amparo nos princípios estudados se fosse totalmente inclusivo. Este é destinado a todos funcionários e não somente aos que têm deficiência.

Há, ainda, outras modalidades de inclusão da pessoa com deficiência no mercado de trabalho, que foram mencionadas no corpus da dissertação, como por exemplo, o teletrabalho, não recomendáveis, por resgatarem um tratamento segregativo e diferenciado. Essas modalidades de inclusão só poderiam ser aceitas, caso não implicassem em discriminação, ou seja, na medida em que todos os funcionários da empresa exercessem a mesma atividade, também, se por alguma restrição relacionada à insalubridade ou periculosidade.

Diante de diversas dúvidas que foram depreendidas da análise da eficiência da reserva de cotas prevista na Lei nº 8.213/91, foi possível concluir que a política de ação afirmativa prevista no art. 93 necessita de regulamentação específica e melhor detalhada.

É importante salientar que o sistema de reserva de cotas de emprego, na esfera pública e na esfera privada, não resolve a questão da inclusão da pessoa com deficiência, se utilizado de modo isolado. Isto porque sua eficiência está diretamente relacionada ao reasonable accomodation, conforme previsão constante na Convenção sobre Direitos das Pessoas com Deficiência, que prioriza o fornecimento de condições essenciais para a participação social do grupo.

Desta forma, como justificativa das dificuldades enfrentadas para implementação do sistema de reserva de cotas no mercado de trabalho, enfatizou- se a necessidade de promoção de políticas públicas destinadas à execução de medidas de acessibilidade, habilitação e qualificação profissional, educação inclusiva e política de incentivos fiscais.

Por outro lado, a própria noção de acessibilidade comporta conceito mais amplo e abrangente e não só limitado à questão das adaptações físicas do ambiente.

A acessibilidade também decorre de mudanças sociais que compreendem medidas que ultrapassem a garantia do local da pessoa com deficiência e avancem

para a conquista de um espaço social. A despeito disso, a adaptação improvisada pelas empresas para contratar pessoas com deficiência, por exemplo, traduz a ideia de que a pessoa está fora do local dela, a ideia de que o ambiente de trabalho não está apto a recebê-la.

A transformação das medidas que garantem o local da pessoa com deficiência no reconhecimento do seu espaço também é contemplada pelo ordenamento jurídico. Isso implica na regra de que todo e qualquer ambiente já deve estar pronto para receber todos.

Com efeito, o reconhecimento do espaço é concretizado mediante a utilização de critérios que viabilizem oportunidades de ascensão na carreira para todos, de tal modo que a permanência infundada da pessoa com deficiência, restrita à uma função exclusiva, no mesmo status hierárquico, durante todo contrato de trabalho, é caracterizada como retrocesso frente à lógica da inclusão social. A sociedade deve dar às pessoas com deficiência a mesma oportunidade concedida a todos.

Não se pode esquecer que o sistema legal e obrigatório de reserva de cotas de emprego, na esfera privada, é desprovido de qualquer compensação tributária- financeira, em caso de cumprimento. Essa política é sugerida como forma de diminuir a resistência quanto ao cumprimento do comando legal, já que se harmonizam aos interesses econômicos que caracterizam a sociedade contemporânea.

Em síntese, a determinação de leis em favor das pessoas com deficiência, a possibilidade de realização de um trabalho concreto, o compromisso ético-moral, assumido pelo Estado frente à sociedade plural, permitiram a constituição de movimentos internacionais favoráveis à inclusão econômica e social das pessoas com deficiência. Esse contexto propicia transformações no sentido de erradicar a opressão social vivenciada historicamente pelo grupo e contribuem para melhorias da inclusão do grupo.

O caminho está aberto. Restou evidenciado que as dificuldades para aprovação do Estatuto da Pessoa com Deficiência também são justificadas pela importância atribuída aos entendimentos manifestados pelos movimentos sociais das pessoas com deficiência, que também reforçam a afirmação dos valores inclusivos em total oposição ao modelo assistencialista.

Todavia, por mais que a inclusão social das pessoas com deficiência seja objeto de discussão dos respectivos movimentos sociais, bem como das pautas

políticas, é preciso considerar que o tema não diz respeito somente às pessoas com deficiência e Estado, sendo relevante para toda sociedade, conforme se mencionou, conscientizar-se de que a deficiência é uma condição humana em potencial presente durante toda nossa existência.