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3 A FORMAÇÃO DO LEITOR LITERÁRIO JOVEM NA PERSPECTIVA

3.8 Bibliotecas públicas como instituições de formação leitora

3.8.1 Acesso e promoção da leitura nas bibliotecas públicas

Na tentativa de aproximar essas reflexões do cotidiano das bibliotecas públicas, buscamos trabalhos empíricos27 que discutam a função social dessas instituições de acesso e promoção da leitura. Além disso, usamos também, como critério de seleção, estudos que se aproximam dos nossos contextos de investigação.

A pesquisa de Bortolin (2001) investiga as ações promovidas pelas bibliotecas públicas infanto-juvenis Monteiro Lobato de São Paulo e Salvador, buscando identificar práticas que visam ao estímulo e à mediação da leitura, principalmente, de textos literários. Esses espaços guardam similaridade com a proposta de uma das bibliotecas por nós investigada, idealizada para o atendimento do público infantil e juvenil, embora qualquer faixa etária tenha livre acesso a esse espaço. Nesse estudo, a pesquisadora enviou a programação cultural dessas instituições a especialistas da área28, para que avaliassem a pertinência das atividades de promoção da leitura propostas.

Essa pesquisadora entende que as bibliotecas públicas têm a formação de leitores como uma de suas funções. Porém, seu estudo aponta que nem todas as atividades propostas, nos espaços investigados, ainda que imbuídas da ideia de promoção da leitura, têm isso como foco. A

27Por meio de levantamento bibliográfico no banco de teses e dissertações do IBICT, da CAPES e UFMG,

selecionamos o trabalho de Bortolin (2001), que discute a função da biblioteca pública, atrelada à formação de leitores, através da ação de promoção da leitura e a pesquisa de Assis (2010), que investiga as bibliotecas públicas dos centros culturais ligados à FMC / PBH. A busca foi realizada usando a palavra-chave: bibliotecas.

28Os seguintes profissionais foram selecionados pela pesquisadora para opinar sobre a pertinência das atividades

de promoção da leitura: Edmir Perrotti, Ezequiel Theodoro da Silva, Luiz Percival Leme Britto, Maria Alice Oliveira Faria, Regina Zilberman, Maria Antonieta Antunes Cunha, Maria Christina de Moraes Tavares, Roseli Teresa Silva Leme e Geneviève Patte.

autora sublinha que, embora a programação cultural dessas instituições seja ampla e composta por diversas atividades – artes plásticas, teatro, jogos, oficinas de caixas para presente etc. –, nem sempre, o contato da criança e do jovem com o livro e o texto ficcional são favorecidos.

Em relação aos aspectos apontados pelos especialistas, consultados por Bortolin (2001), que contribuem para a formação de leitores nas bibliotecas, destacam-se os seguintes:

• existência de acervo em quantidade satisfatória e composto por bons livros;

• profissionais capacitados que sejam leitores, conheçam o acervo e saibam direcionar os usuários com base no perfil do leitor;

• clareza quanto aos objetivos das atividades e constante avaliação do planejamento, buscando fazer a distinção entre as ações que se relacionam à promoção da leitura, daquelas que visem o acesso de outros bens culturais;

• disponibilização dos serviços de empréstimo e pesquisas, mas, também, a realização de atividades que propiciem a mediação dos textos e a troca de impressões e ideias entre os leitores;

• o estabelecimento de parcerias intersetoriais (escolas, creches, abrigos, grupo de escritores etc.) ou institucionais, especialmente, com as que se relacionem à política de incentivo à leitura (Universidades, FNLIJ, ALB etc.);

• oferecimento de serviços de extensão (carro biblioteca, leitura em hospitais, na praça, pontos de leitura etc.), que tenham como norte a formação de leitores e

• oferecimento da leitura em diferentes suportes textuais, inclusive por meio das tecnologias digitais.

Também, a partir dos depoimentos dos especialistas, essa pesquisadora sublinha que promover a variedade de atividades nas bibliotecas pode afastá-las da sua função seminal: aproximar os seus frequentadores da leitura e da literatura. No entanto, Britto (2001, apud BORTOLIN, 2001, p. 151) contemporiza:

[...] as atividades de animação, entretenimento, etc. são (podem ser) interessantes e eventualmente podem até estimular a leitura de alguns textos. Isso não significa, entretanto, mudança de atitude ou transformação intelectual. Creio que o mais importante não é o gosto de leitura, mas a possibilidade de participação social através da leitura.

E, ainda, considera que a atuação dos profissionais nas bibliotecas pesquisadas, não possui clareza conceitual quanto à função social desses espaços. Promovem atividades diversas que não propiciam o contato e a experimentação do texto literário. Dito de outra maneira, a programação cultural dá pouca prioridade às atividades de incentivo à leitura. A autora ressalta que o foco maior é aumentar a frequência de usuários, independente de propiciar o encontro com os livros e a literatura, com vistas à formação de leitores. Consideramos que, de certa forma, esse fato reflete as orientações dos documentos do SNPP.

O trabalho de Assis (2010) discute o papel das bibliotecas dos centros culturais municipais de Belo Horizonte, destacando sua atuação como equipamentos descentralizadores do acesso à cultura e informação. Julgamos importante trazer as considerações desse estudo, uma vez que duas das bibliotecas por nós investigadas integram esses espaços.

Essa pesquisadora explica que esses Centros Culturais têm como função consolidar a política de descentralização da cidade, bem como promover a fruição artística e cultural da população local, com vistas ao resgate de sua identidade. Aponta, ainda, que as bibliotecas dessas unidades visam ampliar e garantir a política de incentivo à leitura. Contudo, considera que a biblioteca:

[...] foi se adaptando às mudanças da sociedade, ganhando outros suportes informacionais e desenvolvendo outros tipos de atividades, tornando-se um espaço cultural voltado para a criação, promoção e acesso informacional e cultural dos cidadãos (p. 18).

Ao contrário do pensamento de Assis (2010), Bortolin (2001) argumenta que essa ampliação dos serviços das bibliotecas, sem reflexão crítica acerca de sua função principal – promoção de ações que aproximem os usuários dos textos escritos – pode desvirtuá-las dessa premissa: “a linha divisória entre o que são atividades do âmbito de uma biblioteca ou não, ainda é nebulosa para o bibliotecário e, em consequência disto, propõe-se equivocadamente atividades visando promover a leitura, mas que nem sempre levam à leitura” (p.143).

Embora haja dissonâncias no debate teórico quanto à função da biblioteca pública de promoção e acesso aos bens escritos com vistas à formação do leitor, entendemos que as bibliotecas públicas caracterizam-se como instâncias que podem favorecer as escolhas textuais subjetivas, assim como a participação de encontros de leitura propostos a partir de seus acervos. Acreditamos também que essas instituições lidam com o desafio de acolher

repertórios leitores próprios e, ao mesmo tempo, expandir a autonomia intelectual de seus leitores, especialmente, através do contato com a produção literária historicamente legitimada. E, também, de tornar o exercício da atividade leitora torne-se algo familiar (LEBRUN, 2013). Percebemos, nas vozes dos nossos leitores, essa relação de familiaridade com as leituras de infância, algumas vezes, perdida na juventude, havendo necessidade de restituí-las.

Em relação aos encontros de leitura, em nosso estudo, percebemos que eles possibilitam a ampliação dos repertórios leitores dos nossos jovens. Veloso (2006) considera que as opções feitas a partir de acervos literários bem definidos podem contribuir para o desenvolvimento da capacidade de imaginação do leitor, aguçando a curiosidade e contribuindo para a construção do espírito crítico. Além disso, consideramos que essas atividades favorecem a interação entre esses sujeitos, com vistas à socialização dos saberes, que é primordial para a construção do conhecimento individual e social (CASTRILLÓN, 2007b).

Atualmente, nota-se que a biblioteca pública tem trabalhado, principalmente, com duas perspectivas de incentivo à leitura: uma que se relaciona ao acesso (empréstimos domiciliares e leituras locais) e outra que visa à mediação dos textos e valorização do universo literário (oficinas e rodas de leitura, encontros com autores, lançamentos de livros etc.). Em ambas as possibilidades inscreve-se a tensão entre as leituras escolhidas pelos próprios leitores e aquelas indicadas pelos profissionais que atuam nesses espaços, propostas a partir do acervo dessas instituições. Britto (2012) entende que a formação de leitores se inscreve nesse paradoxo. Mas, acredita que as duas possibilidades podem levar os indivíduos à produção intelectual própria, à invenção e à descoberta. Ainda assim, o autor considera que o mais importante é a compreensão dos diferentes significados da leitura na vida das pessoas.

De modo geral, as atividades de leitura propostas pelas bibliotecas públicas baseiam-se na proposição de conversas literárias, que também estão presentes na programação cultural das bibliotecas do nosso estudo. Dessa forma, indagamos: essas propostas de mediação contribuem para a formação leitora dos jovens? A próxima seção dedica-se a essa discussão.