4 PRÁTICAS E ESCOLHAS DE LEITURAS LITERÁRIAS DOS JOVENS
4.8 Práticas de leituras literárias
4.8.1 Compartilhamento das leituras literárias
A partir dos estudos de Neta (2008) e Silva (2006), verificamos que as atividades de leitura baseadas em uma perspectiva dialógica contribuem para a aproximação dos jovens da literatura e a ampliação dos seus repertórios leitores, fato confirmado nos dados apresentados. Então, a partir desse contexto, levantamos a opinião desses sujeitos sobre essas propostas.
Embora todos os leitores tenham considerado importante a proposição dessas práticas, pois a própria questão encerrava certa valoração, nossa análise centra-se especialmente nos apontamentos feitos pelos jovens em torno dessa questão.
Tabela 27: Apontamentos dos jovens em torno de práticas que visam ao compartilhamento das leituras literárias78
Categorias Ocorrências
Melhor compreensão das leituras 11
Produção de conhecimento 5
Incentivo do gosto pela leitura 4
Ampliação do repertório leitor 4
Trocas de impressões nas redes sociais 3
Total 27
Fonte: Elaborada pela autora.
4.8.1.1 Melhor compreensão das leituras
O principal motivo manifestado pelos nossos leitores que os levam a ser favoráveis à realização desse tipo de prática é a possibilidade de maior compreensão das leituras literárias:
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Categorias emersas do item da entrevista: “Você acha importante que os professores, bibliotecários, seus pais, seu colegas conversem com você sobre suas leituras literárias, ou seja, que haja momentos para essas trocas de
173.Marina: ... Às vezes, a gente lê o texto, eu já consegui superar isso, mas é tipo
o povo lá da sala, você leu, mas não entendeu muito bem o que leu. Com as dicas
do colega, você consegue superar isso... (Leitora/BVN – 13 anos, entrevista, 2014).
174.Karina: Eu acho que é muito importante, é muito bacana você discutir com
outra pessoa o livro em si /.../ Você vai discutindo e descobre várias outras
coisas... (Leitora/BBA – 14 anos, entrevista, 2014).
175.Clarice: Eu acho que é. Mas tem pessoa que não quer ler, não quer participar. P: E por que você acha que é importante?
Clarice: Porque, o povo gosta de ler e quer falar sobre o livro, que “que” achou, o
que pode acontecer na sequência, se tiver.
P: Pra trocar ideias, não é isso?
Clarice: “Humhum” (Leitora/BVN – 13 anos, entrevista, 2014).
Esses depoimentos revelam que a construção de sentidos efetiva-se por meio de interações e troca de ideias, opiniões e informações entre os leitores, como explicita Marina: “... a gente lê
o texto /.../ não entendeu muito bem /.../ Com as dicas do colega, você consegue superar
isso...”. Ou seja, nota-se que a partilha na comunidade de leitores contribui para o engajamento dos jovens nas práticas de leituras, favorecendo a compreensão dos textos literários.
4.8.1.2 Produção de conhecimento
Outro aspecto que contribui para que os jovens avaliem positivamente a realização de práticas de leitura dialógicas é a produção de conhecimentos:
176.Henrique: Eu acho que é importante, porque, por exemplo, literatura
brasileira, você pode trocar informações sobre a sua cultura. Coisas que você não sabe, você troca ideias com as pessoas e acaba sabendo. E Literatura Estrangeira você pode saber vamos supor... Qual que é o nome... /.../ (Conhecer) costumes das
outras culturas (Leitor/BNE – 16 anos, entrevista, 2014).
177.Adriana: É importante, porque as pessoas trocando o conhecimento que elas
têm sobre literatura, elas podem... conhecer novos horizontes, elas podem tanto gostar de um gênero novo, quanto conhecer um livro daquele que ela gosta e não conhecia...
P: E quando você fala: “a literatura amplia horizontes” o que você tá querendo
dizer com isso?
Adriana: Quando você lê um livro, sobre uma certa coisa, talvez você não tenha
tido tanta informação sobre aquilo. Você lendo /.../ vai saber mais e pode até
mesmo passar esse conhecimento pra outra pessoa ... E, também, quando você lê,
isso influencia muito na sua opinião /.../ Como posso explicar? A pessoa é mais aberta, ela é mais... tem uma opinião boa sobre as coisas, coisas diferentes, não é tão fechada e consegue ser mais aberta pra outras opiniões e outros gostos (Leitora/BNE – 16 anos, entrevista, 2014).
Para Henrique, a produção de conhecimento está associada à apreensão de aspectos da nossa cultura e, também, de outras: “...literatura brasileira, você pode trocar informações sobre a
sua cultura /.../ E Literatura Estrangeira /.../ (conhecer) costumes das outras culturas”, que
mostra o sentido de alteridade da interação leitor/texto.
No caso de Adriana, ressalta-se a dimensão dialógica da produção do conhecimento, cuja interlocução permite ouvir a voz do outro: “...A pessoa /.../ consegue ser mais aberta pra outras opiniões...”. A leitora também acredita que essas partilhas em torno do universo literário permitem expandir os repertórios leitores: “...as pessoas /.../ podem tanto gostar de
um gênero novo, quanto conhecer um livro /.../ que /.../ não conhecia...”.
De maneira geral, a partir desses relatos, percebemos também que as práticas de leitura dialógicas, que confrontam diferentes discursos, como o conhecimento de outras culturas, a opinião alheia ou a compreensão de temas desconhecidos, parecem colaborar para o desenvolvimento do pensamento reflexivo dos jovens, gerando novos modos de inserção na cultura.
4.8.1.3 Valor da leitura
O valor da leitura no cotidiano de nossos jovens também é elemento que contribui para que eles sejam favoráveis ao compartilhamento das leituras literárias:
178.Marina: Olha, eu considero muito importante sim, porque as pessoas que
estão ao seu redor, colegas, eles te influenciam muito, ainda mais quando há um professor querido ou até uma pessoa da sua família /.../ se as pessoas ao seu redor não são muito interessadas em leitura e você gosta um pouco, é bom você fazer esse papel. Ah, tal livro/.../ Ajuda a impulsionar esse gosto pela leitura (Leitora/BVN – 13 anos, entrevista, 2014).
179.Letícia: Eu acho importante, porque é um incentivo. Porque tem gente que
não tem esse momento de ninguém falar pra ele de livros /.../ e a pessoa por ela, não vai buscar, nem descobrir sozinha, então, pra ela adquirir esse gosto pela
leitura, acho que tem que ter esse empurrãozinho /.../ por exemplo, eu tenho isso,
porque eu leio e, desde pequena, eu fui acostumada a ler e gostar, mas tem gente que não teve isso, então essas conversas seriam importantes (Leitora/BCS – 16 anos, entrevista, 2014).
Para Marina, esse valor é compartilhado quando as pessoas que se interessam pela leitura, especialmente quando são mediadores-referência, disseminam essa ideia. Letícia acredita que esse encorajamento depende de eventos sociais que envolva a conversa sobre os livros: “...tem
gente que não tem esse momento de ninguém falar pra ele de livros /.../ a pessoa /.../ não vai buscar, nem descobrir sozinha /.../ pra /.../ adquirir esse gosto pela leitura /.../ tem que ter
esse empurrãozinho...”.
4.8.1.4 Ampliação do repertório leitor
Nossos leitores também ressaltam que os momentos de trocas de experiências em torno dos textos literários favorecem a ampliação de seus repertórios leitores:
180.Marcos: Ah, muito importante com certeza, porque, muitas vezes, as pessoas indicam livros que eu acabaria não lendo por não encontrar, eu acabo lendo e
acabo gostando (Marcos – 13 anos, entrevista, 2014).
181.Daniel: É, acho isso importante e interessante, porque vamos supor, eu estou
numa rodinha: eu, você, minha mãe e meu pai /.../ Eu peguei o livro “O diário de
um banana”, você pegou o “Percy Jackson”, minha mãe pegou o é... “Como treinar o seu dragão” e meu pai pegou o... “O herói perdido”. Então, o meu pai
leu, minha mãe leu, você e eu lemos. O que a gente pode falar? A gente pode
sentar e discutir de um livro e pode até despertar o interesse é...Você vai lá na biblioteca, pega o livro e lê /.../ de acordo com o que você achou e gostou /.../ da discussão!
P: /.../ Vê se é isso que eu entendi: as discussões sobre os livros “pode fazer” com que isso seja uma forma de indicar livros pros outros?
Daniel: É, desperta a vontade de ler um livro, sabe? (Daniel – 13 anos, entrevista,
2014).
Para Marcos, essa expansão do gosto acontece pela indicação de livros que ele não tem acesso por si próprio: “...as pessoas indicam livros que eu acabaria não lendo por não encontrar...”. E, para Daniel, acontece pela argumentação em torno das obras lidas: “Você vai lá na
biblioteca, pega o livro e lê /.../ de acordo com o que você achou e gostou /.../ da discussão!
Seu depoimento reitera também a biblioteca como instituição de acesso à leitura.
4.8.1.5 Troca de impressões nas redes sociais
Na contemporaneidade, nota-se que os meios digitais criam novas linguagens, que geram novos modos de interação. Esse contexto possibilita que o compartilhamento das leituras também ocorra nas redes sociais:
182.Jussara: É importante, em redes sociais também tem isso. Têm páginas /.../
que a gente frequenta pra dar opiniões /.../ É bem legal, a gente conhece várias
pessoas que gostam também dos livros.
P: E você participa dessas redes? Dando opiniões e recebendo? É isso? Jussara: Isso (Leitora/BVN – 15 anos, entrevista, 2014).
183.Bruna: Acho interessante, tem até um site na internet, eu acho que chama: “Esculb, Escalub” (Skoob79), um coisa assim, que você posta os livros que você leu, dá resenha sobre dos livros, você pode trocar com outras pessoas na internet
esses seus livros. Eu até tenho, coloco os livros que eu já li, escrevo sobre eles, os
que eu mais gostei, os que eu não gostei. Acho que tinha que abranger mais isso, eu acho (Leitora/BNE – 18 anos, entrevista, 2014).
Esses modos de interação social possibilitam a formação de comunidades leitoras virtuais, nas quais os leitores trocam impressões sobre os livros que leem: “...Têm páginas /.../ que a gente frequenta pra dar opiniões...” (Jussara/BVN – 15 anos). Esses espaços também permitem que nossos leitores exponham suas preferências leitoras: “...você posta os livros que você leu /.../ escrevo sobre eles, os que eu mais gostei, os que eu não gostei...” (Bruna/BNE – 18 anos), mostrando também a dimensão subjetiva dessa prática.
Leyva (2012, p.192) assinala que a tecnologia digital representa uma mutação geracional na contemporaneidade. Em relação às práticas de leitura, a autora considera que os núcleos leitores deixam de ler locais para se tornarem mundiais. E, forjados na textualidade eletrônica, passam a ter uma estrutura flexível e cambiante, que corresponde a necessidades mais globalizadas, associadas à diversidade cultural. Segundo a autora, esses modos de interação que misturam a comunicação oral, visual e escrita no formato hipertextual criam novas formas de convivência e sociabilidade.
Continuando esse diálogo e, tendo em vista a constante tensão que se apresenta no cenário escolar, sobretudo, em relação às leituras literárias, convidamos os nossos leitores a revelar diferenças percebidas entre as práticas de leitura escolares e fora desse ambiente.