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Índice de Tabelas

1.1 Evolução do conceito de acidente neurológico

1.1.2 Acidente isquémico transitório

Na descrição da evolução do conceito de acidente isquémico transitório (AIT), e pelas mesmas razões evocadas para a descrição da evolução do conceito de AVC, as fontes de informação utilizadas foram livros de texto.6-8 Indicam-se apenas as referências de publicações no século XX. É difícil determinar a primeira descrição de um AIT do cérebro ou do olho tal como é definido actualmente. Em 400 a.C. Hipócrates (460-370 a.C.) escreveu “quando os doentes, que não se encontram febris, queixam-se de cefaleias, náusea, vertigem, lentidão na fala e adormecimento das mãos, espera-se que eles se tornem epilépticos ou que venham a sofrer de apoplexia...”. Wepfer (1620-1695) descreveu um doente que ficando hemiplégico recuperou em menos de um dia. Thomas Willis (1641-1675) descreveu um episódio transitório que precedeu um AVC.

William Hyberden (1710-1801) é considerado como o que primeiro fez uma descrição completa de um AIT cerebral. Jean Paul Gardner de Franchy em 1789, aos 70 anos, descreve pelas suas próprias palavras uma afasia transitória.

A partir de meados do século XIX, quando foi estabelecido que o amolecimento cerebral não era devido a um processo inflamatório, mas como consequência de oclusão de artérias cerebrais, com maior frequência foram reconhecidos episódios transitórios de isquemia.

No decorrer do tempo três teorias principais foram invocadas para explicar a fisiopatologia do AIT, pelo menos em relação com a aterosclerose: 1) teoria do vasospasmo, 2) teoria hemodinâmica, e 3) teoria tromboembólica.

Teoria do vasospasmo

Raymond (1834-1881) em 1862 descreveu a gangrena das extremidades como causada por vasospasmo arterial. Esta teoria foi extrapolada para a circulação cerebral por Peabody, 1981 e Russen, 1909;26 este último afirmou na discussão de um caso clínico que “um trombo após

formado não se dissolve e desaparece de forma misteriosa…” dizendo “deve existir alguma constrição vascular local, variando no grau e na extensão, e indo e voltando…”.

Osler em 1911 dizia “temos evidência plena que as artéria passam a um estado de espasmo com obliteração do seu lúmen e perda de função das zonas que irrigam…”.

Esta teoria perdurou durante a primeira metade do século XX e foi a base para o uso de medicamentos “vasodilatadores” amplamente utilizados. A teoria caiu em desuso, primeiro porque as artérias cerebrais são as menos reactivas de todo o organismo e também porque surgiram teorias mais plausíveis. O vasospasmo é um factor causal de isquemia, nomeadamente associada à hemorragia subaracnoideia e, em casos raros, noutras situações.

Teoria hemodinâmica

A noção de “baixo fluxo” como causa de isquemia cerebral pode ser atribuída provavelmente a Ramsay Hunt (1914)10 que estabeleceu a analogia entre os sintomas de estenose ou oclusão carotídea e os sintomas de claudicação intermitente em doentes com doença arterial periférica severa. Mas foi Denny-Brown em 195127 que sugeriu que os AITs podiam ser causados por

“insuficiência episódica no círculo de Willis”.

Foi na comunidade cirúrgica que a “claudicação cerebral intermitente” se tornou mais atractiva, apesar de incongruências, como o relativo constante fluxo cerebral, contrastando com a ampla flutuação de fluxo que ocorre nos membros inferiores dependendo do nível de actividade, e da falta de suporte de estudos clínicos.

Após a realização com sucesso da primeira cirurgia de reconstrução carotídea (Eastcott et al, 195428), e o acreditar intrínseco na teoria hemodinâmica, levou a uma expansão da endarterectomia carotídea, “desobstrução cirúrgica da artéria carótida”, colocada mais tarde na sua verdadeira indicação com os resultados de ensaios clínicos bem desenhados.15,16 Em algumas

situações particulares, no entanto, na presença de múltiplas estenoses e oclusão de artérias extracraneanas, a reserva hemodinâmica pode ser tão pobre que pequenas alterações na pressão sistólica podem não ser compensadas, e levar a sintomas.

Teoria tromboembólica

Nos anos de 1950 Miller Fisher deu um novo ímpeto a antigas observações que relacionavam o AVC a lesões ateromatosas das bifurcações carotídeas, mas também demonstrou que a patogénese era mais complexa do que podia ser explicada por uma estenose arterial fixa; em 195212 descreveu um doente com episódios de hemiplégia e cegueira monocular transitória no

olho contralateral. Também Miller Fisher29 em observações oftalmológicas exaustivas verificou a

passagem de êmbolos (plaquetários) pelas artérias retineanas durante um ataque de cegueira monocular transitória. Até esta observação directa outros argumentos corroboravam a noção de embolismo arterio-arterial a partir de uma placa de aterosclerose como causa importante de AIT. Embora este mecanismo seja o mais importante, não é necessariamente o único; por exemplo, é provável que êmbolos tenham um especial efeito de lesão em leitos vasculares cronicamente hipoperfundidos.

O termo “Transient Ischemic Attack”, Acidente (Ataque) Isquémico Transitório, foi introduzido pela primeira vez por Miller Fisher durante a segunda “Princeton Conference” em 1957.7 Em 1958 um comité ad hoc estabelecido pelo “National Institutes of Health” para a nomenclatura das doenças

cerebrovasculares identificou os episódios transitórios como “transient cerebral ischaemia” e determinou uma hora, como limite superior para a duração dos sintomas.7 Em 1961 na terceira

“Princeton Conference” o termo “Focal Intermittent Insufficiency or Ischemic Attack” foi utilizado e Miller Fisher também empregou o acrónimo “TIA” (AIT).7 Na quarta “Princeton Conference”, em

1965, “Transient Ischemic Attack”, Acidente (Ataque) Isquémico Transitório, ganhou a aceitação generalizada e desde aí foi sempre utilizado.7 Em 1975, no encontro do segundo Comité ad hoc para as doenças cerebrovasculares (Millikan, Chairman, NINDCDS ad hoc Committee on cerebrovascular disease, 1975)30 descrevem-se os AITs com sintomas que perduram entre dois a trinta minutos. A Organização Mundial da Saúde (OMS) conseguiu, em 1978, obter um consenso na definição e no limite temporal de 24 horas para a duração dos sintomas.7

O termo “amaurose fugax”, referido a cegueira monocular transitória, foi utilizado pela primeira vez por Weiss em 1912.7 Moore descreve em 1925 a “amaurose fugax” tal como esta é reconhecida

hoje, “ataques paroxísticos de cegueira geralmente afectando apenas um olho de cada vez e seguida por uma recuperação da visão em períodos variando entre alguns minutos a várias horas”.7 Assim, o termo amaurose fugax, significa aqui cegueira monocular transitória isquémica, ou seja, AIT ocular.

Actualmente debate-se novamente o conceito e também a definição de AIT,31 por razões que se prendem com a existência de tratamento para a fase “hiper-aguda” do enfarte cerebral, e também pelo conhecimento adquirido pelo estudo do cérebro através das novas técnicas de imagem, nomeadamente a Ressonância Magnética Nuclear, com a clara demonstração de alterações tecidulares, que podem ser permanentes, na presença de défices neurológicos completamente reversíveis em minutos a horas.

Pode definir-se acidente isquémico transitório como7 “Síndrome clínico caracterizado por perda aguda focal da função cerebral (AIT cerebral) ou ocular (amaurose fugax) com sintomas permanecendo menos de 24 horas, presumivelmente devido a um défice de irrigação cerebral, resultado de uma baixa perfusão sanguínea, trombose arterial ou embolismo, associada a doença arterial, cardíaca ou do sangue”.