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4 PRÁTICAS E ESCOLHAS DE LEITURAS LITERÁRIAS DOS JOVENS

4.3 Motivos para a leitura dos livros escolhidos

A utilização dos critérios de escolhas textuais permite aos jovens selecionar, ver, manusear, folhear e avaliar uma gama diversificada de livros, entretanto, percebe-se que nem sempre essas opções ocasionam a leitura dos textos. Logo, procuramos identificar em seus relatos os motivos que os levam de fato a lê-los.

Tabela 9: Motivos para a leitura dos livros escolhidos38

Categorias Ocorrências

Interesse pelo enredo 9

Gênero textual romance ou histórias de amor 4

Recomendação das leituras 4

Capacidade imaginativa 3

Perseverança na leitura 2

Conhecimento prévio das histórias 2

O conhecimento do outro pela literatura 2

Séries literárias 1

Total 27

Fonte: Elaborada pela autora.

4.3.1 Interesse pelo enredo

O interesse pelo enredo da narrativa é o principal motivo da leitura dos livros escolhidos pelos nossos jovens:

67.Brian: O que me faz continuar é /.../ sempre no livro, ele te mostrar uma coisa que vai acontecer. Cê sabe o que vai acontecer, mas não do jeito que vai

acontecer, ou seja, você tem um livro que você sabe, por exemplo, (que tem) duas pessoas brigando. Você sabe qual pessoa vai ganhar e tal, mas você fica pensando como que o livro vai fazer ao ponto da pessoa chegar e ganhar /.../ Como a história vai narrar até ela chegar naquele ponto. Se a história conseguir, o autor na hora

que for escrever o livro, se ele conseguir deixar esse tom: “ele vai ganhar, mas eu

quero que você fique preso aqui no livro pra você conseguir descobrir como é que

ele vai conseguir chegar nesse ponto”. Eu acho que o livro, quando ele tem isso é...

Ele te segura... (Leitor/BBA – 16 anos, entrevista, 2014).

68.Renata: Se a história me prender desde o começo. Desde os primeiros

capítulos, se for uma história que não acontece nada, eu não vou ler não, tipo um livro que eu peguei eu vou devolver amanhã, terça-feira eu vou devolver, não vou ler não.

P: E qual livro que é?

Renata: Chama “Sangue de tinta”, ele é que nem eu falei, ele tem umas cores, não

é tão chamativo, mas me chamou atenção, é um livro grosso e eu gostei da história atrás, só que quando eu comecei a ler, nossa é muito chato, eu não vou ler não.

P: Da Cornélia Funke?

Renata: É, são três (Leitora/BVN – 17 anos, entrevista, 2014).

69.Lorena: É... Tipo assim, quando eu não tenho nada pra fazer, eu vou ler, então

eu começo a ler, se ele tá legal, misterioso e eu gosto mais e mais, eu vou lendo até acabar (Leitora/BNE – 17 anos, entrevista, 2014).

No caso de Brian, esse interesse ao desfecho da narrativa: “...Você sabe qual pessoa vai

ganhar /.../ mas você fica pensando como que o livro vai fazer ao ponto da pessoa chegar e

ganhar...”. Para Renata, está associado ao dinamismo do enredo: “...Desde os primeiros capítulos, se for uma história que não acontece nada, eu não vou ler não...”. E, para Lorena, refere-se ao suspense causado pela narrativa: “...se ele tá legal, misterioso e eu gosto mais e mais, eu vou lendo até acabar”. Esses relatos mostram que o motivo da continuidade da leitura ocorre no espaço interacional leitor/texto, que requer o estabelecimento do pacto ficcional, aspecto constituinte do letramento literário.

4.3.2 Romances ou histórias de amor

Outro motivo para realização das leituras está associado ao fato do texto ser do gênero textual romance ou, especificamente, uma história de amor:

70.Jussara: Ah, se for romance eu começo a ler (risos) se não for romance eu não

vou. Mas eu já li outros livros sem ser romance que eu também gostei (Leitora/BVN

– 15 anos, entrevista, 2014).

71.Alícia: Quando eu vejo que a história é interessante, eu começo a ler a parte de

trás e fala: “conta a história de uma menina, “assim assim assado...” E o que será que acontece depois? Eu começo a ler.

P: Então essa coisa do suspense é uma coisa que te chama atenção?

Alícia: É. Às vezes do romance também. Cê qué saber o que aconteceu com aquele casal (Leitora/BCS – 17 anos, entrevista, 2014).

No caso de Jussara, identificamos que a menção à leitura de romances extrapola as histórias de amor, pois a leitora mostra ter conhecimento do significado desse gênero. No caso de Alícia, além do interesse por histórias de amor, nota-se que a dimensão ética da literatura, que envolve nossa relação com o outro, constitui-se como elemento desencadeante de suas

leituras: “...eu começo a ler a parte de trás e fala: “conta a história de uma menina, “assim assim assado...” E o que será que acontece depois? Eu começo a ler...”.

4.3.3 Recomendação das leituras

A recomendação das leituras por outrem, seja pela avaliação positiva dos textos ou a pela indicação de determinado livro para um leitor em específico, também, está entre os motivos que desencadeiam a leitura entre os nossos jovens:

72.Marcos: “Muitas vezes quando as pessoas falam que eu vou gostar daquele livro...” (Leitor/BCS – 13 anos, entrevista, 2014).

73.Inês: ... o que me faz decidir a ler aquele livro é quando uma pessoa me fala:

“Ah, lê aquele livro que é muito bom”... (Leitora/BBA – 13 anos, entrevista, 2014). Para Marcos, a continuidade das leituras está associada à personificação da indicação: “...quando as pessoas falam que eu vou gostar daquele livro...”, ou seja, inclui a dimensão subjetiva, pois a indicação requer o reconhecimento de seus gostos e preferências. E, para Inês, parece relacionar-se à necessidade de compartilhamento de referências culturais da comunidade de leitores a qual ela pertence: “... o que me faz decidir a ler /.../ é quando uma pessoa me fala: “Ah, lê aquele livro que é muito bom”...”.

4.3.4 Capacidade imaginativa

A capacidade imaginativa despertada pelos títulos das obras também está entre os motivos de leitura dos livros escolhidos pelos nossos jovens:

74.Inês: ...Deixa eu ver o que mais me chama a atenção /.../ que eu possa te explicar. Igual “A cabana”. Eu fiquei assim: “Nossa, a cabana... Vou ter que ler,

tipo assim, porque a cabana?” (risos). Será que é uma cabana, o livro é de uma

cabana, o livro não tem quase nada a ver com essa cabana. /.../ Igual: “A menina

que roubava livros”, eu fiquei: “Gente, será que essa menina fica só roubando livros?”. Então, eu tenho que ler mesmo pra poder saber e acaba que o título não

tem nada a ver, você leva uma coisa a mais, o livro acaba levando você a mais do que você imaginava do título... (Leitora/BBA – 17 anos, entrevista, 2014).

75.P: Depois que você escolhe, o que geralmente te faz ler o livro? Luíza: Pelo título.

P: Ah, tá. E o que “que” no título te chama atenção ou não?

Luíza: A... Depende... Não sei falar, é... Pelo estilo, o tema, se tem a ver com o

Embora a capacidade imaginativa de Inês seja despertada pelo título, há o reconhecimento de que a história vai além do que esse elemento expressa: “...acaba que o título não tem nada a

ver, você leva uma coisa a mais, o livro acaba levando você a mais do que você imaginava do

título...”, sendo que essa amplitude não é problema para a leitora. Ao contrário disso, para Luíza, a similaridade entre enredo/título mostra-se relevante para a continuidade da leitura:“... o tema, se tem a ver com o título...”.

Entendemos que essa capacidade imaginativa vista no depoimento de Inês, que, nesse caso, inicia-se pelo título: “...porque a cabana?...” ou “... será que essa menina fica só roubando livros?”, compreende a possibilidade de ampliação da experiência humana, pois possibilita aos sujeitos imaginar o que não viram ou vivenciaram em suas próprias vidas (VIGOTSKY, 2009). Ou seja, ainda que marcada pela dimensão social, a imaginação da leitora agrega elementos de sua subjetividade.

4.3.5 Perseverança na leitura

Encontramos também entre nossos depoimentos a perseverança na continuidade das leituras, independente da apreciação inicial dos textos:

76.Henrique: ...às vezes, eu começo a ler um livro e, no meio da história, eu já não

começo a gostar. Eu penso: se o início foi bom, então o final vai ser bom. Eu

continuo lendo, às vezes, eu me decepciono com o final e, às vezes, eu gosto. P: Entendi. Quer dizer não tem regra?

Henrique: É (Leitor/BNE – 16 anos, entrevista, 2014).

77.Jordana: ...Ah, é muito raro eu parar de ler, às vezes, eu leio até o final pra ver

se eu posso falar que não gostei do livro. Muito raro eu pegar um livro, começar a

ler e falar: “agora chega, não gostei desse livro, vou parar de ler”, eu leio mesmo

que /.../ não tô gostando muito da história /.../ e, às vezes, eu começo não gostando e quando chega na metade do livro, eu acabo gostando também (Leitora/BVN – 15 anos, entrevista, 2014).

Se, em alguns casos os próprios jovens concedem a si próprios, como postula Pennac (2008, p. 135), “o direito de não terminar um livro”, conforme menciona Lorena no excerto 44 de seu depoimento: “...Eu pego o livro, olho as páginas, leio um pouquinho dele /.../ se eu gostei, eu

pego; se não gostar, fica lá. (Leitora/BNE – 13 anos). Ao contrário disso, Henrique e Jordana

têm a perseverança de continuar as leituras, mesmo existindo a possibilidade de desagradá- los, porque, concomitantemente, essa postura traz em si a promessa de apreciação: “...Eu

eu começo não gostando e quando chega na metade do livro, eu acabo gostando também (Jordana/BVN – 15 anos).

Ademais, se por um lado, vimos que a atividade leitora entre jovens tem aspectos em comum, por outro lado, a perseverança nas leituras de textos que não se gosta desde o início, mostra-se como singularidade, reiterando a ideia de que não há uma cultura juvenil única também nas práticas de leituras literárias.

4.3.6 Conhecimento prévio das histórias

Outro aspecto evidenciado como motivo para a continuidade das leituras é o conhecimento prévio das narrativas:

78.Roger: Tipo eu pego mais livro de filme e de série de TV com a intenção de

quando chegar em casa /.../ ler esse livro.

P: Entendi, porque você tem mais ou menos uma ideia de como é a história e isso te chama atenção pro livro.

Roger: É. P: É isso?

Roger: Isso (Leitor/BBA – 15 anos, entrevista, 2014).

79.Isabela: Talvez seja... Que eu tenho uma ideia, mais ou menos sobre o livro.

Aquele assunto do livro me interessa e também talvez de ser conhecido, às vezes, o livro é muito conhecido e te dá aquele interesse de saber do que ele trata (Leitora/BNE – 15 anos, entrevista, 2014).

No caso de Roger, esse conhecimento prévio vem das mídias: “Tipo eu pego mais livro de filme e de série de TV...”, aspecto que também se mostra importante como critério de escolha das leituras literárias dos jovens. Para Isabela, está associado ao interesse pelo assunto ou a popularidade do livro: “...Aquele assunto do livro me interessa e /.../ às vezes, o livro é muito

conhecido e te dá aquele interesse de saber do que ele trata”.

4.3.7 O conhecimento do outro pela literatura

Localizamos ainda o desencadeamento das leituras ocasionado pelo desejo de conhecimento do outro através da literatura, que se relaciona à dimensão ética:

80.Marina: ...Esse professor que eu te falei, ele dá aula de Filosofia e História,

então, a aula dele é muito interessante /.../ Eu pego o livro por interesse naquela

tirar coisas, sabe? Então, geralmente eu começo a ler um livro pra adquirir mais

conhecimentos sobre determinado assunto, então a história fica interessante e eu aprendo coisas novas... (Leitora/BVN – 13 anos, entrevista, 2014).

P: ...Você frisou bastante essa coisa de adquirir novos conhecimentos. Geralmente quais conhecimentos você quer adquirir hoje?

Marina: ...Quando eu digo de conhecimento até como lidar com as pessoas. Às

vezes, vamos supor, você tá passando por algum problema, alguma aflição, lendo aquele livro, até que o problema não seja seu, talvez de um colega ou alguém próximo, a partir das atitudes do personagem, você pode já ter uma noção do que fazer em relação a isso. Eu acho que é legal, sabe? /.../ Mesmo que não seja um conhecimento /.../ específico, igual eu tinha falado antes da Guerra Mundial, do Anarquismo, mas pra lidar com as pessoas ou até se entender melhor. Igual eu tô querendo tentar me conhecer melhor, mas é um pouco complicado. Lendo livros, eu posso aprender sobre outras pessoas, o que elas faziam e tal (Leitora/BVN – 13 anos, entrevista, 2014).

Entendemos que esse testemunho compreende a dimensão da literatura de conhecimento da história humana, que nos permite apreender nossa formação enquanto indivíduo e grupo, além demonstrar o esforço de Marina em torno da atividade leitora, revelando a legitimação dessa prática: “...Eu pego o livro por interesse naquela história /.../ você lendo aquilo, você pode

tirar coisas...”. No fragmento seguinte, enfatiza-se a possibilidade oferecida por certas leituras no sentido de conhecer o outro para assimilar questões em torno da natureza humana: “...Quando eu digo de conhecimento até como lidar com as pessoas /.../ ou até se entender

melhor /.../ Lendo livros, eu posso aprender sobre outras pessoas, o que elas faziam...”.

Além disso, percebe-se que as experiências leitoras dessa jovem propiciam a reordenação de questões subjetivas, através da identificação com as personagens: “...você tá passando por

algum problema, alguma aflição /.../ a partir das atitudes do personagem, você pode já ter

uma noção do que fazer em relação a isso...”. Essa interação dialógica entre leitor-texto, presente no testemunho de Marina, inscreve a noção de enunciação, incluindo a apropriação da linguagem através de um ato, concomitantemente, social e subjetivo. Isto é, ao mesmo tempo em que as histórias provocam sensações e sentimentos nos leitores, suas vivências cotidianas são associadas a elas.

4.3.8 Séries literárias

Identificamos que a avaliação positiva de um dos títulos das séries literárias desencadeia a leitura de outros títulos da coleção:

81.Marcos: ...é continuação de um livro que eu já tenha lido antes, tipo se tiver

uma série e eu leio o primeiro livro, se eu encontrar o segundo vou ler ele, se eu

achar interessante (Leitor/BCS – 13 anos, entrevista, 2014).

Nesse depoimento, a continuidade da leitura está relacionada a promessa de apreço dos próximos volumes quando se gosta do primeiro: “...se eu encontrar o segundo vou ler...”. Entendemos que as séries literárias, por adotarem um padrão de construção do enredo, da linguagem e do desfecho, recursos utilizados pelo mercado editorial, incitam o leitor a ler os títulos seguintes.