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4 PRÁTICAS E ESCOLHAS DE LEITURAS LITERÁRIAS DOS JOVENS

4.1 Incentivo à leitura literária

4.1.1 Família

O incentivo à leitura nas famílias relaciona-se, sobretudo, à presença de leitores-referência no núcleo familiar – irmãos, tios, primos, pais e, especialmente, as mães – associado ao contato com os livros e à realização de práticas leitoras variadas:

2.Marcos: Principalmente a minha família e minha mãe também. A minha mãe em especial, porque ela sempre gostava muito de leitura e ela me influenciou muito, pegava livro pra mim, lia comigo e também o meu pai que me indica muitos livros bons (Leitor/BCS – 13 anos, entrevista, 2014).

3.Letícia: A gostar de ler? ...Eu acho que meus pais mesmo, minha mãe e tal,

porque eles sempre leram historinhas pra mim /.../ então, desde o início, eu tive interesse por livro, tipo assim é... Desde pequena, eu pegava livro e lia os de historinha sozinha antes de dormir /.../ E quando eu fui crescendo, eu já cresci com esse hábito de ler sozinha, escolher livro pra mim mesma (Leitora/BCS – 16 anos, entrevista, 2014).

4.Karina: Minha mãe. Eu puxei muito dela.

P: Por quê? Que tipo de práticas que ela fazia que te “incentivava”?

Karina: Ela sempre lia muito pra mim, quando eu era menor, ela tinha o costume

de ler pra mim e acabei pegando a mania também e ela sempre teve bastante livro, gostava muito (Leitora/BBA – 14 anos, entrevista, 2014).

Esses relatos demonstram que a aproximação da leitura nas famílias funciona como habitus construído socialmente, que requer apropriação dos sujeitos, nesses casos, relacionado à valorização da prática de leitura: “... ela (mãe) sempre gostava muito de leitura...

(Marcos/BCS – 13 anos) e “...ela (mãe) sempre teve bastante livro...” (Karina/BBA – 14 anos). Essa noção também está reiterada quando os nossos leitores mencionam que a leitura

se constitui como costume, mania, cultura e parte de suas vidas.

Percebe-se ainda que essas práticas podem transformar-se em bens de família pelo valor simbólico atribuído ao objeto-livro, constituindo-se como herança a ser preservada e passada aos que vem depois, para proporcionar o mesmo prazer literário na formação inicial das gerações futuras:

5.Marina: “...a gente tinha uma mala que era cheia de historinhas. Eu fui lá nela,

dei uma olhada e levei pra minha priminha...” (Leitora/BVN – 13 anos, entrevista, 2014).

Verificamos também que algumas estratégias utilizadas pelos familiares contribuem para a formação do gosto pela leitura:

6.Jordana: ...quando a gente era pequena /.../ tinha um cofre da família. Todo

mundo quando achava uma prata, uma moeda, /.../ colocava dentro desse cofre, no final do mês /.../ ela (a mãe) sempre abria o cofre e comprava um livro com todo o dinheiro que tava lá /.../ Eu preciso catar as moedinhas pra conseguir o livro e isso faz com que a gente desperte mesmo o prazer pela leitura, o gosto...

P: Então assim, deixa eu ver se eu entendi, você tá falando que esse jogo, essa brincadeira que a sua mãe fazia foi importante pra você ser uma leitora, é isso? Jordana: Foi. (Leitora/BVN – 15 anos, entrevista, 2014).

7.Juliana: ...Porque desde que eu era pequena, que eu tava no primeiro ano, sabe? Cada livro que eu lia, eu ganhava cinco reais. Em um ano, um ano não, só na

metade de um ano na biblioteca da minha escola, eu li noventa livros. Ele (o pai) me influencia sempre... me levando em tudo.

P: E esse incentivo que o seu pai te dava /.../ você lia mais pelo dinheiro ou pelo prazer do livro?

Juliana: No começo, eu comecei a ler mais pelo dinheiro, só que depois, sabe? Eu

fui tendo mais prazer em ler os livros, gostando mais. Aí, não foi mais pelo

dinheiro, eu já gostava de ler. Porque antes eu não gostava de ler, ele fez isso e eu

fui tendo mais prazer (Leitora/BCS – 13 anos, entrevista, 2014).

O depoimento de Jordana mostra a mobilização de todo o núcleo familiar em torno de um objetivo comum – a aquisição de livros –: “...Todo mundo quando achava /.../ moeda /.../

colocava dentro desse cofre, no final do mês /.../ ela (a mãe) /.../ comprava um livro com todo

o dinheiro que tava lá...”, fato que denota a valorização desse objeto, contribuindo para a formação do gosto pela leitura. No caso de Juliana, ainda que o pai da leitora utilize uma estratégia mercantil, que parece estimular mais a quantidade do que a qualidade das leituras: “...só na metade de um ano na biblioteca da minha escola, eu li noventa livros...”, o seu incentivo também tem outra faceta, pois ele a leva em atividades culturais relacionadas à leitura: “...Ele (o pai) me influencia sempre... me levando em tudo...”.

O favorecimento do acesso aos bens letrados pelas famílias, também é outro aspecto que contribui significativamente para o incentivo à leitura entre os jovens:

8.Clarice: ...Eu acho que a minha mãe, porque ela pegou um “Harry Potter” pra mim na biblioteca do centro cultural... que tava lá o... “Pedra filosofal”. Eu acho

que foi por isso.

P: E a partir desse livro que cê começou...

Clarice: É depois de “Harry Potter”, eu peguei “Nárnia” e fui pegando os outros

(Leitora/BVN – 13 anos, entrevista, 2014).

9.Lorena: Minha tia. Sempre, desde pequenininha, ela falava pra eu ler livros, pegava o livro e me dava, me emprestava. Coisas assim... Ela começou a me dar

livro, eu comecei a gostar e eu tenho uns dez lá no meu quarto (Leitora/BNE – 13 anos, entrevista, 2014).

10.Jordana: ...lá em casa sempre teve muito livro, todo livro que a gente queria ela (mãe) arrumava um jeito de conseguir (Leitora/BVN – 15 anos, entrevista,

Sendo que esse acesso é facilitado por diferentes estratégias: compras, presentes: “...(a tia)

pegava o livro e me dava, me emprestava (Letícia/BVN – 13 anos), empréstimos de livros:

“...ela pegou um “Harry Potter” pra mim na biblioteca...”(Clarice/BVN – 13 anos) e a formação da biblioteca pessoal e / ou familiar: “...Ela (a tia) começou a me dar livro, eu

comecei a gostar e eu tenho uns dez lá no meu quarto...” (Letícia/BVN – 13 anos), que

transita por variadas esferas – a biblioteca pública, a própria família e o mercado livreiro.

Localizamos ainda, nas famílias, condutas associadas à perspectiva de compensação dos filhos em relação à aproximação dos bens escritos, cujos pais foram privados:

11.Bruna: Bom... Deixa eu pensar, além da minha mãe, o meu tio /.../ P: E a sua mãe? Fala um pouquinho mais especificamente dela.

Bruna: Então, eu sei que ela só fez o Ensino Fundamental e ela sempre queria pra mim o que ela não teve. Igual, ela não sabe ler direito. Ela sabe, mas sempre me

incentivou a ler mais do que ela poderia ler. Tanto que, quando eu tinha uns treze

anos, ela me deu o “Dom Casmurro” pra ler e me deu um dicionário. Eu fiquei com

muita raiva, porque a literatura dele é muito difícil. Eu achei muito difícil e ela

falou: “/.../ toma o dicionário aí”. Eu achei “dura ela”. Só que eu adorei, eu li o

Dom Casmurro umas três vezes depois... (Leitora/BNE – 18 anos, entrevista, 2014).

O depoimento de Bruna explicita que, embora sua mãe não seja plenamente alfabetizada: “...Igual, ela não sabe ler direito. Ela sabe, mas sempre me incentivou a ler mais do que ela poderia ler...”, ao valorizar a cultura escrita, ela demonstra ser letrada, até porque o livro recomendado é “Dom Casmurro”, que compõe o cânone da literatura brasileira.

As famílias também contribuem para as escolhas de leituras literárias dos jovens, ora comprando os livros desejados: “...todo livro que a gente queria ela (mãe) arrumava um jeito

de conseguir (Jordana/BVN – 15 anos), ora de modo mais dirigido, oferecendo leituras

legitimadas em nossa sociedade, como no caso de Bruna que ganhou da mãe “Dom Casmurro” e o dicionário.

Além disso, ainda que algumas vezes, os modos de incentivo à leitura nas famílias sejam enviesados, como por exemplo, a estratégia mercantil utilizada pelo pai de Juliana e a imposição da leitura de “Dom Casmurro” pela mãe de Bruna, a repercussão dessas estratégias nem sempre é negativa: “...eu comecei a ler mais pelo dinheiro /.../ Eu fui tendo

mais prazer em ler os livros /.../ Aí, não foi mais pelo dinheiro, eu já gostava de ler” (Juliana/BCS – 13 anos) e “...ela (mãe) me deu o “Dom Casmurro” pra ler /.../ Eu fiquei com muita raiva, porque a literatura dele é muito difícil /.../ Só que eu adorei...”.